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João Gabriel Galdea
Publicado em 8 de outubro de 2023 às 05:01
As câmeras e os holofotes têm tanta intimidade com Claudia Meneses que, até outro dia, perguntavam por que ela estava atrás de um microfone e não em cima de uma passarela. A bela soteropolitana de 43 anos, hoje repórter da TV Aratu, ao que tudo indica nunca escutou o tal questionamento dos equipamentos, mas viraria uma fera se fosse lembrada apenas por um grande feito: ter vencido um concurso de beleza contra Gisele Bündchen, a maior top model de todos os tempos, quando ambas iniciavam suas carreiras no mundo mágico da moda.
Antes de superar Gisele e outras 6 mil concorrentes no The Look of The Year de 1994, em São Paulo, Claudia tocava seus 14 anos de forma bastante simples no bairro do Cabula, onde vivia com os pais e dois irmãos. “Na escola eu não era a ‘menina popular’, mas não ligava. Tinha meus amigos, era querida pelos professores, isso bastava.”
E foi justamente um dos professores do colégio espírita Irmã Maria da Natividade que notou nela um talento que ninguém enxergava, dando um basta naquela vida prosaica. “Meu professor de Inglês, Zé Raimundo, que chamou a atenção da minha mãe e falou do concurso, para me inscrever. ‘Essa menina tem tudo pra ser modelo’”, dizia o mestre, sabido todo.
Meninas que sonham
Em breve, qualquer pessoa também vai ficar sabendo o que aconteceu com Claudia Meneses de lá pra cá, antes de voltar aos holofotes, agora na TV. Isso porque a jornalista começa a escrever um livro da sua trajetória, contando sobretudo o que viu e viveu nos tempos de top, capa de revista.
“Será a minha história, não a da Gisele. Mas, claro, Gisele faz parte da minha história, e que bom! Vivemos momentos especiais. (...) Decidi escrever depois de muitos anos, na fase adulta e madura, porque agora entendo melhor essa parte da minha história, e acredito que precisa ser compartilhada. Será um livro com linguagem fácil para meninas que idealizam ou sonham com essa profissão”, antecipa sobre a obra, ainda sem título, que terá depoimentos de pessoas e personalidades, da área e fora dela, com quem teve contato.
“Acho que o ponto forte do livro será que, pela primeira vez, vou dar um mergulho nessa história curiosa. O olhar atual de uma mulher jornalista para aquela menina-adolescente, negra, nordestina, de família raiz, vivendo várias experiências numa cidade grande como São Paulo. Os medos, as emoções, e detalhes da minha relação com Gisele, que era muito próxima e nunca falei disso”, detalha, já antecipando que “nem tudo o que parece glamouroso [nesse universo], de fato é.”
Amigas e friends
O fato é que tanto Claudia quanto Gisele surgiram ao mesmo tempo e, por se tornarem grandes promessas muito cedo, compartilharam muitas estreias e novas experiências. “Eu e Gisele éramos muito amigas, chegamos a morar juntas em São Paulo. (...) Era possível, sim, fazer amizades”, garantiu ao ser questionada sobre o ambiente competitivo, muitas vezes descrito como hostil.
A viagem para Ibiza, na segunda etapa do The Look of the Year, foi crucial para as modelos, que conheceram gente influente do meio, incluindo grandes diretores de agências, fotógrafos etc. “Nós duas acabamos nos aproximando muito. Nessa viagem, desfilamos, fotografamos, mas também nos divertimos. Até dança na espuma teve, numa festa na boate Amnésia”, recorda.
Mas a amnésia era bem pouca em relação à sua família, e lembrar da galera sempre arrancava lágrimas da baianinha. “Enquanto eu chorava nessa viagem, de saudade de minha família, Gisele dizia pra mim: ‘guria, chora não! A gente precisa pensar em ganhar 150 mil para comprar um apartamento!’ Ela tinha só 14 anos! Essa era a Gisele, determinada, focada! E ao mesmo tempo, amiga e um doce de pessoa”.
A forma de lidar com a distância também foi demonstrada bem de pertinho, antes do embarque para a Europa. “Por coincidência, o voo saiu de São Paulo e fez parada aqui em Salvador. Minha família estava inteira me esperando no aeroporto, sem eu saber, todo mundo segurando cartazes, declarando amor e torcida por mim. Rapaz, eu olhei a cena, ela também olhou... Foi engraçado e, ao mesmo tempo, muito fofo da minha família. Mas éramos duas adolescentes, né. Que mico”, ri da situação.
