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Fernanda Santana
Publicado em 4 de fevereiro de 2024 às 05:00
No palco da Concha Acústica do Teatro Castro Alves, Luiz Caldas iniciou o show com um agradecimento: “Sou grato ao trio elétrico, ao WR, onde gravei [o disco] Magia, inaugurando uma nova forma de fazer música, e a cada um de vocês. Axé!”. Saudação religiosa ou gênero musical, era essa última palavrinha que o público queria ouvir. >
Era início da noite de uma sexta-feira, dia 19 de janeiro, e os ingressos para a comemoração dos 61 anos de Luiz estavam esgotados. Considerado o pai do axé music, ele investiu, em três horas de apresentação, nos clássicos da carreira. "O repertório da Bahia é foda", elogiou o músico. >
A maioria do público tinha mais de 40 anos e sabia cantar e dançar junto as canções. Nos intervalos entre músicas, amigos comemoravam a reconexão com o passado musical. Das cinco mil pessoas que foram ao evento naquela noite, 2.951 pagaram meia-entrada, pessoas com mais de 60 anos também têm direito a esse benefício. >
Acompanhadas dos pais, havia algumas crianças. Entre elas, Sofia, de 8 anos, filha de Ana Paula da Hora. "Quero passar isso pra minhas filhas. Tento manter o axé vivo, para mim é o estilo de vida baiano", conta Ana. "Hoje, não acho que os artistas novos produzam axé. O representante mais jovem, para mim, é Saulo”, completa.>
A fala dela reverbera uma pergunta que, próxima do Carnaval, ganha eco: que futuro tem o axé? Durante três semanas, a reportagem repetiu essa questão a 20 pessoas – cantores, compositores, empresários e o público desse mercado. >
Entre as possibilidades, um consenso: todo futuro depende do presente e, hoje, um dos maiores desafios da indústria do axé é criar novas estrelas e conquistar públicos mais jovens fora do calendário do verão e da folia.>
Pesquisas de mercado mensuram o atual momento. No TikTok, rede social de compartilhamento de vídeos que possui um bloco no Carnaval de Salvador desde o ano passado, o termo #axémusic foi utilizado 7,1 milhões de vezes. Já a hashtag #sertanejo, 39,8 bilhões de vezes. >
Em 2023, o rótulo axé foi aplicado a sete das 20 músicas mais tocadas do Brasil. Mas, novamente, apareceu a dificuldade de renovação: só uma, o pagode "Zona de Perigo", de Léo Santana, era nova. O restante era dos anos 90 e 2000.>
Nas plataformas de streaming, as canções tidas como axé perderam espaço para outros gêneros musicais - o sertanejo tem sido apontado como o principal concorrente. Mesmo no estúdio WR, onde Luiz Caldas gravou a primeira música de axé, os artistas desse segmento hoje representam 5% dos clientes, segundo a atual administração. >
contrapõe Ricardo Chaves.
Cantor e músico que foi vocalista Banda Eva entre 1988 e 1992.Em 2013, ele participou do surgimento do Alavontê, que, em 2018, se desmembrou no Mudei de Nome. A ideia do movimento - os integrantes não chamam de banda - era propor uma “viagem na memória afetiva” de quem viveu o surgimento do axé music. A partir do segundo ano de circuito, veio uma surpresa - pessoas mais jovens estavam mais próximas. >
Isso mostrou que a juventude pode querer o axé, só falta redescobrir a fórmula até ela. >
Músico da nova geração de artistas de axé, Brunno Zaia tem uma opinião: “A verdade é que [na Bahia] o velho não abraçou o novo, e vice-versa”. Em 2021, ele e os amigos Migga, João, Raysson se juntaram com a ideia de produzir um novo axé - o axé beat, como eles têm chamado. Era o surgimento da banda Filhos da Bahia. >
Os quatros baianos são filhos, respectivamente, de Carlinhos Brown, Saulo Fernandes, Tonho Matéria e Reinaldinho. Eles saúdam as raízes, mas dizem querer propor algo novo. O beat no lugar do music ao lado de axé vem da inspiração no afrobeat, combinação de sonoridades como jazz e funk. >
Isso não significa, para eles, negar o axé. Ao contrário. >
Bruno Zaia.
