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Nilson Marinho
Publicado em 13 de janeiro de 2025 às 02:15
Transformar paixão em profissão é o sonho de muitos, e Weslem Martins, natural de Una, no Sul da Bahia, fez exatamente isso. Ele se tornou uma referência no universo do cacau e do chocolate, atuando como degustador, analista sensorial e formador de novos profissionais na área.
Ao contrário do que muitos possam pensar, os degustadores de chocolate têm muitas funções do que meramente comer o produto durante o seu expediente de trabalho. Eles são responsáveis pelo controle de qualidade durante o cultivo, a definição da data de validade e a criação de novas receitas e produtos. Essas atividades exigem tanto o uso das papilas gustativas quanto um grande conhecimento técnico sobre o chocolate.
O salário médio de um Degustador de Derivados de Cacau é de R$ 2.052,18 para uma carga horária semanal de 44 horas, segundo uma pesquisa realizada pelo Portal Salário. O levantamento utilizou dados de 71 profissionais admitidos e desligados sob o regime CLT nos últimos 12 meses, conforme informações do Novo CAGED. O teto salarial para a função é de R$ 3.544.
A relação de Weslem com o cacau começou cedo, na zona rural onde cresceu. Seus pais eram apaixonados pela cultura cacaueira, e essa ligação o inspirou a seguir um caminho que o levaria a se tornar especialista em cacau e chocolate. “Eu sempre brinquei que, se não desse certo com cacau e chocolate, teria que começar tudo de novo, porque foquei exclusivamente nisso. Felizmente, deu certo”, relembra.
A escolha pelo curso técnico em alimentos, em 2014, deu início à sua trajetória profissional. Desde então, ele se dedicou a aprender e aplicar conhecimentos específicos sobre cacau e chocolate. Em 2015, Weslem participou de um projeto de extensão que levou capacitações sobre produção de chocolate para diferentes regiões do Brasil. Essa experiência confirmou sua paixão pela área. “Viajar pelo país e ensinar sobre chocolate foi um divisor de águas. Percebi que era isso que queria fazer pelo resto da vida”, conta.
Pouco tempo depois, começou a fabricar chocolates para diferentes marcas e a ministrar cursos. Muitos empreendedores que hoje possuem marcas próprias tiveram Weslem como mentor. “É gratificante ver marcas que ajudei a iniciar prosperarem. Isso me motiva a continuar ensinando e compartilhando conhecimento”.
O grande salto na carreira veio em 2017, quando Weslem ingressou no Centro de Inovação do Cacau (CIC), em Ilhéus. A convite das fundadoras Adriana Reis e Cristiana Vila, passou a atuar como analista sensorial e gerente da fábrica de chocolate do centro.
No CIC, Weslem desempenhou o papel de avaliar a qualidade do cacau enviado por produtores e auxiliar no desenvolvimento de chocolates. Entre suas responsabilidades, ele destaca o treinamento rigoroso necessário para se tornar um painelista sensorial.
“O mercado de cacau fino é muito pautado na análise sensorial. Nosso trabalho ajuda o produtor a entender como melhorar sua produção para atingir um padrão de excelência. Degustar chocolate parece fácil, mas é um trabalho técnico que exige muito estudo e prática. Precisamos entender as nuances de sabor, aroma, textura e até mesmo as características genéticas do cacau”, explica.
Ser um degustador de chocolate envolve mais do que paladar apurado, diz. A profissão exige conhecimento científico e capacidade de interpretar informações sensoriais complexas. Segundo Weslem, fatores como a quantidade de papilas gustativas, formato dos dentes e composição bacteriana da boca podem influenciar a percepção de sabor.
No CIC, ele participou de treinamentos constantes, incluindo capacitações internacionais, para garantir a precisão nas análises. “A avaliação sensorial é uma ciência. Precisamos alinhar percepções e usar metodologias padronizadas para garantir que nossas análises sejam confiáveis e úteis para os produtores”.
O trabalho de Weslem no CIC também incluiu a participação em concursos estaduais e nacionais de qualidade do cacau. Nesses eventos, ele e outros painelistas avaliaram amostras de cacau e chocolates para ranquear os melhores produtores.
Em 2024, Weslem deixou a posição de gerente do CIC para se dedicar ao mestrado em genética aplicada à qualidade do cacau, mas continua atuando como professor e consultor. “É uma área que está em constante evolução. Todos os dias aprendo algo novo e experimento novos sabores. É um privilégio trabalhar com algo tão rico culturalmente e tão importante economicamente para o Brasil”, conclui.
Adriana Reis, bióloga e doutora em biotecnologia, é uma referência nacional no universo do cacau. Natural de Ilhéus, no sul da Bahia, ela uniu sua formação acadêmica à paixão pela história e tradição do cacau para fundar o CIC. Hoje, ela atua como gerente de qualidade, liderando avanços na análise sensorial e na valorização do cacau e chocolate brasileiros.
A relação de Adriana com o cacau começou na infância. Criada em uma família com pequenas fazendas na região cacaueira, ela via sua avó preparar chocolates rústicos no tacho, uma tradição local que despertou seu interesse pela cultura do cacau. “Minha avó fazia chocolates que chamávamos de ‘cocada’, embora nem sempre levassem coco. Foi assim que comecei a me apaixonar pela história e pelo potencial do cacau da nossa região”, relembra.
Esse vínculo cultural se transformou em carreira quando Adriana decidiu estudar biologia e direcionar sua atuação acadêmica para a pós-colheita do cacau, buscando agregar valor ao produto e auxiliar produtores a melhorar a qualidade de suas lavouras.
Em 2016, Adriana e seus colegas fundaram o CIC, uma iniciativa incubada na Universidade Estadual de Santa Cruz. O CIC é especializado em análises físico-químicas e sensoriais de cacau e chocolate, com foco na inserção de produtores no mercado de cacau fino e chocolates artesanais.
“O CIC nasceu em um momento estratégico para mudar a percepção do cacau brasileiro, tanto nacional quanto internacionalmente. Queríamos não apenas recuperar a reputação do cacau da Bahia, afetada pela vassoura-de-bruxa, mas também valorizar nossa cultura e atrair investimentos para a região”, explica Adriana.
A atuação do centro é ampla, desde a análise de qualidade do cacau até a terceirização da produção de chocolates para marcas em ascensão. Hoje, o CIC apoia diretamente 33 marcas de chocolate, fornecendo suporte técnico e operacional para que pequenos produtores entrem no mercado sem a necessidade de investir em uma fábrica própria.
Adriana também lidera o CacauSense, o laboratório de análise sensorial do CIC. Ela trabalha com uma equipe de oito painelistas treinados para avaliar as características sensoriais do cacau e do chocolate. A profissão de degustador, ou painelista sensorial, ainda é pouco conhecida e desenvolvida no Brasil, mas é crucial para a cadeia produtiva de chocolates de qualidade, diz Adriana.
“O cacau é um dos produtos alimentícios mais complexos do mundo, com milhares de compostos aromáticos que se combinam para criar uma infinidade de sabores e aromas. Por isso, ser degustador exige conhecimento profundo sobre o fruto, técnicas de pós-colheita e uma capacidade técnica de repetição e discriminação sensorial”, detalha.
Ela ressalta que o treinamento é fundamental, mesmo para aqueles com predisposição genética para identificar sabores. “Não basta ter sensibilidade; é preciso estudar e praticar constantemente. O trabalho exige precisão científica e repetibilidade, além de uma compreensão das nuances do cacau”.
Adriana também foi coautora do projeto de Indicação Geográfica do Cacau Sul da Bahia, que certifica a origem e qualidade do cacau produzido na região, destacando-o como um produto singular no mercado global. Esse trabalho contribuiu para posicionar o sul da Bahia como um dos principais polos de produção de cacau fino no mundo.
“A tendência mundial é caracterizar os produtos sensorialmente e valorizar sua origem. Por isso, nosso trabalho no CIC é fundamental para descrever o perfil de sabor e aroma do cacau brasileiro e garantir que ele alcance os mercados mais exigentes”, explica.
Com a crescente demanda por chocolates artesanais e cacau fino, Adriana acredita que o Brasil, especialmente o sul da Bahia, tem potencial para se consolidar como referência mundial. Além de apoiar produtores e marcas emergentes, o CIC tem atraído atenção internacional, recebendo visitantes e especialistas interessados em entender o terroir único do cacau brasileiro.
“Queremos que as pessoas venham para o sul da Bahia não apenas pelas praias, mas para conhecer nossa cultura cacaueira pulsante. Mostrar ao mundo o valor do nosso cacau é a melhor forma de atrair investimentos e fortalecer nossa região”, conclui Adriana.