Em Sampa, as duas moraram por alguns meses no apartamento da agência, em Pinheiros. “Eu e Gisele íamos a vários testes de fotos, desfiles, comerciais... Chegamos a fazer, juntas, ensaio para a Capricho, viajamos para gravar um comercial juntas, e alguns desfiles também. E fora do trabalho, a gente saía juntas pra dançar, muitas vezes escondidas, e também íamos muito no McDonalds. A gente não podia comer, mas amava”. Heresias perdoadas.
O afastamento, que também significou o fim das conversas sobre os paquerinhas, começou quando Claudia decidiu morar no Rio. “Mas não perdemos o contato. A gente se encontrava nos desfiles no eixo Rio-São Paulo. Ela sempre dizia: ‘guria, você tem que voltar para São Paulo. Volta a morar comigo no apartamento da agência”, desejo não atendido, o que pode ter prejudicado a carreira da baiana.
“De fato, hoje vejo que ela tinha razão. Para carreira de modelo, foi um erro eu ter saído de São Paulo depois de um ano. Na época, queria estudar teatro e acho também que eu e minha mãe não nos adaptamos na vida em São Paulo. Era muito diferente de Salvador”, analisa.
O apelo de Gisele não era à toa: Claudia também era um ombro amigo como poucos que deve ter encontrado na Pauliceia. “Ela quando ia a testes, muitas vezes não passava, e ouvia coisas como ‘suas pernas são muito finas; se continuar assim vão quebrar’. ‘Seu nariz é muito grande’ etc. Ela já chorou comigo por causa dessas coisas, e eu sempre a apoiava”.
O contato foi completamente perdido quando Gisele foi morar fora do país, mas Claudia pretende reencontrá-la para uma conversa, que irá constar justamente nesse livro.
“Quando ela estourou, eu estava grávida do meu filho Thiago. Olha que ligação da porra! Dois momentos completamente diferentes, mas muito importantes nas nossas vidas. (...) E nossas vidas se transformaram. Mas gostaria muito de poder sentar e conversar, relembrar… Se tivéssemos essa oportunidade, seria maravilhoso, porque o coração da Gi é imenso”.
No meio do mundo
O pescador de corações, ou seja, descobridor de Claudia e Gisele foi o mesmo: Sérgio Mattos, idealizador do The Look of The Year. Ele e Claudia se reencontraram recentemente, em Salvador, quando a baiana fazia uma reportagem, e relembraram o concurso em SP e Ibiza, com Gi.
“Sérgio Mattos hoje é diretor da 40 Graus. Na época trabalhava como olheiro, ou scouter, da Elite Model Brasil. Mandei minhas fotos e não me chamaram para participar da etapa aqui em Salvador. Mas o Serginho viu essas fotos e chamou minha mãe para conversar... Falou: ‘se a Claudia for exatamente isso que tá nas fotos, vou levar ela para São Paulo. E foi assim que tudo aconteceu”.
Apesar de estar claro para quem entendia do riscado, Claudia achava que não tinha talento algum. Se considerava alta e magra demais, mas uma hora se ligou que era justamente o que esse povo procurava.
O que não conseguiu assimilar nunca foi a distância de dona Agmaildes Teles e seu Jorge Meneses, bem como dos irmãos Jorge Meneses Jr e Claudine Meneses. Esse apego não mudou, assim como seus valores. “Viajei sozinha dentro e fora do Brasil trabalhando como modelo. Claro que amadureci muito rápido. E tudo que vivi ajudou na minha formação e no meu caráter. Nunca perdi meus valores. Por mais que a vida nos leve para vários lados, sei muito bem quais são minhas raízes. Meu pé é totalmente fincado no chão”, comenta a mainha do jovem Thiago Meneses, 22, que veio ao mundo quando ela tinha 20 aninhos.
