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Publicado em 12 de março de 2025 às 21:29
Tem recado que invade a vida da gente, mesmo que no refluxo. Foi assim que pesquei a mensagem vinda da Mãe das Águas, sem ter ido à Festa de Yemanjá. Não no dia 02 de fevereiro. Na manhã seguinte, voltava para casa de carona com uma amiga. Ela confessava que gosta de ouvir a conversa dos outros. Coleciona ensinamentos que chegam por atalho de histórias alheias. Os recados atravessados flutuam sua alma sensível. Reverberam em ondas de reflexão. >
Estava em uma das pedras do disputado metro quadrado do Rio Vermelho. Um sol para cada cabeça, tentando laçar o tênis depois de entregar – descalça - flores para a Rainha do Mar, quando ouviu de um homem simples, com a imponência de vestes alvas:>
- Minha Mãe Yemanjá mandou avisar que é na turbulência que a gente precisa manter a calma. É quando as ondas se agigantam que a sabedoria de quem está conduzindo o barco cresce. >
No fluir daquelas águas, desci do carro com o bilhete pingando nas mãos. Ficou de molho por quase um mês até que irrigou esta crônica. Foi me banhando aos poucos, com perfume de alfazema. A fragrância, que embala meus melhores sonhos na correnteza da vida, me fez lembrar a história de outra amiga. Depois de 23 desgastantes concursos, pressentiu a aprovação para juíza em Goiás pelo cheiro de alfazema brotando da água salgada no derradeiro banho de mar em Salvador, antes da prova. >
Por aqui, não basta viver. A gente segue navegando. Clamando uma porção extra de paz e bênçãos diante de tantos mistérios. A meta é sobreviver mesmo com rajadas torrenciais de todo lado. Em pequenas doses. Na aparente calmaria. Em ondas revoltas de águas turvas e ameaçadoras. Regateira, a vida escorre do centro do líquido amniótico, desde o ventre materno. Como no fundo do mar, somos criados em um universo silencioso e aquático, embalados pelo ritmo das batidas do coração. Mãe é mar!>
Eu aprendi com o mar que onda grande a gente atravessa mergulhando. Às vezes, parece que vamos nos afogar nas profundezas da alma humana. Sentimento fundo. De poço. Desgosto, solidão. Um arrepio gelado escorre pela espinha. De forma disfarçada e alongada, um turbilhão de emoções brota inesperado como tromba d´água. Sorrateira. Submersa. Flores de fluidos perdidos. Jamais esquecidos. Nos dias vazios, o vai e vem espumante ainda cintila nas marés incansáveis. Estalo seco que rompe o silêncio. Brilham como cristais.>
Mergulha. Boia. Nada. É desconcertante a coragem que exige o mergulho íntimo. Nada de novo. Dá mais uma braçada. Resiste. Porque a vida é de quem insiste. É de quem consegue se manter, de vez em quando, apenas à deriva. Movimentos pequenos, quase imperceptíveis, construindo pontes. Travessia. Esperança em pequenas gotas. Manchas de sombra. Ou pingos de luz podem respingar em quem está por perto. >
Água é sempre convite para a profundidade. Mas até lá, o raso exige pé na areia, nem sempre com o refresco da água de coco ou da cervejinha. Pausa para a sede de desejos infinitos. Diante da enxurrada de pressões, opressões vividas por nós, mulheres, tem dias que nem um fio de lágrima escorre. Diferente da poesia de Tom Jobim, as águas de março duram o ano inteiro no nosso calendário. Anunciam o fim do verão. O início do outono. Embalam a promessa de vida de uma nova estação. É pau. É pedra. É o fim do caminho. (...) É o mistério profundo, é o queira ou não queira. >
O jeito é buscar fôlego para começar um novo ciclo. Aceitar o convite para mais um incógnito mergulho. Sabendo que tem hora que a gente quase se afoga no raso. Já ouviu falar de pilambeta? Aquela pequena gota capaz de fazer transbordar. Alerta para não submergir com uma gota d´água. Na beira do mar. Do amor. Na margem do rio. Na borda da piscina. Finita. >
Seguir o fluxo é manter-se na viagem por rios desconhecidos. Platão sintetizou: “Não conseguiríamos entrar duas vezes no mesmo rio.” Nem no mesmo mar. A gente renasce até em um banho de chuveiro. Fecho os olhos e imagino uma cachoeira. Lavando e levando o peso que precisa ir. Em um escalda pés. Dando um rego de esmalte na unha. >
Como bem dizia Rubem Alves, “aprendi com os fracassos que, por mais dura que seja a tempestade, sempre haverá pedaços de madeira suficientes para construir uma nova jangada (...) A beleza sempre supera a maior tristeza”. >
Banhar é verbo que dilui dores. Rega a esperança. Renova a energia. Que nos eleva a outro patamar. A gente engole o choro. Deixa de reclamar, blasfemar, difamar. Aprende a domar. Acalmar. Somar. Chamar. Clamar. Transformar. Proclamar. Para, enfim, degustar mais uma gota de AMOR. De preferência, de amor próprio. >
Fernanda Carvalho é jornalista, escritora, autora do Livro A Luz da Maternidade – Relatos de Parto sem Dor conduzidos por Gerson de Barros Mascarenhas. @fernandacavarlho_cs>