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A força que vem das divas: entenda como o axé se fortaleceu através das cantoras

Em um paralelo com as popstars, mulheres da axé music se reinventam na folia e perpetuam o gênero

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 5 de março de 2025 às 08:00

As divas do axé fortaleceram o g
As divas do axé  Crédito: Fotos: Arisson Marinho (Mari Antunes e Ivete Sangalo) e Marina Silva: Claudia Leitte e Daniela Mercury

Ao longo de todos os dias, Daniela Mercury transformou seu Carnaval em um verdadeiro Oscar. Em cada desfile, Ivete Sangalo abriu a porta para o verão e mostrou que comanda até as rodas que acompanham seu bloco. Claudia Leitte trouxe o ‘soul’ das ruas e entregou tudo nos figurinos que preparou para a folia. Alinne Rosa liberou sua ‘loba’ para caçar as ‘chapeuzinhos’ de O Vale no domingo (2). De super-heroína, Mari Antunes foi para o meio do povo ser carregada pelos foliões do Chá da Alice, no primeiro dia de festa (27).

O que essas mulheres têm em comum? Desde quinta até a última terça-feira (4), todas mostraram na folia que a força que o axé tem hoje dificilmente seria a mesma se não fosse por elas. Seja por carregarem uma legião de fãs, por investirem em balé, figurinos temáticos, cenografia até para o trio e ainda fazerem parte do seleto grupo de campeões de vendas de blocos, elas representam para a folia o que cantoras como Madonna, Beyoncé e Britney Spears significam para o pop internacional.

“Por mais que se fale em crise do axé, que crise é essa?", questiona o pesquisador Caio Cruz, doutorando em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e autor de uma dissertação de mestrado sobre Lady Gaga. Ele argumenta que o Carnaval de Salvador tem atraído mais turistas e gerado mais receita a cada ano. “Eu não consigo desassociar o gênero (axé) da história feminina. Essa voz potente, grave, tem uma certa semelhança em como as vozes dessas cantoras são apresentadas e que diz mesmo de um lugar de fortaleza desse feminino no axé".

Não é à toa que baianas e gringas compartilham, em muitos contextos, o mesmo público - em especial, a comunidade LGBTQIAPN+. "A ideia de diva acaba sendo frequentemente usada na música e na cultura brasileira para cantoras que têm esse aparato, cantoras da música pop. E certamente a axé music foi a música hegemônica do Brasil por muitos anos, porque ela goza dessa dimensão comercial, tem essa coisa do hit, esse apelo da indústria. Então, a axé music é uma música pop e obviamente a figura da diva vai ser muito emblemática nesse horizonte", explica o professor Thiago Soares, coordenador do grupo de pesquisa Comunicação, Música e Cultura Pop da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e referência em estudos sobre divas pop no país.

Elas sabem que, para muitos foliões, carregam esse título. À frente do Babado Novo há mais de uma década, Mari Antunes também se firmou como uma das novas divas do axé. Em Salvador, ela cantou no Camarote Baiano, do Grupo San Sebastian, na quarta-feira (27), e puxou o bloco Chá da Alice, na quinta-feira (28).

Ambos são vendidos pela San Folia, que é focado no público LGBTQIAPN+. "Eu fico muito honrada em receber esse título, que antes era direcionado apenas às artistas internacionais. Tenho uma relação muito forte com o meu público e busco estar sempre atendendo às expectativas deles, afinal ser uma diva não é fácil", contou Mari, em entrevista ao CORREIO.

Imaginário

A ‘diva’ é uma figura associada às cantoras femininas da ópera. Isso passou a ser ampliado para uma ideia de canto virtuoso e, com os anos, foi atualizado progressivamente. "A ideia de uma diva pop, na verdade, é uma incorporação desses valores do canto, da performance e da entrega do palco para o campo da música pop", diz o professor Thiago Soares, da UFPE.

Em geral, a diva pop tem referências de uma cultura anglófona, a exemplo de Madonna, Beyoncé, Britney Spears e Mariah Carey. No entanto, aqui no Brasil, é possível ver essa associação até em gêneros como o forró e o axé. “Elas são fundamentais na renovação, na atualização e na modernização da axé music", acrescenta.

De acordo com ele, o axé, enquanto movimento, sempre se vinculou a corpos de mulheres e de cantoras jovens, inclusive porque o vigor físico é importante tanto para cantar no trio quanto para fazer grandes espetáculos. O que as divas da axé fazem, portanto, é atualizar tudo isso - inclusive, à medida que envelhecem de forma pública, o que costuma não acontecer de forma gentil para as mulheres.

