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A Fonte Nova e o trio elétrico nasceram juntos, são gêmeos separados por uma semana

Em uma semana – de 28 de janeiro a 4 de fevereiro –, a Bahia não só tirou todo atraso, como se projetou anos-luz no futuro

  • Foto do(a) author(a) André Uzeda
  • André Uzeda

Publicado em 23 de fevereiro de 2025 às 06:40

O trio elétrico não foi às ruas pela primeira vez em Salvador em 1950. Este é um erro histórico repetido ano após ano, a cada novo carnaval. Programas de TV, documentários, livros comemorativos, informações na Wikipédia e até celebrações do poder público erram a data do desfile da primeira Fobica, um Ford T, de 1929, capitaneado pela dupla Dodô e Osmar.

Como é possível garantir isso? Por meio de uma pesquisa histórica em jornais da época. Mesmo não havendo registros oficiais do primeiro cortejo carnavalesco, sabe-se por meio de relatos dos criadores do trio, que eles decidiram sair com a Fobica dias após o incidente envolvendo o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas, em passagem por Salvador.

A orquestra de frevo, fundada em 1889, em Pernambuco, estava em excursão pelo país e tinha como destino final o Rio de Janeiro. Antes, fez uma parada na capital baiana.

O dia era 29 de janeiro de 1951. Não há qualquer registro da vinda do Clube Vassourinhas em 1950. Aliás, antes, eles já estavam há 15 anos sem excursionar pelo país.

Em Salvador, o desfile foi um enorme sucesso, mas com inúmeros problemas de superlotação. Era uma segunda-feira – o que fez o poder público imaginar que não haveria tanta gente assim aglomerada. Ledo engano!

Os jornais da época narram que o Vassourinhas passaria às 20h30, mas desde às 19h “o povo, procedente de todos os pontos, convergia para a Avenida Sete (...) do Campo Grande à Sé, toda a via estava literalmente cheia”.

A banda começou a tocar na sede do antigo clube Cruz Vermelha, no Campo Grande, às 20h40. De lá, rumou para o Palácio da Aclamação, à época sede do Governo da Bahia, comandado por Octávio Mangabeira, em seus últimos dias no mandato.

Depois, se puseram em marcha, a pé, e foi aí que a confusão se instalou. O aperto era tão grande que a banda não conseguia andar. Vários instrumentos da orquestra se danificaram e os músicos se feriram, conforme relatam os jornais.

A saída foi mudar o itinerário às pressas e encerrar a passeata descendo a Ladeira da Montanha, rumo ao cais do porto.

Percebendo o enorme sucesso do grupo Vassourinhas, mas notando também erros estratégicos na procissão pernambucana, a dupla Dodô e Osmar resolveu colocar o trio na rua. Eles já vinham fazendo experimentos com a Fobica no bairro de Massaranduba, onde Dodô morava.

No dia 4 de fevereiro de 1951 – domingo de carnaval – eles saíram desfilando pela primeira vez com o carro eletrizado pelo centro da cidade. O repertório era exatamente as músicas tocadas pelo Vassourinhas, seis dias antes.

Osmar sabia a maioria de cor. Primeiro, por ser um virtuoso bandolinista e aprender rápido os acordes. Segundo, por ser filho de pernambucano, Alberto Macêdo, e ter o frevo como uma música ambiente dentro de casa.

O sucesso foi estrondoso. E o resto é história.

O trio elétrico é irmão da Fonte Nova

O ano de 1951 marca algumas importantes transformações na Bahia, com o fim do mandato do udenista Octávio Mangabeira. O governador foi responsável por obras como o Fórum Ruy Barbosa e o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (chamado de Escola Parque), que aplicava o ensino em tempo integral, idealizado pelo também educador baiano Anísio Teixeira.

Nos últimos dias do seu mandato, Mangabeira correu para inaugurar – mesmo sem estar pronto – o estádio de futebol que levaria seu nome, embora fosse cair no gosto popular sendo chamada de Fonte Nova, uma referência às antigas fontes de água instaladas no bairro de Nazaré.

A construção arrojada no formato de ferradura foi idealizada pelos arquitetos Diógenes Rebouças e Hélio Duarte, e veio para saldar o ressentimento dos baianos de terem ficado de fora da Copa de 1950, disputada no Brasil.

Antes, Salvador tinha apenas o Campo da Graça (Arthur Morais), insuficiente para jogos desta monta. Desta forma, foi preterida por outras seis sedes: Rio de Janeiro (capital da República), São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife.

O primeiro jogo no novo estádio foi entre Botafogo x Guarany, dois times locais. Terminou com a vitória do Botafogo (chamado de ‘Mais Simpático’), por 1 a 0.

A partida aconteceu num domingo, dia 28 de janeiro de 1951 – véspera do conturbado desfile do Vassourinhas e sete dias antes da estreia do trio elétrico.

Ou seja, em uma semana, a Bahia ganhou um moderno estádio e legou ao mundo o trio elétrico. Uma combinação perfeita de revolução no brasileiríssimo binômio ‘futebol e carnaval’.

Ao longo dos tempos, estes dois monumentos, ora combinados, ora em carreira solo, posicionariam o estado como referência cultural do Nordeste, em um momento no qual Pernambuco nadava de braçadas no 'soft power' da hegemonia regional.

Além das obras, o governador Octávio Mangabeira ficaria reconhecido pelas extremas habilidades como frasista. Imortal da Academia Brasileira de Letras, quarto ocupante da cadeira de número 23, que teve como patronos José de Alencar e Machado de Assis, ele costumava dizer “pense num absurdo, a Bahia tem precedente”.

Outra ótima dele era “a Bahia está tão atrasada que, quando o mundo acabar, os baianos só vão saber cinco anos depois”.

Em uma semana – de 28 de janeiro a 4 de fevereiro –, a Bahia não só tirou todo atraso, como se projetou anos-luz no futuro.

Esta coluna é dedicada a Júlia Sarmento, minha companheira de Fonte Nova e atrás do trio elétrico.