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Como Tierry, ex-Fantasmão, virou máquina de hits do sertanejo

Cantor e compositor, Tierry queria ser vocalista da banda Eva, mas hoje está por trás de sucessos que você nem imagina

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 6 de fevereiro de 2024 às 09:57

Tierry, antes Fantasmão, agora máquina de hits Crédito: Reprodução/Divulgação

No percurso entre Nilo Peçanha e Valença, na Costa do Dendê, Tierre Peixão, aos 16 anos, escutava o Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste. A programação da rádio sintonizada na van que o levava de casa para a escola ia do sertanejo ao axé. Em casa, um pouco mais de MPB, samba e forró enriqueciam o repertório do cantor e compositor que se tornaria um dos maiores produtores de hits do Brasil.

Quase 20 anos depois daquelas viagens, Tierre, aos 34, é conhecido nacionalmente por Tierry. Ou por dois apelidos: Tiehit, pela capacidade de emplacar sucessos na indústria fonográfica, ou Coringa, pela versatilidade de compor para o sertanejo, axé, arrocha, piseiro, pagode e o que mais pintar.

Tierry tem sucessos gravados por Ivete Sangalo, Bell Marques, Wesley Safadão, Jorge e Matheus, Luan Santana, Claudia Leitte, Parangolé, Lucas Lucco, Simone e Simaria. A lista de 600 composições, e de clientes, caberia em mais de cinco páginas em branco.

Até Maria Bethânia cantou uma composição dele - Vingança do Amor (aquela do "Tá doendo é? Tá chorando é?”), sucesso na voz de Pablo, é de Tierry.

Em carreira solo, ele alcançou a marca de milhões de plays - vezes em que música é tocada em plataformas de streaming - com Hackearam-Me e Rita (“Volta, Rita, que eu perdoo a facada”), e Cabeça Branca (a do velho da lancha).

A saga dele como artista - cantor e compositor - começou em 2010, quando chegou a Salvador para estudar jornalismo. Ele nasceu na capital baiana, mas cresceu em Nilo Peçanha. Como precisava de dinheiro para bancar a nova vida longe de casa, conseguiu um estágio no estúdio de Alan Toreba, um dos percussionista de Saulo Fernandes, na época na Banda Eva.

No trabalho, conheceu artistas e produtores que, aos poucos, o aproximaram da indústria fonográfica. “Sou compositor por ofício”, repete Tierry. Foi nessa época que soube da audição para uma banda de pagode. Era o Fantasmão.

Aprovado, Tierry estreou, oficialmente, como cantor. “Hoje, vejo que tudo isso foi muito importante para chegar onde estou hoje. Foi massa tudo do jeito que foi. A única coisa que eu lamento é eu não tocar mais na minha cidade”, compartilha.

Mas a carreira dele despontaria a 1,6 mil quilômetros de Salvador. Em 2019, Tierry deixou a cidade para ser agenciado em um escritório de Goiânia, meca do sertanejo brasileiro que tem investido em compositores baianos.

Do Fantasmão ao axé e sertanejo

À frente do Fantasmão, Tierry incorporou um novo codinome - Tierry Coringa. O apelido já era conhecido entre os amigos, em referência à versatilidade do artista. No grupo, emplacou músicas como Quebrar e Arrochar e Tome Tome Tome, gravada pelo Saiddy Bamba. Passou, também, a investir mais em composições para colegas.

Em 2012, ele debuta no mercado da axé music, que hoje sofre para criar nova safra de estrelas e renovar o público. Na época, Tierry ainda sonhava em se tornar o vocalista da banda Eva. Saulo, então cantor da banda, sempre circulava no estúdio onde Tierry estagiava. O estudante o olhava admirado.

Foi o produtor Alexandre Lins quem sugeriu o próximo passo para Tierry. “Estava com 19 anos. Ele dizia que eu era um cara fora da caixa". Em uma conversa de duas horas com Tierry, por telefone, dá para perceber isso. “Meus grandes mestres são Chico Buarque, Brown e Zezé di Camargo”, conta.