Um exemplo ilustrativo desse canto maldito da sereia veio do então diretor mundial da Elite Model, John Casablancas, pai do vocalista da banda The Strokes, Julian Casablancas. O ex-todo poderoso das passarelas, já falecido, tentou tirar as raízes dos pés de Claudia. “Ele falou para mim, quando me conheceu: ‘três coisas que uma modelo precisa esquecer: família, estudo e namoro’. Era pedir muito para uma menina que só tinha 14 anos, não acha?”. Acho, mas também não parece que foi fácil resistir à tentação.
“Lá eu frequentava grandes restaurantes como The Place, e saía pra dançar em boates como o LimeLight, por exemplo. Mas era muito nova, a agência vigiava a gente, meus pais também não permitiam, mas às vezes a gente [eu e Gisele] saía escondida com as meninas mais velhas”, diz sobre a fase quase rebelde.
Na parte das inspirações positivas, tinha como modelos tops como Naomi Campbell, Linda Evangelista, Beverly Peele, Claudia Schiffer, Kate Moss, Cindy Crawford, Christy Turlington… “Linda Evangelista e Beverly Peele eu conheci na etapa internacional do concurso na Espanha. Foi massa!”, relembra sobre a viagem a Ibiza com ‘Gisela Bintian’.
E esta não era sua única mais-que-amiga-friend ilustre, diga-se. “Tive relações de amizade com muitas modelos: Fernanda Tavares, Carol Magalhães, Carlos Casagrande, Fábio Guiraderlli. (...) E mesmo sem relação de amizade, mas de trabalho, desfilei com muitas personalidades como Maria Fernanda Cândido, Rita Lobo, Fabiana Saba, Monique Evans... Para mim, era normal conviver com essas pessoas que hoje são conhecidas do público”, diz a moça, que deve guardar um cantinho pra todo mundo na autobiografia.
Fora do padrão
Apesar do início promissor, do sucesso que a levou a muitos desfiles e capas, muita coisa atravancou o caminho da nossa top, e o racismo foi uma delas. “Gostava de Xuxa, Angélica, paquitas etc, assim como a maioria das meninas de minha época. Mas algo não se encaixava: queria ser paquita, mas não podia. Cheguei a usar chá de cebola nos cabelos - ensinaram que clareava os fios -, mas não funcionou”, lamenta, embora hoje dê risada da coisa.
Segundo Claudia, já ali ela tinha consciência que não se encaixava no que a televisão vendia, na época, e isso será um dos pontos abordados no livro. “Racismo era demais, e preconceito contra nordestinos também. (...) O racismo era tão enraizado que, em São Paulo, teve um período que não sabiam o que eu era: negra, morena, mulata... Me mandavam pra testes e eu voltava sempre ‘você não é negra, você não é morena, você não é mulata.’ Não sabiam me definir muitas vezes”, comenta, ainda hoje incrédula.
Outros podres da poderosa indústria da moda sofridos na pele (ou pela cor da pele) também serão abordados. “Tive que enfrentar assédio, drogas… Nunca me envolvi, graças a Deus, mas vi gente se afundar”.
Alguns desses elementos a afastaram, mas ela não sabe dizer muito bem o que foi mais determinante. Faz até uma autocrítica. “Eu nunca fui tão disciplinada como a carreira exigia. Viver de dieta pra ter, no máximo, 90 centímetros de quadril, e não poder comer Big Mac aos 14, 15, 16 anos? Como assim?”, diz, entre risos, sobre a moça que pesava 56 kg e quando chegava 58 kg, “ainda magérrima, ouvia que era gorda”. “Era muito sofrimento.”
Talentos múltiplos
Antes de trocar os editoriais de moda pelas editorias de Cidade e de Cultura no Jornalismo (pretende cursar o mestrado nesta área), Claudia Meneses estudou teatro no conceituado Tablado, no Rio, um dos motivos da mudança de SP. Em 2018, voltou para Salvador, e trabalhou no audiovisual durante os últimos anos, também como apresentadora de publicidade, institucionais e campanhas políticas (fez oito ao todo).
A graduação em Jornalismo veio em 2013, e foi longo o desfile como profissional dos veículos locais: Band News, TV ALBA, TV Bahia/Globo (onde atuou como editora de texto), e agora TV Aratu/SBT. “Se sigo um caminho é porque quero de fato. Eu realmente acredito que somos livres, e devemos fazer o que nos deixa felizes”. Uma conclusão sábia e genial, que poderia ser confundida com citação d’O Pequeno Príncipe.