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Fernanda Santana
Publicado em 18 de fevereiro de 2024 às 07:00
Em 73 anos, os trios elétricos evoluíram de fobicas a estruturas de até 34 metros que precisam acomodar não só instrumentos e músicos. Lá de cima, convidados com a fama ou o sobrenome certo curtem com mordomia a maior festa do mundo. >
Fora desses espaços vips, essa lotação dos trios elétricos é vista com preocupação, e será uma das pautas discutidas durante o planejamento do Carnaval de 2025. Na folia deste ano, oito trios foram notificados por excesso de pessoas pela Defesa Civil de Salvador (Codesal). O número do ano passado não foi informado. >
Cada equipamento pode desfilar com um limite de peso acima dele, determinado em vistorias que ocorrem antes da folia e que é repassado aos responsáveis pelos trios. Sobrepesos podem provocar danos estruturais, desequilibrar o caminhão e ameaçar os foliões ao redor.>
“Esses números nos mostram que temos que desbravar estudos sobre o tema. Estamos discutindo de que formar melhorar ainda mais esses os fluxos”, afirma Sosthenes Macedo, diretor da Codesal.>
Uma das ocorrências de superlotação aconteceu na noite de 12 de fevereiro, no Circuito Dodô. O trio Light, em que Ivete Sangalo desfilava com o bloco Coruja, estava próximo ao Morro do Gato quando pendeu à direita. >
Ao perceber a situação, a cantora pediu ao motorista que ele parasse o trio. Os convidados, então, correram para o lado esquerdo. Só assim o veículo voltou ao eixo normal.>
Engenheiros da Codesal foram os primeiros a chegar ao local, e verificaram problemas em uma das peças responsáveis pela sustentação do veículo - o que costuma ocorrer em casos de sobrepeso ou problemas mecânicos. Os convidados foram retirados.>
Como os trios desfilam sem adesivo de determinação de peso máximo em lugares visíveis, e a Codesal não participa das fiscalizações prévias, os agentes desse órgão notificaram a superlotação com base na análise visual. >
O trio Light tinha capacidade para 80 pessoas, incluindo aí, além dos convidados, os músicos e roadies. “Nesse caso, [avaliamos a superlotação] com base no visual e no desequilíbrio, notamos um risco de comportamento”, acrescenta Sosthenes. >
Pelos dois principais circuitos da folia, circularam 160 trios. As ocorrências de superlotação correspondem a 22% do total de notificações emitidas pela Codesal (36) e 5% dos veículos.>
Ainda assim, órgãos públicos e entidades envolvidas na organização do Carnaval vêm com preocupação os percentuais. >
“Na verdade, essa pauta [lotação dos trios] é importante para um carnaval ainda mais seguro. Existem órgãos que fiscalizam. Cada equipamento tem a limitação e o que precisa é que o que está expresso seja cumprido e os órgãos exerçam suas funções”, disse Isaac Edington, presidente da Saltur, que organiza toda a logística do Carnaval de Salvador.>
As notificações de trios superlotados são enviadas a essa entidade, que avalia as possíveis sanções aos notificados. >
A discussão sobre essa lotação dos trios integra um debate que aguarda há sete anos por um desfecho no Ministério Público da Bahia (MP) - a regulamentação desses equipamentos. >
Uma norma específica para os trios elétricos serviria para estipular regras unificadas para esses veículos, como as dimensões, limites de público e órgãos fiscalizadores. >
A proposta foi apresentada em 2017 pela Associação Baiana dos Trios Elétricos Independentes (ABTI), na época presidida por Paulo Leal, empresário e construtor de trios. >
O grupo entendia que a falta de regulamentação abria brechas para irregularidades. Hoje, a principal fiscalização dos trios ocorre antes do carnaval, promovida por 10 órgãos públicos. >
Mas, sem a regulamentação do veículo, o responsável por verificar o cumprimento dessas regras nos seis dias de festa não está determinado. >
Há outras experiências de veículos regulamentados. É o caso dos caminhões “cegonhas”, aqueles com mais de 23 metros de comprimento, que precisam de autorização oficial para trafegar nas rodovias.>
O MP da Bahia não respondeu sobre o andamento do projeto de ordenamento. >
“Precisamos disso, mas o que se faz? Lógico que nossa vida é uma política, mas as vaidades têm atrapalhado muito isso. Precisaremos de uma tragédia para cair na real?”, critica Leal. >
Há brigadas privadas que trabalham nos trios elétricos. Engenheiros e arquitetos contratados de entidades como a Codesal também trabalham para verificar o bom funcionamento do Carnaval. >
Quando há emergência, há acionamento, geralmente, desses profissionais, de bombeiros, da Saltur e de agentes do Conselho Regional de Engenharia da Bahia (Crea). O Departamento de Polícia Técnica comparece em caso de solicitação de perícia.>
“Esse [a fiscalização] é um filho que ninguém assume. Realmente, seria importante, como há nos camarotes, um controle, como uma licença final. Precisamos discutir o próprio trio”, afirmou Arildson Mota de Araújo, coordenador de fiscalização do CREA. >
O proprietário do trio Light, que inclinou na noite de 12 de fevereiro, não pôde ser entrevistado sobre o assunto, por confidencialidade contratual com Ivete. >
No dia seguinte, com aval da coordenação de Fiscalização de Produtos Controlados da Polícia Civil, o equipamento voltou a circular. Dessa vez, guiado novamente por Ivete, mas no Campo Grande e sem convidados. >
Invenção de Dodô e Osmar, os trios elétricos saíram de pequenos carros para mega estruturas com mais de 34 metros. O avanço começou na guinada do sucesso da axé music. >
Uma das pioneiras foi a cantora Daniela Mercury, que, em 2000, acrescentou mais um patamar no trio. Os equipamentos cresceram para acomodar mais dançarinos, músicos e equipamentos de som mais potentes. >
No início daquela década, alguns trios chegavam a disputar pelo título de maior equipamento da Bahia. O Dragão, até hoje, é considerado o vencedor - tem 34 metros. >
“O artista, com todo respeito, faz a vistoria antes do carnaval e surge na hora com estruturas a mais. Não pode ser assim. Eu já vi muitas vezes artistas exigirem que subisse mais gente. Ivete, graças a Deus, foi protegida, mas foi um aviso”, afirma Leal.>
Desde 2010, as possibilidade de inovações tecnológicas e o desejo de aproximação com o público foram transformados em trios menores. >
O Navio Pirata - em que desfila a BaianaSystem - e o Pranchão - do movimento Mudei de Nome - têm sido exemplos destacados por quem defende a redução do tamanho dos trios. Ambos saem sem convidados. >
Já houve evidências do sobrepeso de trios em pesagens contratadas pela Saltur. Em 2020, um relatório verificou excesso de peso em todos os veículos vistoriados no Carnaval daquele ano.>
O MP, ao tomar conhecimento desse documento, recomendou que os pesos dos trios e carros de apoio fossem regularizados. >
A orientação do órgão, encaminhada a diferentes órgãos, incluía também o Governo da Bahia, que deveria enviar à Assembleia Legislativa um projeto para regularizar peso, dimensão e lotação dos trios. Isso não ocorreu.>
Para Sandro Vieira, presidente do Conselho Regional dos Técnicos Industriais da Bahia, essas discussões precisam avançar mais rápido.>
"Quando um pino de balança quebra , como ocorreu semana passada, pode ser a ponta do iceberg. Estamos falando de equipamentos privados, mas que estão sendo de uso público”, explica. >
Depois do Carnaval, o Conselho notificou todos os trios a passarem por uma nova vistoria. "Espero que os poderes públicos não tomem uma providência só depois de uma ocorrência grave”, acrescenta. >
Há 35 anos, Gibeom Trindade dirige trios elétricos. No Carnaval do ano passado, o motorista iniciou uma discussão com a equipe de uma banda de pagode. O motivo era a superlotação no caminhão.>
Do retrovisor, ele via uma pessoa atrás da outra parar ao lado do trio e conversar com um produtor. Aparentemente, acertavam um preço para subirem no caminhão. >
“Desci para dizer que aquilo não podia. Quem venceu foram eles, porque eu não pude mais me envolver”, lembra.>
Tudo está cheio no Carnaval de Salvador — não só os trios. Segundo o Governo Estadual, onze milhões de pessoas passaram pela festa. >
Esses números fortalecem a discussão sobre a necessidade de mais um circuito para a folia, avaliam empresários, artistas e poder público.>
“Um novo circuito deve ser discutido. Há um estrangulamento desse sistema, não há mais espaço para camarote, há gargalos”, afirmou Isaac Edington, da Saltur.>
Em agosto de 2022, a Prefeitura de Salvador recebeu a primeira proposta de implantação de mais um trajeto para trios elétricos desfilarem. >
O endereço seria a orla atlântica, sugeriu o Conselho Municipal do Carnaval.>
A proposta foi negada pelo prefeito Bruno Reis, que alegou falta de tempo para avaliar as variáveis envolvidas.>
Além disso, havia outro fator a considerar: a necessidade de revitalizar o circuito Osmar (Campo Grande), que estava mais esvaziado. >
Em abril deste ano, o Comcar pretende realizar um fórum para discutir pautas relacionadas ao carnaval, como esse possível novo circuito.>
“Ano passado, já tínhamos observado muita gente, mas achávamos que tinha sido pelo pós-pandemia. O carnaval cresceu e novos circuitos já estão surgindo”, explica Washington Paganelli, presidente do Comcar. >
Neste ano, houve a criação de dois circuitos: das Águas (Itapuã) e Mãe Hilda (Liberdade). Na última quarta-feira (14), em entrevista coletiva, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) reforçou em abrir novos circuitos. >
O circuito de mais sucesso do Carnaval é o Dodô, da Barra até Ondina. Esse percurso entrou na rota oficial em 1996, por ideia de Daniela Mercury, que queria uma alternativa para o Campo Grande congestionado. >
O burburinho sobre um novo circuito cresceram não só pela superlotação das ruas.>
No desfile do dia 13, para o folião pipoca, Ivete poetizou sobre o futuro: "É tempo de reconsiderar a rota. Na minha frente, vejo um portal de coisas incríveis para a gente". Foi aí que os comentários sobre novos caminhos reacenderam>
A assessoria dela, no entanto, não informou que nova rota seria essa. >