A relação dele com a axé music, como compositor, surgiu a partir dessa provocação de Lins. Depois de algumas tentativas, e papeis jogados no lixo, veio a primeira composição de sucesso - "Dançando", gravada por Ivete Sangalo em 2012. Nos anos seguintes, escreveu, em parceria, mais sucessos para Ivete, como O Mundo Vai.

Depois de cinco anos de Fantasmão, e três como compositor de axé, Tierry se afasta do personagem Coringa e migra de mercado - do pagode para uma mistura de arrocha, sertanejo e piseiro (variante mais eletrônica do forró).

Como cantor de pagode, Tierry já tinha experiência com sucessos românticos, como Menina Linda e Amor de Motel. Além disso, tinha sido criado no interior e reconhecia pelos primeiros acordes o nome de uma música de Asas Livres. Era o início da sua aproximação com o sertanejo.

O sertanejo entra no negócio

Em 2017, Tierry chamou atenção do mercado sertanejo com as músicas Casado Namorando Solteiro e Moça no Espelho, regravada por Zé Neto & Cristiano, Xand Avião e Jonas Esticado. 

Dois anos depois, recebeu a proposta de sair de Salvador. Já tinha uma década de carreira, migrado do pagode para investir no piseiro e escrito sucessos nacionais, mas não se sentia valorizado. “Estava procurando pessoas que me valorizassem, e encontrei um pouco longe”. Mais especificamente, em Goiânia, meca do sertanejo brasileiro.

Saiu da Bahia para ser agenciado pela Work Show, empresa que cuida da carreira de ícones do sertanejo, como Maiara e Maraísa.

“Talvez se eu tivesse ficado na Bahia, não teria mudado a vida da minha família. Tinha feito um disco dentro de casa, com Rita, Hackearam, isso estourou. Mas não adianta, você pode fazer o sucesso que for na Bahia, se você não der sua vida, não toca. É uma coisa que a gente acaba descobrindo. Ninguém quer apostar. As pessoas querem só o filho bonito”.

É na gestação de novo ícones que o sertanejo tem apostado, afirma Tierry, diferentemente da Bahia.

" O sertanejo acompanhou o público novo e trouxe novidades. Sei que existe o Zezé [De Camargo], mas sei que tem Ana Castela. Acho que a música da Bahia parou de se renovar a partir do momento que as pessoas, não só os empresários, mas também o público, pararam de transferir a coroa."

fala Tierry

sobre dificuldade de renovação no axé. 

E essa coroa tem que adornar também os compositores, acredita Tierry. "A música precisa do compositor para respirar. Como valorizar o compositor? Chamando ele para perto".

Em Goiânia, ele diz ter sentido essa proximidade. Mal havia desembarcado lá quando foi convidado para um churrasco na casa de um sertanejo famoso. Entre uma carne e um copo de cerveja, cantavam e compunham.

Em Salvador, ele cita dois exemplos que investem nessa proximidade - Ivete Sangalo e Léo Santana. Na última vez em que esteve na casa dele em Praia do Forte, por exemplo, foi convidado por ela, vizinha de condomínio, para compor.

"Mas a Bahia ainda tem grandes compositores do axé que não são valorizados. Vou dar um exemplo. Por que o Tatau é tão maravilhoso, porque ele não é considerado um gênio da Bahia? Por que as pessoas tecem muito mais críticas ao Léo do que levantam [a imagem] dele? Tenho minhas percepções, mas prefiro deixar essa questão. Começar a valorizar o compositor é fundamental. É que nem pé de fruta, você tem que regar."

provoca Tierry

sobre dificuldade de renovação de estrelas musicais baianas. 

Hoje, Tierry nutre um desejo: “Produzir mais artistas da Bahia, quero produzir com eles e para eles. O axé… o axé não é gigantesco à toa. Porque se você tem uma base forte, você vai ter um futuro forte. Não adianta querer futuro se você não fizer filho. O axé precisa fazer filhos novos".

O Correio Folia tem apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador