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Publicado em 9 de dezembro de 2024 às 02:00
Na data em que completou 39 anos o reconhecimento do Centro Histórico de Salvador pela Unesco como “Patrimônio da Humanidade”, em 3 de dezembro último, o agitador cultural Clarindo Silva, entrincheirado na sua não menos célebre Cantina da Lua, lançou o Movimento pela Retomada da Revitalização do Centro Histórico de Salvador, causa a que se dedica há muitas e muitas décadas.
Vi seus olhos brilharem quando, no início dos anos 1990, no governo ACM, coordenei a execução das primeiras quatro etapas dos trabalhos de recuperação, concentradas no Pelourinho e seu entorno, estendendo-se do Carmo ao Terreiro de Jesus. Tenho presente na memória os momentos em que Roberto Marinho, Jorge Amado e Mário Soares, ex-presidente de Portugal, como convidados de honra, presidiram os eventos de inaugurações.
Várias tentativas anteriores de recuperação, algumas capitaneadas pelo próprio ACM, não haviam alcançado os seus objetivos, porque priorizavam a recuperação de edifícios monumentais isoladamente e não tiveram efeito transformador. A virada de chave se deu com a recuperação por quarteirões, uma proposta da arquiteta Maria Adriana Castro, então diretora de projetos do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), a partir de quando todo o tecido urbano passou a ser restaurado. Esses trabalhos prosseguiram até que, com a assinatura de um termo de acordo e compromisso envolvendo múltiplos atores, as atividades empacaram na sétima etapa.
Hoje, quando Clarindo pede a retomada do Programa de Revitalização, ponho-me a imaginar como estaria o Centro Histórico – e a Cidade – se os trabalhos tivessem tido a continuidade necessária – e inadiável – do Terreiro à Ladeira da Praça, estendendo-se pelos quarteirões da Baixa dos Sapateiros (onde o vetusto Cineteatro Jandaia, palco de Carmem Miranda e Pablo Neruda, em ruinas, continua sem recuperação) e a rua do Taboão (onde ainda recentemente ocorreu um desabamento parcial, nas proximidades do restaurado Elevador do Taboão).
Bastante extenso, o Centro Histórico de Salvador felizmente vem experimentando dinâmicas distintas, em várias frentes. Além de sua área mais emblemática, o Pelourinho, cujo processo de revitalização sofreu descontinuidade, o bairro do Comércio recebeu vultosos investimentos da Prefeitura, tendo sido devolvida à cidade a majestade da Praça Cairu. Na rua Chile, capitaneada por investimentos privados, cria-se uma estrutura hoteleira de luxo, com hotéis e centro gastronômico. No Santo Antônio Além do Carmo, os serviços de infraestrutura, realizados pelo Estado, deram novo vigor ao bairro, que tem um dinamismo próprio.
Trata-se, contudo, de um caleidoscópio que, ainda desarticulado, não assegura a sustentabilidade do processo de revitalização, donde a necessidade de sua retomada. Faltam, pelo menos, uma política habitacional e um sistema de governança que sejam capazes de amalgamar as iniciativas até agora realizadas e proporcionar o resgate definitivo desta que constitui a grande marca cultural, histórica e artística da Cidade do Salvador.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.