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Da Redação
Publicado em 28 de julho de 2019 às 14:00
- Atualizado há 2 anos
O Instagram me sinaliza que 332 semanas atrás eu estive num sebo no Centro do Rio de Janeiro bolinando uns livros velhos até me deparar com uma obra improvável: “A Gíria Baiana”, de um tal Alexandre Passos. Folheei ligeiro algumas poucas páginas e já constatei a curiosa descoberta: o tal “Gíria…” precedia, em ideia e conceito, o “Dicionário de Baianês”, best-seller e souvenir turístico do meu querido Nivaldo Lariú.
Minha descoberta, em 12 de março de 2013, diz respeito a algo lançado 40 anos antes, pelo qual paguei 15 “bagarotes” e editada/publicada lá no Rio mesmo, pela Livraria São José.
Mais interessante, claro, foi encontrar novos termos e expressões baianos (embora velhíssimos e em desuso) como “azular”, que queria dizer, na Bahia de 1900 e bolinha, “desaparecer de uma hora para outra. Sumir”. O verbete ainda vem com uso prático: “O noivo de Ritinha azulou, depois de formado”. Ou seja, “deu o zig”, em baianês corrente.
Há nele muitas palavras que perduram até hoje, mas chamou a atenção o charme de definição, como no caso de “bufa”, explicada como “ventosidade anal, sem estrépito”. A Gíria Baiana é um dicionário de baianês (arcaico) lançado quase 20 anos antes do mais famoso (Foto de Roberto Abreu com produção de Fernanda Varela e bolsa de Carol Neves/CORREIO) Entre as centenas de pérolas também é curioso observar como alguns termos mudaram sensivelmente o seu significado. É o exemplo de “broca”, que hoje é um tabefe, bofetada, tapão no pé do ouvido. Na época, não. “Mentira. ‘Firmino está contando uma broca’”, assim era usada.
Copio e colo trecho de um artigo sobre mudanças no dizer popular só pra reforçar o que é sabido: “a língua é viva, acompanha um povo ao longo dos tempos, expressando uma maneira de organizar o mundo em nomes e estruturas linguísticas, mudando e reinventando-se com as pessoas”.
Lançado em 1991/1992, ou seja, 27/28 anos atrás, o "Dicionário de Baianês" também passou por suas mudanças “Já perdi a conta das atualizações, mas vou chutar umas 15 ou 20”, comenta Lariú, que segue em seu "trabalho de corno" de organizar o carnaval de jargões.
“Continuo anotando sempre que escuto na rua ou os amigos me mandam. Mas espero o verbete se consolidar e ter o uso mais ou menos generalizado, pra não cair na lista da linguagem dos ‘guetos’ (surfistas, Pelô, internetês e outros). Dá trabalho, velho!”, comenta um dos autores mais lidos da Bahia -- são mais de 240 mil exemplares do dicionário, que tem viés mais voltado ao dialeto do Recôncavo.
“A Gíria Baiana”, porém, abre alas para registros mais longínquos, como “cachinringuengue”, que é uma “faca usada por pescadores lavouristas no Médio São Francisco”. Tem também “candango”, que é hoje é um gentílico informal de quem nasceu ou foi viver em Brasília mas que, no livro, além da definição já conhecida de que era o “nome com o qual os africanos designavam o português”, também aparece como “apelido dos passageiros do trem baiano (Bahia-Belo Horizonte-Rio e vice-versa)”.
Confesso que não sei que trem era esse, mas vou pesquisar. Sobre Alexandre Passos, pesquisei, mas não achei quase nada. Vou deixar a tentativa de lançar umas linhas de sua biografia e obra -- que inclui outras coisas ‘locais’ como “Letras Baianas” (1941) e “A Nova Geração Intelectual da Bahia” (1943) -- na segunda de três partes (entremeadas por outros temas) da trilogia de gírias antigas.
