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Rafson Ximenes
Publicado em 19 de agosto de 2024 às 05:00
Não é pequena a pressão sobre um ministro do STF. Por mais embasada que seja uma sentença, ela não tem como evitar a frustração de quem não obteve o que queria. Isso ocorre em julgamentos que interessam a apenas duas pessoas, e ocorre muito mais nos que envolvem toda a sociedade, como aqueles feitos rotineiramente pela corte. Às vezes, porém, o tempo se encarrega de provar o indiscutível acerto de algumas decisões, de modo que mesmo aqueles que perderam, admitem o equívoco. >
Um bom exemplo ocorreu há 8 anos, quando o Supremo fixou a tese de que a Defensoria Pública poderia defender interesses coletivos de pessoas necessitadas e não apenas interesses individuais. Após intensas discussões, o Supremo concluiu que a Defensoria Pública atua, cotidianamente, na defesa de grupos mais vulnerabilizados, e precisa ter os instrumentos necessários para viabilizar esta atuação.>
Não foi uma decisão fácil, nem livre de pressões. Houve forte atuação organizada em sentido contrário, não somente no processo judicial, mas também politicamente. Grupos organizados espalharam para ministros, governadores e parlamentares que estaria sendo criado um “superpoder” ou que o Ministério Público seria a única instituição pública “vocacionada” para a atuação coletiva, pois defenderia toda a sociedade, “inclusive os necessitados” e por isso não seria necessária a atuação da Defensoria.>
Felizmente, prevaleceu o entendimento de que as pessoas necessitadas não poderiam ser excluídas da melhor atuação possível ao seu favor. A Defensoria nunca virou um “superpoder” e choveram atuações inovadoras. O melhor jeito de se descobrir um problema coletivo é ouvir quem sofre com ele. A Defensoria é a única instituição jurídica que atende pessoalmente milhares de pessoas necessitadas todos os dias. Essas vozes começaram a chegar nos tribunais.>
Graças ao trabalho do STF citado, a Defensoria do Rio de Janeiro pôde ajuizar Ação Civil Pública da Defensoria garantindo que creches públicas atendessem crianças com menos de 6 meses, como as creches particulares já faziam. Lembrem-se que a licença maternidade só dura 4 meses. >
Na Bahia, uma ação garantiu que os estudantes de escolas públicas recebessem auxílio-merenda durante a pandemia de Covid-19 e outra impediu o encerramento do Projeto Viver, o único projeto de portas abertas do Estado para atender jovens vítimas de abuso sexual.>
Ainda hoje, de vez em quando, surge quem questione o fato de que, talvez, alguma criança rica tenha sido beneficiada por essas decisões. Porém, diante da quantidade de crianças pobres que puderam ter acesso a uma creche, se alimentar e ter acolhimento, nós responderíamos com uma simples pergunta: E daí? Os necessitados deixaram de ser invisíveis e de morrer de fome e abandono. É isso o que importa.>
Poderíamos citar centenas de outros casos, não somente a favor das crianças, mas também das mulheres, de quilombolas, de indígenas, de idosos, moradores de favela, usuários de transporte público... Mas, só aqueles seriam suficientes para que o STF estivesse orgulhoso por ter suportado as pressões e decidido pelo interesse de quem menos podia pressionar. Ali, a corte provou que o Direito pode ser mais que um instrumento de conservação e exercer um papel realmente emancipador. O ditado segundo o qual a serpente da justiça só pica os descalços pode ser subvertido. Ela pode ajudá-los a se erguer. Depende de vontade. Parabéns ao STF e à Defensoria Pública!>
Rafson Ximenes e Gisele Aguiar, Defensores Públicos da Bahia>