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Larissa Almeida
Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 09:00
Foliões que acompanhavam a passagem do bloco As Muquiranas ao som da banda Pagodart, no Sábado de Carnaval de 2023, puderam notar, além de casos de importunação sexual através das pistolas de água, cenas de vandalismo que causaram tumulto e fizeram o cantor Flavinho parar sua apresentação para chamar a atenção dos homens travestidos, que subiam em portões, portarias de prédio, cabines de caminhões, banheiros sanitários e até pontos de ônibus.
O comportamento agressivo com as mulheres e com os patrimônios públicos são algumas das faces da violência de integrantes do bloco. Para Daniela Portugal, advogada feminista, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Faculdade Baiana de Direito, há ainda o tipo de violência simbólica, que também oprime os alvos desses homens.
“Tanto Os Muquiranas, como demais blocos de homens travestidos, fazem uma retratação vulgarizada e hipersexualizada da mulher – retirado não do que nós, mulheres, somos, mas sim da forma como eles, homens associados a esses grupos, nos veem. Essa retratação ser, para alguns, uma forma de entretenimento, já é uma violência simbólica em si. Para além disso, esse tipo de coletivo reforça essa posição masculina ofensiva, agressiva, o que acaba gerando reflexos em diferentes práticas lesivas, para além do assédio em si”, afirma Daniela.
Na visão dela, o comportamento agressivo dos associados das Muquiranas com a pistola não é uma particularidade da Bahia ou dos homens baianos, mas marca o comportamento masculino de modo geral na cultura local. “Primeiro porque crescem acreditando que nós, mulheres, somos seres voltados à satisfação masculina, sem autonomia ou direitos próprios. Objetificam nossos corpos e nos violam diante do nosso ‘não’. Segundo porque crescem aprendendo a se expressar a partir da violência”, justifica.
“Naturalizam o agir violento e agressivo como se fosse um atributo naturalmente inerente ao corpo masculino, o que não é verdade. Nenhum homem nasce com um instinto abusador, todavia não são culturalmente educados a respeitar nossos corpos e nossos limites. É essa cultura do assédio e do estupro que precisamos superar”, complementa.
Por sua vez, Izaura Santiago da Cruz, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/Ufba) e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim/Ufba), aponta que a tentativa de homens intimidarem mulheres com pistola também foi registrado em outros estados. “Já foi relatada [tentativa de intimidação] em outros locais que possuem grandes festas de carnaval, tais como Rio de Janeiro, Recife, entre outros”, diz.
“Esse comportamento está ligado às relações de poder e, certamente, ao machismo que ainda está fortemente enraizado na cultura brasileira. O carnaval é apenas um dos espaços onde essas manifestações naturalizadas sob o argumento de que são ‘apenas brincadeiras”, finaliza.
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*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro