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Além de lutar contra o regime militar, Eunice Paiva foi ativista da causa indígena

Ela defendeu os Pataxós Hã-Hã-Hãe no sul do estado

  • Foto do(a) author(a) André Uzeda
  • André Uzeda

Publicado em 26 de janeiro de 2025 às 08:09

Eunice Paiva
Eunice Paiva Crédito: Reprodução

O estrondoso sucesso do filme ‘Ainda Estou Aqui’ iluminou ao mundo a trajetória de Eunice Paiva, a advogada paulistana que ousou enfrentar a Ditadura Militar brasileira em busca do paradeiro do seu marido, o ex-deputado federal Rubens Paiva.

Nas telas, Eunice é brilhantemente interpretada pela atriz Fernanda Torres, vencedora do Globo de Ouro e dona de uma das três indicações que a película recebeu no Oscar – além de ‘melhor atriz’, o filme concorre às estatuetas de ‘melhor filme internacional’ e ‘melhor filme’. A cerimônia de premiação acontece no dia 2 de março, domingo de carnaval, nos Estados Unidos.

A Eunice Paiva da vida real viveu até os 89 anos. Em 1996, já com o processo de redemocratização política consolidado no país, conseguiu que o estado brasileiro emitisse oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva.

Uma outra luta sua, menos destacada no longa-metragem, envolve diretamente a Bahia. Formada em direito aos 47 anos, Eunice se tornou uma ativista da causa indígena. Em 1983, ao lado da antropóloga luso-brasileira Manuela Carneiro da Cunha, escreveu um artigo na Folha de S. Paulo intitulado “Defendam os Pataxós”.

No texto, as duas autoras denunciam a situação dos indígenas da etnia Pataxó Hã-Hã-hãe, pondo uma lupa no conflito de terra com fazendeiros locais, no sul da Bahia.

“Os Pataxós estão acuados: são mais de 750 na Fazenda São Lucas em barracas que já apodreceram. Estão na inteira dependência da Funai para alimentação: a transferência para a Almada, no fim do ano passado, não permitiu o cultivo das roças; faltam ferramentas e sementes. Mais grave ainda, estão sem água potável. Esta se encontra a um 1 km, mas os fazendeiros não lhe permitem acesso”, escrevem Eunice e Manuela, em um trecho do artigo.

Em 1926, no governo de Artur Bernardes, o estado brasileiro concedeu uma reserva indígena no sul da Bahia aos Pataxós Hã-Hã-hãe. No entanto, paulatinamente essa área foi sendo invadida e convertida em propriedades particulares.

No início da década de 1980, um grupo de resistência passou a ocupar as terras e reclamar a propriedade ancestral, iniciando o longo conflito denunciado por Eunice Paiva e Manuela Carneiro.

No livro homônimo ao filme, cuja obra cinematográfica adaptou o roteiro, Marcelo Rubens Paiva (filho caçula de Eunice e Rubens) escreve que o artigo na Folha foi “um marco na luta indígena brasileira”, servindo “de modelo para outros povos indígenas, inclusive africanos, americanos e esquimós".

Marcelo fala que, após o desaparecimento do pai, Eunice se “deu ao luxo de atuar numa área que não dava dinheiro, mas pela qual se apaixonou inexplicavelmente: o direito indígena".

Três anos após assinar o artigo, em parceria com outra mulher, a antropóloga Carmen Junqueira, Eunice escreveu o livro “O Estado contra o Índio”, no qual aponta uma série de violações aos direitos humanos cometidos por falta de fiscalização e legislação do estado brasileiro.

Eunice levou o conflito dos Pataxós Hã-Hã-Hãe para o cenário internacional, ao representar o Brasil no Congresso Mundial das Populações Nativas, na França. Além da etnia baiana, defendeu também os Zoró (do Mato Grosso), os Kayapó (do Pará) e os Yanomami (de Roraima).

Durante a elaboração da Constituição de 1988, Eunice foi consultora da Assembleia Nacional, ajudando a definir posições sobre demarcações de terras e direito dos indígenas na Carta Magna.

Passagem por Salvador

A jornalista Olívia Soares lembra de uma visita que Eunice Paiva fez a Salvador na década de 1980. Era um evento do MDB, então sob a liderança de Ulysses Guimarães.

O deputado Chico Pinto, comunista histórico abrigado na legenda, pediu que Olívia ajudasse na recepção a Eunice. “Foi um evento no hotel no Porto da Barra. Tenho poucas lembranças do que foi discutido, mas lembro muito de Eunice com uma roupa verde e admirando o mar do Porto da Barra”, conta Olívia.

A imagem narrada pela jornalista tem uma conotação poética, muito bem captada pelo filme. Antes de Rubens Paiva ser sequestrado pelos meganhas do regime, a família Paiva vivia dias felizes em uma casa à beira mar, no Leblon.

Essa coluna é dedicada à memória dos amigos Bruno Queiroz e Nilton Lopes.