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Da Redação
Publicado em 11 de agosto de 2019 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Duas semanas atrás tava eu de quequé, crente que ia bagaçar num texto pra essa coluna, quando de repente a pauta caiu e eu fiquei na bruxa, vendo bicho. Um sacana que ia me dar uma entrevista veio cheio de quatchá quatchá, lançando um baratino que tava na cara que era laranjada, e eu, cheio de ódio, peguei a visão e mandei ele partir a milhão. Ficou a lacuna.>
Castelano, eis que clarearam as ideias e eu, pivete bruxo, encontrei uma solução caseira: falar sobre um livro antigo de baianês (‘A Gíria Baiana’, de 1973) que tava na minha estante. Não contei conversa e meti logo dança, pra entregar a tempo. A porra foi bateno, sem ninguém me oprimindo, até que bateu tudo; e tudo certo na Bahia, saiu uma trilogia: ‘Gírias curiosas e engraçadas do baianês de 1900 e antigamente - Parte 1’. O resto eu publico outro dia.>
Agora, depois de usar tantas gírias de favela e, suponho, não ter sido bem compreendido por alguns, cabe explicar cada uma (ver glossário lá embaixão). Quem me ajuda é o humorista Leozito Rocha, que tem um vídeo no YouTube intitulado “Dicionário Baianês (Gírias de Favela)” com quase 1 milhão de visualizações.>
A ideia para a separação do que é baianês padrão, que todo mundo conhece, daquele que é falado só na quebrada, veio após pedidos renitentes dos fãs de Leozito.“Tem o que a galera conhece mais, que é 'lá ele', por exemplo, e tem o da favela, que é mais restrito, só tem lá. A galera chegava pra mim perguntando dessas gírias que tavam surgindo na favela, e eu comecei a coletar e fiz o vídeo”, explica o ator de 27 anos, com vivências na comunidade tanto na Liberdade quanto na Itinga, onde mora atualmente.Se a ideia dele bateu assim, a minha veio fazendo o texto anterior, quando Nivaldo Lariú, do Dicionário de Baianês, fez o seguinte comentário sobre a escolha dos termos que atualizam sua obra: “Espero o verbete se consolidar e ter o uso mais ou menos generalizado, pra não cair na lista da linguagem dos ‘guetos’ (surfistas, Pelô, internetês e outros). Dá trabalho, velho!”>
Diferenças Pra fazer um trabalho bem feito e refletir sobre a linguagem do gueto, literalmente, fui à academia (de ciências) pra tentar entender como é possível identificar as diferenças entre o dialeto das favelas e o de outros núcleos urbanos. >
O desafio foi aceito por gente grande: a pesquisadora e escritora Marcela Moura Torres Paim, professora de Língua Portuguesa da Ufba e diretora científica do projeto Atlas Linguístico do Brasil. Se alguém ainda duvida que há diferença entre o baianês da Gamboa de Cima e o da Gamboa de Baixo, eis o que ela diz:“Sem dúvidas, há diferenças entre o vocabulário dialetal das favelas e de outros núcleos urbanos, pois a diversidade da língua está presente nas várias comunidades de fala e é necessária para satisfazer as exigências linguísticas da vida cotidiana”.Sim, pró, mas como esses termos e expressões surgem? “As gírias são variantes da língua introduzidas no cotidiano social, expressando a cultura de cada povo e grupo social, na linguagem cotidiana. Surgem também por influência dos modismos que são veiculados na mídia, além de possuírem características específicas de acordo com as localidades em que o falante esteja inserido, como é o caso do baianês”, conclui pró Marcela, que traz um exemplário de gírias coletadas nas falas de jovens soteropolitanos no livro 'Tudo é diverso no universo', publicado este ano pela Editora Quarteto, e que custa 40 'conto'.>
No palco Leozito Rocha também tá correndo atrás do seu, e no dia 14 de setembro estreia, no Teatro Eva Herz, em Salvador, o stand-up ‘O Melhor da Infância’, no qual volta a apresentar e fazer uma reflexão sobre as gírias baianas hoje e, especialmente, quando ele perdia o tampo do dedo batendo o baba no asfalto da Itinga. Leozito Rocha, 27, ficou famoso com o grupo Os 10ocupados, de Itinga, que tem vários vídeos virais sobre o cotidiano da favela (Foto: Divulgação) “É o meu primeiro show solo. Renato Piaba está ajudando no texto. E também tô estreando com Piaba, Psit Mota e Christian Bell o espetáculo ‘Coisas da Bahia’”, comenta Leozito sobre o show igualmente carregado de gírias e costumes baianos que vai acontecer no Teatro Atheneu, em Aracaju, que ocorre próximo dia 17.>
Mas por acaso o povo de Aracaju entende baianês?! “A gente tá se policiando pra não colocar tantas gírias, porque a galera de fora às vezes não conhece”, explica Leozito. Aproveitando o embalo, também explico as 30 gírias mais populares das favelas da Bahia (ou ao menos de Salvador e região circunvizinha), logo abaixo. Se lembrar de mais alguma, manda sugestão que vejo se incluo, pra bater tudo. >
Glossário Abrace minha ideia - Fique do meu lado, me apoie, dê uma força Bagaçar - Esbagaçar, brocar, botar pra lenhar Baratino - Mentira, enganação, tentativa de botar o outro numa laranjada Bateu tudo - Deu tudo certo, encaixou, ficou perfeito. (Ver: ‘tá bateno’) Castelano (Castelando) - Pensando direito, criando ideias, refletindo, matutando Cera / Cero - Parceira / Parceiro. Colega, amiga(o) Cheio de ódio - Com muito ódio de alguma coisa ou situação, pensando numa forma de reagir De quebrada ou De quequé - Na espreita, 'suave', quieto mas alerta, analisando tranquilamente uma situação É sim, de verdade - Reafirmando uma posição ou confirmando alguma coisa Gastar - Procurar brincadeira com quem não tá de bom humor, zombar de alguém Groovar - Botar pra lenhar, mandar bem, ter uma excelente performance sexual Ladainha - Conversa fiada, mentira. ‘Deixe de ladainha, seu loroteiro’ Lafúria - Jovem voluptuosa, afrontosa, que não deve nada a ninguém. Altiva, dona do próprio nariz Laranjada - Esparro. Situação complicada, constrangedora, de difícil resolução Menino bom - Jovem envolvido com coisas erradas Meter dança - Dançar mesmo; mandar bem; ter uma ótima performance sexual Na bruxa - De cabeça quente, agoniado, impaciente, precisando de algo. ‘Tô na bruxa’, ou seja, na seca, há muito tempo sem fazer sexo No sapatinho - Pessoa que não é considerada na favela Oprimindo - Colocando alguém contra a parede ou apertando a mente Panque meu queixo - Desafiando um oponente a dar o primeiro golpe durante uma troca de ofensas e ameaças Pegar a visão - Fica atento, parar de vacilar, se plantar Pelo certo (pelo correto, pelo corretíssimo) - Defendendo a forma mais correta de fazer algo, ou a opinião mais equilibrada e justa. [Mais usado na forma: Pero certo] Pivete é bruxo - Alguém que é considerado na área Quatchá quatchá - Conversa mole, ideia errada, ladainha Ralar peito - Ir embora, partir a mil Tá bateno (tá batendo) - Tá ficando bom ou já ficou Talarica(o) - Quem dá em cima, queixa ou pega a(o) namorada(o) dos outros Tá vendo bicho - Tá assustado, assombrado, na noia, fora de si Tô boiano - Não tô entendendo, tô por fora, sei de nada Tomou de quinhetos - Tomou corno, levou chifre. >