Vocalista do grupo.O primeiro trabalho dos Filhos da Bahia, de janeiro do ano passado, tinha cinco músicas - quatro regravações e uma autoral. Apostar em regravações foi uma questão de mercado, defende Zaia. No último dia 26, o grupo lançou clipes autorais. Para ele, é necessário fazer uma auto-avaliação para o futuro. >
Zaia.
da Banda Filhos da Bahia.Na última década, novos produtos do axé surgiram e tentaram assimilar sonoridades que os projetassem nacionalmente. Mas ainda tentam ajustar uma receita para chegar lá.>
Uma deles foi a 8794, banda criada em 2011 pelos herdeiros de Bell Marques - Rafa e Pipo Marques. Depois de cinco anos, os irmãos adotaram os próprios nomes para o grupo - uma lógica de dupla sertaneja.>
O cenário de dificuldades não impediu que o grupo Eva lançasse também uma nova banda - a Didengo. Hunfrey Ataide, um dos sócios, entende os desafios - o principal, chegar aos jovens - mas aposta no talento e versatilidade do líder do grupo, o cantor Biel.>
O lançamento da banda aconteceu em uma ação digital, por questões de agenda, segundo Hunfrey. A primeira e mais bem-sucedida banda do grupo, a Eva, aconteceu em uma festa junina no antigo hotel Othon, em 1992. A vocalista era Ivete Sangalo. >
A apresentação oficial da nova banda no carnaval de Salvador terá a ver, também, com o digital. O grupo será anfitrião do bloco do TikTok e receberá Felipe Pezzoni, É o Tchan e Xand Avião. Para Hunfrey, o acordo com a rede social contribui para divulgar o grupo, já que o bloco gratuito é voltado para influenciadores da plataforma. >
Hunfrey Ataide.
Um dos sócios da Banda Eva.Como os streamings não têm considerado o axé como gênero, as bandas e empresários não tem visto sentido em insistir no rótulo axé. “As bandas, quando surgem, surgem como pop baiano, música baiana”, perfila Hunfrey.>
O empresário retoma uma frase de Nelson Motta para pensar o futuro do axé: “‘Quando o Brasil caminha no movimento alegre, ele caminha para a música da Bahia’. Como vejo hoje uma retomada desse movimento do país”.>
Na última semana, por exemplo, a banda Mel anunciou seu retorno, depois de 28 anos de uma briga judicial de Márcia Short e Robson Morais, antigos vocalistas, pelo nome da marca. “Agora, é reativar a saudade e música boa que tudo renasce”, destacou Márcia durante o relançamento da banda, em evento no Rio Vermelho na quarta-feira (31).>
Uma questão também é essencial quando se pensa no futuro do axé music: se ele é um gênero, mistura de elementos de ritmos afro-brasileiros e latinos, ou um movimento musical iniciado na Bahia, algo como a Tropicália. >
Nesse caso, caberiam bandas como BaianaSystem, que já negou o rótulo de axé.>
Alheio a qualquer divergência, está o consenso de que o axé music é a maior representação do Carnaval de Salvador. E que, se ele existe, é porque Luiz Caldas, em 1985, pavimentou esse caminho, ao lançar a canção Fricote, em 1985. >
Ao lado dele, estava a turma do Acordes Verdes, que reunia artistas como Sarajane e Carlinhos Brown.>
O sucesso de Fricote, seguida de outros lançamentos produzidos no estúdio WR, como Roda, de Sarajane, e Swing da Cor, de Daniela Mercury, projetaram o axé nacionalmente. >
Mas o rótulo “axé music” veio só em 1987. Foi o jornalista baiano Hagamenon Brito quem misturou a palavra iorubá “axé” - saudação que designa "força” - com “music”, para nomear a cena musical da época. >
Em 2024, Luiz Caldas não fala sobre o futuro do mercado do axé. A assessoria dele explicou que Luiz entende “que ele existe e já se consagrou como gênero musical, prescindindo de avaliações constantes”. >
Já Hagamenon arrisca novas previsões para a cena do axé. >
Hagamenon Brito.
Jornalista e crítico musical.Um dos símbolos do axé, Bell Marques completa 72 anos em setembro. Ele tem dito que a aposentadoria não está nos seus planos. >
A dificuldade de renovação, de público e de estrelas, se evidencia também quando Saulo Fernandes, 46, é referenciado como o último representante da elite do axé. Ele não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem. Em entrevistas anteriores, no entanto, ele fez ressalvas à menção. “Já estou velhinho para isso”, brincou, em 2015, ao G1 Bahia. >
Uma pesquisa contratada pelo empresário Fábio Almeida, que há 32 anos trabalha com música baiana e gere a carreira de Brown, sobre o gosto musical dos brasileiros dimensiona o desafio de inovação. O axé era o favorito de 4% dos entrevistados em novembro do ano passado. >
Almeida, que por 12 anos empresariou Ivete, conta que os entrevistados até se recordavam de artistas específicos, mas não do axé em si. Esse resultado reforçou, para ele, a ideia de que o futuro da música baiana ou do axé depende de tirar o passado a limpo e romper com rótulos, seja os de "música baiana" ou "axé". >
Fábio Almeida.
