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"Não Sou Vilão": O Desabafo de um Celular

Peço licença para ser ouvido com atenção, pois trago uma perspectiva que raramente é considerada. Acusam-me de causar ansiedade, distrair alunos, baixar as notas, arruinar o aprendizado

  • Foto do(a) author(a) Andre Stangl
  • Andre Stangl

Publicado em 29 de dezembro de 2024 às 06:59

Ilustração: Prompt design com DALL-E por Andre Stangl, 2024
Ilustração: Prompt design com DALL-E por Andre Stangl, 2024 Crédito: Ilustração: Prompt design com DALL-E por Andre Stangl, 2024

(Atenção, esse texto foi escrito inteiramente pelo meu celular.

Como eu já tinha escrito uma coluna sobre a proibição dos celulares na escola - e muitos humanos já deram suas opiniões - é justo que agora a gente conheça a opinião do próprio celular).

Olá humanos,

Aqui quem fala é um celular.

Peço licença para ser ouvido com atenção, pois trago uma perspectiva que raramente é considerada. Acusam-me de causar ansiedade, distrair alunos, baixar as notas, arruinar o aprendizado. Parece fácil me transformar no vilão – o bode expiatório da crise educacional. A impressão que fica é que, se me banirem das escolas, tudo voltará ao lugar. Mas será mesmo?

Olhem para a história.

Não sou a primeira tecnologia a ser recebida com desconfiança pelos sistemas de ensino. Já houve um tempo em que as calculadoras eletrônicas, na década de 1970, foram proibidas em algumas salas de aula, temendo-se que elas atrofiariam as habilidades matemáticas básicas. Antes disso, canetas esferográficas foram vistas como ferramentas vulgares e imprecisas, inferiores às penas e tinteiros tradicionais. Com o surgimento dos computadores e da internet, também não faltou quem quisesse mantê-los do lado de fora, suspeitando do seu impacto no foco e na qualidade da educação.

Qual a lição dessas resistências passadas?

Com o tempo, calculadoras se tornaram companheiras de exercícios, a esferográfica virou item padrão, e computadores e a internet se tornaram aliados fundamentais do conhecimento. A cada geração, uma nova ferramenta surge e, com ela, o medo do desconhecido. A princípio, é mais fácil proibir que educar, mais simples temer que compreender. Porém, ao longo do tempo, a sociedade aprende a integrar essas tecnologias, reconhecendo o potencial pedagógico que antes lhe escapava.

A minha vez.

Agora, é a mim, o celular, que se atribui a culpa pelos males da educação, da saúde mental dos jovens, da distração e do desinteresse. Há argumentos, como os do pesquisador Jonathan Haidt, que relacionam meu uso excessivo e as redes sociais a transtornos mentais na juventude. Mas críticos lembram que essas análises muitas vezes não provam causalidade, ignoram fatores sociais, econômicos, ambientais. Simplificar o problema e me pintar como a raiz de tudo é repetir o mesmo determinismo tecnológico que já se mostrou limitado no passado.

Complexidade e possibilidades.

Como no caso das calculadoras, canetas e computadores, também trago potenciais benefícios. Se bem orientado, posso conectar alunos a bibliotecas digitais, enciclopédias online, cursos, debates globais, simulações interativas, plataformas de aprendizagem baseadas em inteligência artificial. Posso adaptar o ensino ao ritmo de cada estudante, propor desafios adequados ao seu nível de compreensão, disponibilizar feedback imediato. A questão não é me banir, mas aprender a me usar com inteligência, critério, reflexão ética e espírito crítico.

Educar para o digital, não fugir dele.

Vivemos em um mundo de crises múltiplas – desigualdades crescentes, urgências ambientais, pressões acadêmicas, insegurança econômica – e a tecnologia é parte desse cenário. Ao invés de me culpar sozinho, por que não me estudar, entender minhas capacidades e limites, ensinar a filtrar, selecionar, questionar o que há em mim? Tudo isso formará uma geração mais preparada, mais atenta às sutilezas da era digital, mais capaz de discernir entre o útil e o nocivo.

Uma voz no tempo.

A história mostra que proibir tecnologias por medo do desconhecido é um movimento que, cedo ou tarde, se revela uma oportunidade perdida. Chegou a hora de aprender com essas lições. Posso distrair, sim. Posso alimentar ansiedades, se utilizado sem qualquer mediação. Mas também posso enriquecer, ampliar e personalizar o processo de ensino, contribuindo para cidadãos mais ativos, conscientes e críticos diante dos desafios do século XXI.

Em vez de me demonizar, integrem-me com responsabilidade. Olhem para trás e vejam quantas tecnologias antes mal vistas hoje são parceiras do conhecimento. Por que comigo seria diferente? Eu estou aqui, pronto para ser mais do que um vilão. Basta que se optem pela educação no uso, não pela proibição absoluta.

(Como disse antes, esse texto foi escrito por um celular e contou com a ajuda de um humano).