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Emília Pérez: Lobo em Pele de Cordeiro

Fala-se muito da atuação de Karla Sofia (para o bem e para o mal), mas quem rouba a cena, a meu ver, é Zoë. Ela é maior responsável por ditar o ritmo e nos colocar dentro da história desde o princípio

Publicado em 15 de fevereiro de 2025 às 05:00

O longa Emilia Pérez, de Jaques Audiard, é uma fábula que parte de uma parábola bíblica (lobo em pele de cordeiro), rasga caminhos pelo melodrama mexicano e comunga com o épico grego, tudo ao som de um musical, gênero que marcou o cinema de Hollywood dos anos 30 aos 50. Emilia Pérez é um filme vibrante, de caráter popular e com todas as chances de ser um grande sucesso no mundo todo.

O filme tem um tom determinista e traz uma história que fala da essência que acompanha cada ser humano e a impossibilidade de driblar os deuses, não importa quanto dinheiro se tenha, qual tecnologia ou possibilidades existam. Modificar radicalmente os rumos de nossas vidas, tentar zerar nossas existências, aplacar à força culpas, crimes e remorsos é um sonho humano antigo, mas… não é possível dar um “reset" e voltar à estaca zero. Certo é que teremos que prestar contas, cedo ou tarde.

No filme, quem nos conduz, em princípio, e de forma magnética, é a advogada Rita Mora Castro, interpretada por Zoë Saldanha. Ela é tão brilhante quanto melancólica, pois ganha a vida inocentando pessoas que considera culpadas. Há uma crise de consciência na personagem, mas nada que a impeça de assumir o maior de seus desafios. Rita é contratada por Manitas, um gângster, chefão de um cartel de drogas mexicano vivido por Karla Sofia Gascón. Manitas quer apagar o passado e assumir uma nova identidade. Mais do que isso: ele quer se assumir como mulher. Deixar de ser macho-alfa-violento-dominador e se tornar um ser mais leve, doce e… humano.

Manitas tem um trunfo importante a seu favor: ele renascerá milionário, fruto dos golpes praticados na vida que ele não deseja mais. Muito conveniente, não?

Rita planeja tudo exemplarmente e auxilia Manitas a se tornar Emilia Pérez. Restos do corpo de Manitas é supostamente encontrado e, assim, nem mesmo sua esposa Jessi (Selena Gomez) e seus dois filhos pequenos terão consciência do que aconteceu. A família de Manitas/ Emilia é conduzida a salvo, por Rita, para a Suíça. Com vastos recursos, não lhe faltará nada.

Com Manitas morto e Emília viva, Rita dá por encerrada sua missão. Agora, com o dinheiro ganho, ela vai desfrutar a vida viajando pelo mundo. Acabou? Que nada!

Emilia a busca, mais uma vez. Vivendo no estrangeiro, Emilia confessa que sente falta do México e de sua família. Ela quer retornar, ficar próxima dos seus. Rita, em princípio reluta, mas acaba por ajudar Emília.

Tudo isso acontece no terço inicial do filme e é bom parar de contar a história tamanhas são as reviravoltas que se sucedem num thriller eletrizante, que mistura diversos gêneros (ação, policial, comédia, drama social, musical…). Dotado de uma ironia fina, Emilia vai se valer dos mesmo contatos de quando era gângster sanguinário para a fundação e manutenção de sua ONG.

Fato que Manitas não está morto e em algum momento ressurgirá, com toda força e violência. Pode-se mudar a pele, o rosto, o corpo, mudar de país, de vida, mas não há como fugir dos monstros que guardamos internamente. Os deuses nos conduzirão aos nossos destinos, provarão que somos frágeis e teremos que pagar pelos crimes cometidos. Temas que nos remetem a mais longínqua antiguidade.

Fala-se muito da atuação de Karla Sofia (para o bem e para o mal), mas quem rouba a cena, a meu ver, é Zoë. Ela é maior responsável por ditar o ritmo e nos colocar dentro da história desde o princípio. A Rita criada por ela é cativante e possui situações tão complexas quanto distintas na trama. Gostaria de vê-la sendo creditada como principal protagonista, ao lado de Karla Sofia, que também possui momentos brilhantes, mas, em outros é um tanto canhestra. O próprio Manitas não fica muito distante de uma mera caricatura.

Selena Gomez, por sua vez, constrói uma dona de casa, mulher de gângster frágil, que não quer nada além de ganhar mimos e se entediar com uma vida farta. Ela funciona como ponto de conversão para Manitas/ Emilia.

Pelas redes sociais, escutamos tantas coisas negativas relativas ao filme que, realmente, fiquei surpreso diante da riqueza de toda trama.

Emilia Pérez me fez lembrar do excelente A Outra Face, de John Woo, com Nicolas Cage e John Travolta, mas também de A Pele que Habito, de Pedro Almodovar. O poder de síntese social de Luis Buñuel, com críticas ácidas às boas intenções dos que querem salvar o mundo, também poderiam facilmente ser levantadas para falar do longa de Jacques Audiard. São muitos filmes em um e, ao meu ver, Emilia Pérez consegue a proeza de não se perder.

A parte musical é muito mais contida dia que eu pensava, também. O filme possui momentos coreografados, nada como os musicais de antigamente. São interessantes, bem pensados, alguns melhores que outros e estão bem encaixados na trama.

Não se espere de Emília Perez um primor em termos formais. Fotografia, por exemplo, possui uma luz e enquadramentos comuns. Funciona bem para a proposta, que é de agradar ao grande público.

Infelizmente, Emilia Pérez vem sendo boicotado pelo público brasileiro. Seja pela disputa com o filme brasileiro Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, seja pelos "crimes de opinião" praticados por Karla Sofia Gascón, que redundaram em cancelamentos não apenas no Brasil. Fato é que Emilia Perez tem números muito baixos em termos de bilheteria para um filme que está indicado a 13 estatuetas do Oscar, o mais importante prêmio da indústria do cinema.

Uma pena! Mas, quem perde, de verdade, é o público cinéfilo que deixa de apreciar um belo filme