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Deus nos livre e acuda da leitura superficial sobre a produção acadêmica

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Publicado em 26 de outubro de 2024 às 12:46

Professor Carlos Augusto Lima Ferreira
Professor Carlos Augusto Lima Ferreira Crédito: Acervo pessoal

Caro Professor Jorge Cajazeira,

Respeito profundamente sua trajetória e dedicação ao ensino superior, especialmente como colega na UEFS. No entanto, sinto-me compelido a responder aos pontos que você levantou, ressaltando que a universidade pública é um patrimônio inestimável da sociedade brasileira, desempenhando um papel crucial na produção de conhecimento, no desenvolvimento intelectual e na promoção da diversidade de ideias. Como em qualquer instituição, reconhecemos que há exceções e deslizes, mas esses casos isolados não podem definir a universidade como um todo. A contribuição das universidades públicas para a sociedade, seja por meio de avanços científicos, tecnológicos ou sociais, é incontestável e deve ser valorizada. Não é justo permitir que seu viés ideológico pessoal deslegitime pesquisas heterodoxas e não usuais, trabalhos sérios e dedicado de milhares de pesquisadores e docentes comprometidos com a excelência acadêmica.

Desde sua fundação, o papel da universidade é desenvolver tanto o intelecto individual quanto o coletivo. É inquestionável que as universidades públicas brasileiras têm cumprido esse papel, produzindo conhecimento de ponta e formando profissionais que desempenham papéis fundamentais no progresso do país. Você expressa frustração com teses premiadas pela Capes que abordam temas considerados "pouco ortodoxos" ou de "baixo impacto". No entanto, é importante valorizar a diversidade de abordagens na pesquisa acadêmica. E quero lembrar que a tarefa dos pesquisadores é justamente examinar esses contextos, e é natural que ideologias e visões de mundo distintas permeiem os debates acadêmicos.

A universidade não deve ser um espaço asséptico de neutralidade total, pois a produção de conhecimento está sempre ligada a contextos sociais, culturais, econômicos e políticos. A ciência avança justamente ao explorar novos territórios e desafiar o que é considerado convencional. Reduzir esses estudos a uma percepção superficial desvaloriza o trabalho árduo e meticuloso de inúmeros pesquisadores. Não custa lembrar que o Supremo Tribunal Federal já invalidou a tese da famigerada “escola sem partido”.

As universidades públicas são responsáveis por uma parcela majoritária da pesquisa científica no Brasil, cujos resultados beneficiam toda a sociedade — desde inovações tecnológicas e avanços na medicina, incluindo o papel fundamental que desempenharam durante a pandemia de COVID-19, até a compreensão de fenômenos sociais que impactam diretamente a vida dos cidadãos. A ausência de prêmios Nobel não diminui a relevância da produção científica brasileira. O reconhecimento internacional depende de diversos fatores, como recursos disponíveis e visibilidade global, especialmente em um contexto de ataques, cortes de verbas e perseguições enfrentados no último governo. Apesar desses desafios, os pesquisadores brasileiros resistiram e continuam a se destacar em várias áreas, contribuindo de forma significativa para o progresso do conhecimento mundial.

As ciências humanas e sociais são fundamentais para a compreensão das complexidades da sociedade. Estudos sobre dinâmicas sociais, identidades e comportamentos, por mais inusitados que pareçam, oferecem contribuições valiosas que podem orientar políticas públicas, ações de empresas e o mais importante, promover a inclusão social. A universidade é o espaço ideal para questionamentos e reflexões que não encontram lugar em outros setores. Reduzir esses temas a uma visão simplificada é ignorar o valor da pesquisa acadêmica na construção de um entendimento mais amplo da realidade.

Quanto ao papel da justiça social na universidade, é essencial reconhecer que a educação é, sim, um meio legítimo para promover inclusão e equidade. As universidades públicas, ao oferecer processos de seleção justos e transparentes, garantem que pessoas de diferentes origens possam contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e diversa. Isso não significa baixar o nível acadêmico, mas assegurar que todos, independentemente de classe, cor ou gênero, tenham acesso ao conhecimento e à ciência. A diversidade fortalece a produção científica, ampliando perspectivas e enriquecendo o debate acadêmico.

Concordo com você que a pluralidade de ideias e o questionamento de paradigmas são a alma da academia. No entanto, é preciso cautela ao criticar o que chama de "mofo ideológico". A universidade nunca será um espaço completamente neutro, pois a produção de conhecimento está sempre imersa em contextos sociais, culturais, econômicos e políticos. O importante é garantir o rigor científico e o respeito ao debate plural, onde diferentes visões possam coexistir e enriquecer o conhecimento. A universidade é tão plural que acolhe diferentes teses sem o risco de perseguição, reconhecendo que todas as ideias, inclusive as suas, são legítimas e merecem espaço no debate acadêmico.

Sua preocupação com o uso de recursos públicos é válida, e a sociedade tem, sim, o direito de exigir que o dinheiro investido retorne em benefícios tangíveis. Contudo, reduzir o valor da produção acadêmica à sua utilidade imediata ignora o papel da ciência em fomentar questionamentos profundos e de longo prazo. As universidades públicas geram avanços em áreas como saúde, exatas, ciências humanas e sociais, artes e letras, cujos impactos nem sempre são mensuráveis no curto prazo, mas que são fundamentais para o desenvolvimento da nação.

Reconhecemos, por fim, que a expansão do ensino superior privado trouxe desafios, como a queda da qualidade em certos cursos. No entanto, isso não pode servir como justificativa para desacreditar o ensino superior público, que segue como referência em formação acadêmica e produção de conhecimento. A solução para os problemas da educação superior no Brasil não está em restringir a diversidade de temas ou excluir certas abordagens, mas em fortalecer o debate científico e garantir a autonomia das instituições.

Então, que Deus nos acuda e salve da produção acadêmica superficial — mas, claro, sem esquecer que os estudos aparentemente mais excêntricos são, muitas vezes, os que pavimentam o caminho da inovação em uma sociedade plural e democrática. Afinal, quem sabe o próximo grande avanço científico não venha de uma pesquisa sobre algo tão "pouco ortodoxo" quanto... o "mofo ideológico"?

*Carlos Augusto Lima Ferreira

Prof. Pleno da UEFS

Doutor em Educação UAB/Barcelona