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Publicado em 9 de janeiro de 2025 às 02:00
No mês passado, um fenômeno curioso e recorrente ganhou força nos Estados Unidos. Os relatos sobre OVNIs, especialmente os famosos “extraterrestres de Nova Jersey”, refletem algo mais profundo: diante de nossas inseguranças internas, criamos monstros que materializam os fantasmas subjetivos que habitam nossa psique. Hoje são os ETs, mas já ocuparam esse lugar as bruxas, os demônios ou o próprio Deus.
Todos esses representam, também, uma realização simbólica do nosso desejo de encontrar figuras elevadas – entidades que nos salvem ou nos destruam. Esse anseio remonta ao sentimento infantil de proteção paternal. Quando crianças, acreditamos estar seguros sob a proteção de pais idealizados, esses “seres superiores”. Contudo, a sociedade demanda que abandonemos essa crença em nosso processo de amadurecimento, adotando uma postura adulta de independência. Ainda assim, esse anseio por alguem que controle nosso destino permanece latente, manifestando-se na busca por governantes paternalistas, parceiros provedores ou líderes religiosos que nos mostre o caminho da salvação.
No contexto da psicopatologia, o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) oferece um paralelo interessante. Este quadro clínico, cada vez mais presente entre os jovens, revela a dificuldade que muitos deles têm em realizar a transição para a fase adulta. Caracterizado por uma angústia extrema e um medo profundo das escolhas e perdas que a vida adulta exige, o TPB é, em certo sentido, uma manifestação contemporânea das velhas neuroses – mas com sintomas intensificados.
Assim como o fascínio pelos OVNIs reflete a busca por uma entidade que desça dos céus e dê sentido ao nosso mundo caótico, como um Deus Ex Machina em uma tragédia grega, o TPB emerge como uma resposta patológica a um mundo marcado pela angústia generalizada e por exigências sociais contraditórias. O sujeito borderline vive o conflito entre o desejo de autonomia e a necessidade de dependência, entre a idealização de figuras salvadoras e a frustração inevitável que acompanha essa busca.
Para mim, a multiplicação de casos de TPB não deve ser vista de forma isolada, apenas no campo do indivíduo, mas como algo próprio da realidade social atual. Vivemos em uma época que valoriza a independência e a autodeterminação, mas que também impõe incertezas, pressões e que nos bombardeia com escolhas a todo instante. Nunca fomos tão livres e, ao mesmo tempo, tão inseguros sobre o que fazer com nossa liberdade. Para quem não sabe onde vai, qualquer vereda é caminho. Ou, como disse Raul Seixas: “ôô seu moço, do disco voador, me leve com você pra onde você for”.
*Cláudio Melo é psicólogo na Holiste Psiquiatria