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Publicado em 12 de abril de 2025 às 05:03
“O que é teatro profissional? ”A pergunta veio seca, direta, no meio de uma reunião. Gordo Neto, amigo, ator e diretor teatral lançou no ar — e ninguém respondeu. Nem eu. >
Mas a pergunta ficou. Foi crescendo em silêncio, ganhando corpo. Comecei a perguntar a outras pessoas. Comecei a me perguntar também. E percebi que talvez a ausência de resposta seja justamente o ponto de partida. Porque a resposta não está pronta. Está em construção.>
Historicamente, ser profissional no teatro era ter o trabalho reconhecido formalmente: carteira assinada, sindicato, nota fiscal, cachê. Era poder dizer: “Eu vivo disso.” Mas a verdade é que, mesmo hoje, a maioria das pessoas que fazem teatro no Brasil não conseguem viver só de teatro. Isso não é acaso — é estrutura. E precisa ser dito.>
Profissionalizar não é só fazer bem feito. É garantir que o fazer seja possível. Que tenha continuidade, dignidade, permanência. Eu posso estar com o corpo pronto, texto na boca, pesquisa em dia — mas sem estrutura, meu trabalho vira resistência solitária. E eu não quero mais romantizar isso.>
Pra mim, o teatro profissional começa na escuta. Na relação com o território, com o outro, com o tempo. É uma ética. Uma linguagem que exige presença. Mas que, sem estrutura, não se sustenta.>
E aí vem a pergunta que não cala: Como manter um ofício que o país insiste em tratar como favor? Como viver de arte se o sistema nega as condições mínimas de existência?>
Foi nessa busca que percebi: não existe uma definição única, definitiva, consensual do que é teatro profissional. E isso expõe um vazio histórico e conceitual. O termo aparece em leis, editais, políticas, sindicatos. Mas poucos pensadores do teatro se detiveram para pensá-lo com profundidade.>
Ainda assim, muita gente deixou pistas. >
Abujamra dizia que o teatro não era pra entreter, mas pra incomodar. Zé Celso via o teatro como uma “máquina de guerra amorosa”, um ritual de vida e fúria. Fernanda Montenegro se chamou, com orgulho, de operária da cena. Augusto Boal ensinou que teatro é prática coletiva, corpo pedagógico, transformação. Cacá Carvalho lembra: teatro exige tempo — tempo para escutar, maturar, permanecer.>
Essas falas, essas trajetórias, não entregam uma definição pronta. Mas nos apontam caminhos. E com base nessa escuta, arrisco uma tentativa: >
⸻Uma definição possível — a partir da prática:>
Teatro profissional é o fazer teatral exercido como trabalho contínuo, com responsabilidade estética, ética e política, sustentado por estrutura, reconhecimento institucional, política pública, tempo, território e presença.>
⸻Isso não é conclusão. É tentativa. Porque teatro profissional:>
– não é só técnica — é processo.– não é só diploma — é prática contínua.– não é só palco — é bastidor, planejamento, persistência.– não é só individual — é coletivo, território, rede.>
E o que precisa mudar?>
Política pública continuada. Não dá mais pra viver de edital em edital. O teatro precisa de permanência, de políticas que respeitem o tempo da criação e dos grupos.>
Reconhecimento de que teatro é trabalho. Não é dom. Não é milagre. É ofício. Exige remuneração digna, contratos, assistência, previdência.>
Espaços acessíveis e permanência nos territórios. Sem lugar, não há processo. O teatro precisa estar nos bairros, nas comunidades, nos equipamentos públicos — vivos e ocupados.>
Formação e qualificação constante. Estudar também é trabalho. E o artista precisa continuar estudando para permanecer atuando.>
Visibilidade, crítica e memória. A produção local precisa ser vista, registrada, debatida. Sem isso, desaparece. E com ela, parte da nossa história.>
Você que está lendo isso: quantas vezes viu um espetáculo de teatro esse ano? Sabia que, pra aquela peça chegar até você, foram meses de ensaio, transporte pago do próprio bolso, sala improvisada, cachê incerto?>
Agradeço a Gordo Neto pelas instigações. Foi assim que eu comecei a entender o que é, pra mim, o teatro profissional.>
Teatro profissional é o que começa na escuta — mas só sobrevive com estrutura. >
Zeca de Abreu é atriz, diretora teatral, educadora e produtora>