Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Leia o artigo
Publicado em 23 de março de 2024 às 12:57
Entre as tantas andanças da vida, depois de passar um ano dirigindo uber, passei em um concurso REDA, para trabalhar na Fundação Cultural da Bahia, mais especificamente, na Diretoria do Audiovisual. As políticas culturais no âmbito nacional, depois de 2016, em nada ajudavam à já cambaleante política cultural da Bahia. O cenário era tenebroso e, para agravar, veio a pandemia.
Mas a vida sempre nos traz surpresas. No meio disso tudo veio a Lei Aldir Blanc, cujos recursos foram organizados e comandados com maestria por Renata Dias, diretora da Funceb, no nível estratégico, e por Daniela Fernandes, da Dimas, nos níveis tático e operacionais. Com uma equipe minúscula, trabalhamos dia e noite para darmos conta dos prazos e cumprir com o caráter emergencial da lei, buscando socorrer ao setor.
Vi pessoas valorosas se dedicando de um jeito que eu não poderia supor. Em especial, quero citar uma dessas pessoas que, com um curriculum de fazer a plataforma Lattes aplaudir, se dedicava àquela coordenação da qual quase ninguém lembra, até que pegue fogo. Menderson Bulcão estava na Cinemateca e amava o que fazia. Queria fazer mais, queria estudar mais, queria mais
qualidade para os que trabalhavam, queria organizar mais e melhor para os que precisassem consultar o acervo; se alegrava com cada filme recuperado, com cada livro que alguém doava, com cada projeto contemplado nos editais, com cada um que demonstrava o interesse pela história e pela memória do audiovisual. Tudo isso como REDA, porque não houve concurso público para o setor cultural: se houvesse, certamente estaria colaborando em definitivo com o audiovisual, pois teria sido aprovado em provas e títulos.
Não segui na Funceb. Menderson seguiu. Veio a Lei Paulo Gustavo. As conduções – sobre as quais não irei tratar aqui, porque são de conhecimento de todos da classe artística, e, especificamente, do audiovisual – foram dolorosas para Menderson, que amava o que fazia. Adoeceu. Pneumonia. Foi internado. Passou para a UTI. Hoje tive a notícia de que não suportou e faleceu.
Morreu de amor? Morreu de desgosto, morreu de tristeza (a medicina oriental fala algo sobre a forma como a tristeza ataca os pulmões), morreu vendo o esboço das políticas culturais construídas no período anterior sendo levado pelo esgoto da vaidade.
O que fazer? É irremediável. Pagar o caixão? Dar condolências à família? Fazerse presente no sepultamento? Sim, são coisas importantes, mas isso, essa perda é irremediável. Para quem tem o dom de amar, de se dedicar à memória, uma justa homenagem seria que aquela coordenação passasse a se chamar Cinemateca Menderson Bulcão.
Segue, amigo, com o teu amor pela história. Escrevo aqui, porque você me inspirou a olhar para a história, para a memória. Sigo, amigo, querendo encontrar mais pessoas que amem – de verdade! – o lugar que ocupam, pensando mais nos outros do que em si, com ética, com integridade, com imparcialidade. Que o próximo coordenador tenha 10% do seu amor e disposição para tomar nas mãos o passado, para cuidar no presente e ofertar ao futuro.
Reinofy Duarte é produtor cultural