Como a paisagem urbana afeta as abelhas sem ferrão

Estudo mostra os impactos da urbanização na coleta de recursos na dinâmica das colônias

Publicado em 14 de junho de 2024 às 09:17

Rainha e operárias da abelha sem ferrão uruçu-amarela (Melipona flavolineata) em favo de cria
Rainha e operárias da abelha sem ferrão uruçu-amarela (Melipona flavolineata) em favo de cria Crédito: Cristiano Menezes

A falta de vegetação nativa nas áreas urbanas, assim como seu microclima, são prejudiciais às abelhas nativas sem ferrão. Essas são as conclusões de uma pesquisa liderada por Felipe Andrés León Contrera, da Universidade Federal do Pará, publicada em um livro editado pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.). O estudo foi realizado em cinco cidades brasileiras representativas dos biomas da Mata Atlântica (como Salvador - BA e Florianópolis - SC), Cerrado (como Ribeirão Preto - SP), Caatinga (como Redenção - CE) e Floresta Amazônica (como Belém - PA).

Em cada uma das cidades foram colocadas colônias de meliponíneos, abelhas nativas sem ferrão, em locais com três níveis diferentes de urbanização, definidos a partir do percentual de vegetação nativa remanescente. Os pesquisadores acompanharam o desenvolvimento das colônias de forma a verificar, com o passar do tempo, a quantidade de abelhas, além dos níveis de: postura de ovos pela rainha; a quantidade de mel e pólen armazenados; bem como a atividade de forrageio, ou seja, o número de abelhas campeiras que saem do ninho em busca de flores. Três tipos de abelhas foram estudados: as do gênero Mellipona, que são maiores e possuem maior capacidade de voo; as do gênero Scaptotrigona, de tamanho e capacidade de voo intermediário; e as dos gêneros Plebeia e Nannotrigona, as menores, com capacidade de voo limitado e mais e com dieta mais abrangente.

Essas características das abelhas são importantes por determinarem a maneira como esses insetos respondem ao ambiente. Para todas as espécies estudadas, quanto maior foi o nível de urbanização, pior foi o desenvolvimento das colônias. Contudo, esse efeito se mostrou mais acentuado nas abelhas maiores por demandarem mais alimento para se manterem vivas, apesar de serem capazes de buscar alimento em fontes de néctar e pólen mais distantes.

Além disso, as abelhas operárias têm uma expectativa de vida média de apenas 30 dias. Ou seja, as colônias necessitam produzir novas abelhas constantemente. Com os recursos necessários para gerar uma única abelha operária Mellipona, as colônias das abelhas menores (Plebeia e Nannotrigona) são capazes de produzir dezenas de operárias. Essas diferenças são fundamentais, uma vez que, mesmo nos ambientes mais urbanizados, as abelhas Scaptotrigona foram capazes de angariar recursos da vegetação nativa remanescente, em quintais e jardins, mantendo bons níveis de atividade externa e estoques de alimentos (mel e pólen). Abelhas Plebeia e Nannotrigona, foram mais afetadas do que as Scaptotrigona, principalmente pela dificuldade de obtenção de alimentos nas áreas mais urbanizadas devido à capacidade de voo muito restrita, enquanto foram menos afetadas do que as Mellipona, devido ao baixo custo de manutenção das colônias.

Outro fator importante apontado no estudo foram as condições climáticas nas áreas urbanas. A temperatura e umidade dos locais variaram de acordo com a proporção de vegetação nativa no entorno das colônias; áreas mais urbanizadas são mais quentes e secas. O metabolismo das abelhas produz calor, aquecendo o interior das colônias, que nos dias mais quentes necessitam ser ativamente ventiladas pelas abelhas. Quando situadas em ambientes mais quentes e secos, as abelhas têm maior dificuldade de regular a temperatura interna da colônia; exigindo um consumo de energia maior, além de poder prejudicar o desenvolvimento das larvas. Além disso, as condições extremas de temperatura e umidade também restringem a capacidade das abelhas de buscar alimento, pois elas são mais ativas em temperaturas mais amenas, nem muito altas, nem muito baixas.

Esses resultados demonstram que, independentemente do gênero e do bioma estudado, as abelhas nativas sem ferrão foram negativamente afetadas pelo nível de urbanização. Esses insetos, contribuem significativamente para a polinização de plantas tanto silvestres quanto cultivadas. A presença das abelhas nativas em áreas urbanas ajuda a manter a biodiversidade, promove a saúde dos ecossistemas e melhora a produção de alimentos em hortas e jardins comunitários. Além dessas abelhas também produzem mel e outros produtos, elas fornecem benefícios não monetários, como beleza estética, oportunidades educacionais, significado espiritual e cultural. Portanto, a manutenção de remanescentes de vegetação nativa nas áreas urbanas, bem como a restauração em áreas de parques e o uso de plantas nativas e melitófilas (que atraem as abelhas) no paisagismo urbano são fundamentais para a manutenção das abelhas nativas, a sustentabilidade ambiental e a nossa qualidade de vida.

*Eduardo Freitas Moreira é Biólogo, Mestre em Ecologia e Biomonitoramento e Doutor em Ecologia pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente atua como pesquisador no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, associado ao Biota Síntese com apoio da FAPESP.

** com a colaboração de Pedro A. Duarte. Formado em Jornalismo pela FAAP, está cursando a pós-graduação em Jornalismo Científico pelo Labjor Unicamp. Faz estágio no Biota Síntese por meio da bolsa Mídia Ciência de Jornalismo Científico concedida pela FAPESP.