Quem também não sabia que a obra existia era o próprio Lariú. “Pra mim é uma bela surpresa esse achado! O Dicionário de Baianês é de 1991, e essa coletânea foi feita em 1973, um ano depois que cheguei à Bahia. Algumas expressões inclusive eu não conheço, e provavelmente entraram em desuso. Mas tudo isso só prova que a criatividade baiana sempre chamou a atenção de quem teve o privilégio de ter sido adotado por essa terra, como eu”, comenta o autor, que por descuido geográfico nasceu no Rio.
Nesta primeira leva de termos desconhecidos (para mim) e que estão em “A Gíria Baiana” (obra de 101 páginas), vamos apenas até a letra D, de jeans.
AAbaixo do rabo do cachorro, loc. O que se julga importante e está aquém do que se pensa. O que é, por despeito, relegado a plano inferior. Abrir o chambre, loc. Contar particularidades próprias ou alheias, levianamente. Em alguns lugares: fugir. Água suja, loc. Confusão, em consequência de intrigas e leviandades. A leite de pato, loc. Sem proveito. Gratuitamente. Asilado, adj. O que mora de favor. Até aí, morreu o Nevex, loc. Nada de novo foi dito. Até José chegar, loc. Falou até José chegar, isto é, falou muito. Demora em pagar o que deve, sem dar satisfação ao credor. BBabaquara, adj. Velho senil metido a conquistador. [Hoje: “perigoso”, de perigueto+idoso]. Bagarotes, s. m. plur. Dinheiro. Balão, s. m. Mentira. Boato. “Alfredo contou ou soltou um balão, mas não pegou”. [Hoje: “Ninguém comeu sua pilha”]. Banhar-se em água de rosas, loc. Ter razão e vê-la confirmada pelos fatos, em opinião emitida. Bater a passarinha, loc. Indiferença. “Não me bate a passarinha o que acontecer”, isto é, “pouco me incomodo”. Em sentido afirmativo: morrer. Bem belo!, loc. Expressão de espanto. “Viu o que você fez? Bem belo!” [Hoje: “Bonito, hein!” ou “Viu, sacana!”] Boceta, s. f. Caixinha de guardar rapé. Tabaqueira. [Hoje: “xereca”] Branco da Bahia, loc. Elemento das três raças esquecido da miscigenação. Bredo, s. m. Namoro ligeiro. Flerte. [Hoje: pegação rápida ou frete]. Broca, s. f. Mentira. “Firmino está contando uma broca”. Bufa, s.f. Ventosidade anal, sem estrépito. CCabra sarado, adj. Decidido. [Hoje: bombado da Academia de Pavão] Cagafumo, s. m. Baile de última classe. Cair na politana, loc. Apanhar na casa dos pais ou responsáveis. Caixa de catarro, loc. Pulmões. Capinar, v. Esmiuçar a vida alheia. Carne virada, loc. Moça namoradeira e volúvel. Casa de Gonçalo, loc. Lugar de confusão; ninguém se entende. [Hoje: Congresso Nacional]. Chibante, adj. Valente. Elegante. Chochô forrado de abacate, loc. Resposta a menino perguntador, em demasia. Não tem significação especial. Chocolateira, s. f. Nádegas. “O atrevido levou um pontapé na chocolateira”. Chupa caldo, loc. Bajulador. Intrigente. Chupar uma barata, loc. Expressão de confiança do interlocutor na certeza da sua opinião. “Chuparei uma barata, se Onofre fugir ao compromisso”. Churupitar, v. Maneira pela qual pessoa mal educada sorve a sopa. DDar um doce, loc. Duvidar de alguém ou de algum fato. “Darei um doce, se Osires vier”. Das arábias, loc. Terrível. “Lili é das arábias”. Decurião, adj. O melhor aluno da antiga escola primária. De fancaria, loc. De mentira. Mistificador. Poeta de fancaria: falso poeta. Dente de coelho, loc. Mistério na apuração de um fato. “Há dente de coelho na elucidação da fuga do preso”. Dez réis de mel coado, loc. A moeda de dez réis, décima parte do real e metade de um vintém, circulou até 1910. O mel coado não tem valor. Dia santo, loc. Rasgão ou buraco na meia. [Hoje: feriado]. Dinheiro de pagode, loc. Muito dinheiro.