Assim, elas atualizam esse imaginário da diva no contexto brasileiro. “Ivete, por exemplo, desde Cria da Ivete, Macetando, agora Energia de Gostosa, me parece que ela está falando de mulheres experientes. Elas não estão glorificando apenas o corpo da mulher, mas falando de uma certa atitude de mulher, sobretudo de envelhecimento. Ela traz uma persona midiática que está envelhecendo, mas, ao mesmo tempo com prazer, com desejo de festa ainda", analisa.

Enquanto isso, Daniela Mercury, por ser historicamente a primeira, seria uma espécie de Madonna do axé. “Ela colocou virtuosismo no Carnaval. Botou piano, botou música eletrônica. Daniela experimenta no Carnaval e experimenta as diferentes possibilidades de ser mulher. Daniela tem uma filha, tem um casamento com uma mulher e é fundamental perceber essa atualização. Cláudia Leitte também atualiza a ideia de diva, puxando mais para outro lado. É uma diva mais conservadora, religiosa, que também compõe esse quadro de diferentes feminilidades. São diferentes mulheres, com diferentes biografias, que colocam a axé music atualizando esse consumo de divas pop brasileiras", diz o professor.

Diversidade

Não haveria problema em entender o axé como pop, porque, na verdade esse não seria um gênero propriamente dito, mas uma embalagem, segundo o pesquisador Caio Cruz, da Ufba. Há, assim, um contexto de expressão de artistas mulheres consumidas a partir do lugar de musas inspiradoras.

Na noite de domingo, poucas horas antes do Oscar, Daniela Mercury puxava o Crocodilo trazendo uma bandeira LGBTQIAPN+ com o rosto da atriz Fernanda Torres, que concorreu ao prêmio de Melhor Atriz por Ainda Estou Aqui. No aniversário de 40 anos do bloco, a cantora levou uma estatueta gigante do Oscar para o trio, enquanto cantava Proibido Carnaval, canção que lançou com Caetano Veloso, em 2020.

Para a cantora Mari Antunes, do Babado Novo, a comunidade LGBTQIAPN+ abraçou as divas do axé. "Eles são um público fiel e que nos acompanha em todos os momentos e locais que fazemos show. Isso mostra que o gênero não vai morrer e nem se perder enquanto houver quem queira nos ouvir", pontuou.

Fã de Beyoncé, o engenheiro sanitarista Eliseu Marques, 26 anos, acompanhou as pipocas de Ivete Sangalo na Barra, na sexta-feira, e no Campo Grande, na terça. Para ele, é possível comparar as duas artistas pelo que ambas representam para a música - cada uma em seu país. Ele também seguiu alguns dos desfiles de Daniela Mercury, que diz ser ‘a cara do Carnaval de Salvador’.

“Muito da cultura brasileira vem do que é cultuado em Salvador. As divas do axé acabam sendo fundamentais para o gênero porque é importante ter essas mulheres que dão visibilidade à nossa música. O que elas fazem no palco nenhum outro artista faz na mesma intensidade”, avalia.

Para Eliseu, além da representatividade feminina num gênero que por muito tempo foi dominado por homens, ele acredita que as divas conquistaram o público LGBTQIAPN+ porque estão ligadas às causas da comunidade. “A gente sabe o quanto é difícil, pela masculinidade tóxica, homens de axé se assumirem, por exemplo. Elas conseguem, com mais coragem, assumir quem são e suas bandeiras. Para mulheres, é mais fácil fazer isso porque elas já precisaram conquistar espaço”.

De acordo com o pesquisador Caio Cruz, da Ufba, uma hipótese para essa relação vem de uma conexão do pop com o feminino e o que é feminizante. “A comunidade LGBT se sentiu mais abraçada por essas artistas femininas", pontua. Cada diva do axé, com sua história e identidades de gênero e sexual, teria construído uma relação específica com seus públicos, inclusive fazendo distinções entre eles.

“Quem é o gay que consome Alinne Rosa, quem é o gay que vai no show de Ivete Sangalo, quem é o gay que vai no bloquinho de Cláudia Leitte, quem é a lésbica que prefere Margareth Menezes? Então, para mim, essas especificidades são as maiores diferenças", diz, citando também as contradições que existem no Carnaval e nas manifestações das cantoras. "Só porque há uma feminilidade mais aberta e mais plural, isso não as exime de fazer comentários mais preconceituosos, por exemplo. A gente não está consumindo só o objeto, mas também o que é simbólico".

O projeto Correio Folia é uma realização do jornal Correio com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador