Orgânicos, transgênicos e a fome do mundo

Desde 1995, países passaram a importar e exportar produtos transgênicos, entre eles o Brasil, segundo maior produtor mundial

Publicado em 22 de junho de 2024 às 07:00

Em 1994, tomate se tornou primeiro alimento transgênico Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

Minha filha Natália é uma natureba convicta. Sabe tudo sobre alimentação saudável e um pouco mais. Minha netinha Clara, acreditem, no auge dos seus três aninhos, prefere comer brócolis a brigadeiro. Uma santa.

Nati prefere pagar 30% a mais por produtos orgânicos, segundo os dados de uma pesquisa divulgada pelo portal G1, acreditando eles sejam mais saudáveis e sustentáveis, melhores do que os não orgânicos – ou seja, aqueles produzidos pela agricultura convencional.

Os alimentos orgânicos são aqueles produzidos sem organismos geneticamente modificados (transgênicos) em suas sementes e sem insumos sintéticos no seu manejo. Já os alimentos convencionais contam com o uso de insumos e tecnologias agrícolas de natureza sintética, como fertilizantes e defensivos agrícolas – popularmente conhecidos como agrotóxicos.

Ocorre que mágica não existe e doenças e pragas aparecem aqui e acolá nas culturas orgânicas, e, sim, para fazer o manejo da terra e proteger a plantação os agricultores de produtos orgânicos usam pesticidas de origem orgânica, biológica e até química, desde que sejam encontrados na natureza, e não sintéticos. Alguns exemplos são o pó de fumo (Nicotiana tabacum), o sulfato de alumínio, o enxofre e a calda bordalesa (fungicida a base de sulfato de cobre). Ademais, sempre que estão em apuros, os produtores orgânicos recorrem aos produtos químicos quando outras práticas agrícolas ou soluções biológicas não são suficientes para controlar as pragas.

Mas, aqui se pergunte, admitindo-se que os alimentos orgânicos sejam produzidos com insumos exclusivamente naturais, o que não é totalmente verdade, isso significa que eles são mais sustentáveis? Na verdade, não necessariamente. Isso porque os produtos usados em agricultura orgânica nem sempre são tão eficientes no controle de pragas e doenças, o que pode significar uma produtividade significativamente menor da lavoura.

Uma pesquisai realizada no Reino Unido mostrou que se toda a produção dos países fosse convertida em orgânica, a produtividade dos alimentos cairia pela metade. Para compensar a perda da produção local, seria necessário importar muito mais alimentos do resto do mundo, gerando aumento significativo de gases do efeito estufa no processo logístico. Além disso, convenhamos, como o número de famintos beiram 850 milhões em 2023, é pouco sustentável apostar em uma cultura que reduz pela metade a produção agrícola mundialmente.

E seriam os alimentos orgânicos mais nutritivos? Aqui cabe mais uma vez aquela máxima que uma mentira repetida várias vezes se torna verdade. Pois essa crença não tem base nos fatos e dados.

Pesquisadores da Universidade Stanfordii, coordenados pela médica Dena Bravata, em artigo publicado no periódico Annals of Internal Medicine fizeram um apanhado de 17 acompanhamentos clínicos em humanos e 233 pesquisas que comparavam os níveis de nutrientes e contaminantes em alimentos, de acordo com a forma de produção. O resultado demonstrou claramente que, sob o aspecto da quantidade de nutrientes – como carboidratos, proteína, vitaminas e minerais – há pouca ou nenhuma diferença entre os orgânicos e os demais. Ou seja, é uma confirmação inequívoca de que a produção de alimentos orgânicos é uma prática dispendiosa e desnecessária, e, pior, não sustentável.

Além disso, o estudo do World Cancer Research Fund estima que o aumento da ingestão de frutas e hortaliças de uma média de 250 g/dia para 400 g/dia reduziria aproximadamente 23% da frequência de câncer. Ora, como aqui demonstrado, é comprovado que o uso de pesticidas melhora o rendimento da colheita sem alterar a qualidade dos alimentos, com significativo impacto sobre custos declinantes de frutas e hortaliças. Ou seja, com o barateamento dos custos mais pessoas consomem hortaliças e verduras, portanto, há um efeito positivo resultante do uso dos agrotóxicos na diminuição do câncer e não o contrário.

Outra controvérsia ambiental vem ganhando força há anos: a questão dos organismos geneticamente modificados, ou como são chamados no dia a dia, transgênicos. Compreende-se por “OMG” todo organismo que teve seu material genético modificado para assim obter melhoras a esses organismos, podemos citar como maior exemplo os alimentos transgênicos.

Os transgênicos foram os maiores responsáveis, possivelmente, pelo enorme ganho de produtividade que permitiu, segundo alguns estudosiii, a um aumento de produtividade agrícola em até 22%, com uma redução do uso de pesticidas de cerca de 37% e um aumento nos lucros dos agricultores em torno de 68%. Sem os transgênicos a fome do mundo estaria em situação bastante pior, em especial, no terceiro mundo.

A histeria ambiental contra os transgênicos pode ser sintetizada por duas grandes vertentes que são capitaneadas por ONGs, como o Friends of the Earth e o Greenpeace. A primeira preocupação é com a saúde e diz respeito à possibilidade de os alimentos OGMs poderem ser tóxicos e alergênicos. A segunda é de cunho ambiental e tem foco na contaminação genética, que por meio da polinização cruzada, poderia levar a possíveis impactos ecológicos negativos com impactos na biodiversidade.

Basicamente, essas ONGs alegam o Princípio da Precaução – que consiste em uma abordagem de gestão de riscos que sugere tomar medidas preventivas para evitar possíveis danos ao meio ambiente ou à saúde humana quando a ciência ainda não tem certeza sobre os riscos envolvidos. Essencialmente, ele defende a ação proativa em face da incerteza científica para proteger contra possíveis danos graves ou irreversíveis.

Ocorre que o primeiro produto alimentício transgênico comercializado foi o tomate Flavr Savr, lançado nos Estados Unidos em 1994 pela empresa Calgene. Este tomate foi geneticamente modificado para ter uma vida útil mais longa e manter seu frescor por mais tempo após a colheita. Um ano depois, a primeira soja geneticamente modificada foi lançada no mercado.

Desde 1995, países passaram a importar e exportar produtos transgênicos, entre eles o Brasil, segundo maior produtor mundial, com 51,3 milhões de hectares em 2018 – atrás apenas dos EUA, com 75 milhões de hectares naquele ano. Argentina, Índia e Canadá completam o grupo dos cinco maiores produtores globais de OGM.

Desde então, 30 anos depois, não existem casos de alergias, nem de desastres ambientais devido às culturas transgênicas, fora, dois casos quase anedóticos das “batatas tóxicas” que haviam tolhido o crescimento de ratos, em 1998, e do “milho caçador” que teria matado algumas borboletinhas no Canadá. Ambos desmentidos após investigações sérias.

São transgênicos os insumos em vários produtos encontrados no mercado, como leite de soja, óleo de cozinha, massas, margarina, cereais e biscoitos. Contém transgênicos os

inocentes chicletes de caixinhas Adams, os deliciosos Cheetos, os Fandangos, o amido de milho da Maizena. Todas essas marcas famosas que estão no nosso cotidiano e são consumidos em larga escala. Imagina se todos os alimentos feitos com amido de milho causassem alergias e outras milongas mais, como propagam as ONGs, um ingrediente tão popular usado para engrossar sopas, molhos, sobremesas e em várias outras receitas.

Agora, prestem bastante atenção, vocês que amam seus pets! Entre 1980 e 2020 os cães aumentaram a sua vida média de 9 para 18 anos para as raças pequenas e para as raças grandes, de 7 para 13 anos. O inesquecível Scooby, pequeno poodle do meu filho Gabriel, viveu até os 16 anos. Mas, esperem aí... Antes os cães comiam os restos das nossas comidas e hoje comem ração balanceada, vocês podem argumentar. Não esqueçam que os cereais e grãos que estão presentes na ração, como milho, soja e trigo são fontes de fibras e contribuem para o fluxo intestinal e na formação do bolo fecal dos pets e são transgênicos.

Ah! sim, já ia me esquecendo, a cerveja contém cereais transgênicos! Mas beba com moderação.

Jorge Cajazeira, é Ph.D. pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro da Academia Brasileira da Qualidade e professor efetivo da UEFS.