Empresário do ramo musical.O sertanejo pairou sobre todas as entrevistas. Há motivos para isso. O mais próximo é a presença dele no Carnaval de Salvador. Depois das investidas frustradas sobre o negócio dos blocos, iniciadas em 2008, os sertanejos se estabeleceram em camarotes como atrações principais. >
Os forasteiros encontraram um cenário propício. O consumo do axé tinha caído – em 2007, a Ecad cita um "retrocesso comercial do axé" – e os blocos, antes os maiores financiadores dessa cena, estavam também em declínio.>
Até início dos anos 2000, essas agremiações foram importantes financiadoras do axé - papel que, no sertanejo, é do agronegócio.>
Enfraquecidos por mudanças socioeconômicas e na festa, a maioria dos blocos deixou de formar bandas e financiar carreiras.>
A Saltur, órgão da Prefeitura de Salvador que organiza o Carnaval, reconhece a importância dos blocos para o axé e para a folia, e diz manter diálogo com empresários para encontrar um modelo sustentável.>
A chegada dos sertanejos na folia evidencia, também, as estratégias que adotam para a criação de novos públicos e apresentação de novatos do gênero. A principal delas tem sido colocar, na abertura de shows de artistas consagrados, atrações iniciantes para se apresentar. >
Fábio Almeida.
Empresário musical.Entre 2002 e 2021, existiu uma associação dos Produtores do Axé. Depois disso, não houve iniciativas semelhantes. >
“Vejo grandes batalhadores. Posso esquecer nomes, mas existe uma troca. Vejo uma galera [batalhando] por Xênia França, Luedji Luna, pela BaianaSystem, por Rachel Reis. Muitos deles são empresários do Sudeste. Isso deve significar algo”, afirma o empresário Fábio Almeida, um dos nomes à frente do Ubaque, projeto voltado para apresentar nomes da música baiana.>
Quando chegou ao estúdio WR, no início dos anos 2000, o produtor Luis Fernando Apu, presenciou o auge da concorrência entre empresários do ramo. “Pagavam para outros não tocarem”, lembra da época em que 80% dos clientes da WR eram do axé. Hoje, enquanto gênero, ele é “o que menos aparece”.>
Apu.
Produtor musical à frente da WR desde 2016, quando Wesley Rangel, que deu nome ao estúdio, faleceu.O WR, que antes ocupava todo prédio branco de três andares, na Avenida Garibaldi, passou a dividir espaço com 11 estúdios de música e vídeo. Nas paredes do espaço, ainda estão discos de platina de estrelas do axé, concedidos para quem chegava ao topo da cadeia musical. >
O samba-reggae, fusão entre o samba brasileiro, o reggae jamaicano e sonoridades afro-baianas, foi o chão da fábrica do axé, nos anos 80. “Mas houve distanciamento do movimento com o do samba-reggae, não sei se proposital, mas cada artista foi encontrando a sua forma de fazer música”, avalia Tonho Matéria, autor de hinos do axé music como Menina me dá seu amor. >
No distanciamento do axé, o pagode baiano tem fortalecido os elos com as periferias e avançado sobre a música. “O pagode e o samba-reggae são segmentos de comunidades, que sustentam essa estrutura”, compara Tonho.>
O grupo É O Tchan foi a primeira banda desse gênero reconhecida nacionalmente. Nas três décadas seguintes, surgiram dezenas de nomes reconhecidos como Harmonia do Samba, Psirico, Léo Santana, Tony Salles e Igor Kannário.>
Seria possível classificar o pagode baiano em três gerações. Na primeira, a batida importada do samba chula é mais lenta - como em É o Tchan e Harmonia.>
Na segunda, essa batida está mais acelerada (como em Psirico e Léo Santana). E, na última, há uma fusão desses elementos com recursos eletrônicos mais fortes.>
A música dessa geração tem sido chamada de “pagodão”. Nela, a sonoridade é ainda mais rápida, com influências do trap, e os termos e narrativas, inclusive os de conotação sexual, são mais explícitos.>
Márcio Victor, do Psirico, acredita que o pagode falou com “o povo que não era visto nas letras”. Então, veio o retorno do mercado.>
Márcio Victor.
Vocalista do Psirico e músico.O verão de 2010 é simbólico nesse movimento. Um novo hit despontou nas festas pelo Brasil: Rebolation. A música era uma composição do então novato Léo Santana, no Parangolé, e surgiu em um momento de perda do espaço do axé music - enquanto gênero - no Brasil, de acordo com o Ecad.>
projeta Marcelo Brito.
Sócio da Salvador Produções e empresário de sete bandas e artistas.A última vez que ele recebeu no escritório, na Avenida Luís Viana Filho (Paralela), um artista que se vendia como um produto do axé foi há três anos. Mas o encontro não virou negócio. “Entendia que era preciso trazer um investimento muito grande, teria que massificar porque as pessoas não estão ouvindo muito [o axé], e o investimento seria dobrado. Aí não rolou”, defende. >
Para Marcelo, o empresário, “atualizar elementos musicais é necessário” para pensar um futuro da cena do axé. O nome de Ivete surge de novo. >
Ela e Léo, que não respondeu à reportagem, são os únicos baianos que, hoje, atingem nos streamings e redes sociais marcas semelhantes às do sertanejo, funk e trap. O nome da cantora apareceu em 1,4 bilhão hashtags utilizadas no TikTok, o de Léo, 3,3 bilhões. >
avalia Marcelo Brito.
Empresário de Léo Santana.Ele destaca a aposta de Ivete para o Carnaval deste ano - Macetando, parceria com Ludmilla. A canção está entre as 20 mais tocadas do Brasil, no ranking do Spotify.>
Nos últimos dois carnavais, as letras das apostas de Ivete para o Carnaval já tinham palavras e narrativas comuns no pagode, funk e piseiro, como “sentar”. Antes, “trio elétrico” e locais como “Farol da Barra” eram as palavras obrigatórias.>
A duas semanas do Carnaval, Ivete Sangalo respondeu, por email, a perguntas da reportagem [leia aqui a entrevista completa]. Ela reconhece o espaço crescente do pagode no mercado que a consagrou:>
afirma Ivete Sangalo.
Cantora acredita que influências do pagode serão cada vez maiores.Essa aproximação musical recuperou uma lógica antiga do próprio axé - as dancinhas, agora pensadas para o TikTok.>
Em 2021, Felipe Escandurras saiu de uma reunião de compositores em uma gravadora, em São Paulo, com uma recomendação: “Que ficássemos atentos, porque o TikTok ia roubar a cena da produção”.>
“Eles estavam certos. Muitas vezes, os compositores se juntam e já pensam nas palavras que podem levar a dancinhas, como coração, ladinho. Eu tento não pensar tanto, porque gosto de fazer música com história. Mas não posso ignorar”, diz, com uma projeção positiva para a Bahia: “Como aqui, a gente já pensava em dancinha, acho que podemos sair na frente”.>
Movimento oportuno ou transformação natural da indústria, essa aproximação entre pagode e axé divide opiniões. “Sou mais dos cantores das antigas. As danças e insinuações não me interessam”, diz Silvana Carvalho, 50.>
Já a advogada Carol Nascimento, 29, gosta de pagode, e considera um “processo natural” as influências dele. “Mas gostaria que não houvesse sobreposição ao axé”.>
Para Armando Castro, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que estuda cadeia produtiva da música, essas discussões devem partir de um ponto: “nenhum gênero é perene”.>
reflete Castro.
Pesquisador também é músico e foi produtor e gestor de produtoras até 2011.O próprio sertanejo, durante a pandemia, perdeu espaço para a pisadinha e o funk em 2020, mais adaptados à lógica do consumo digital. Com os shows proibidos, os sertanejos deixaram de ser os mais ouvidos no YouTube, segundo a plataforma. Em seguida, retomaram a liderança. >
O pesquisador Armando acredita que a indústria musical superou os rótulos. “Eles eram pensados pela indústria para vender vinis e cd’s. Mas essa discussão hoje é secundária”. Para ele, tudo bem que sonoridades e artistas cheguem e se misturem: “O axé tem chance de permanecer nesse imaginário sem nunca deixar de ser realidade”.>
Os olhos do Centro-Oeste brasileiro, onde se concentra a produção do sertanejo, estão sobre Salvador. Daqui saiu uma geração de compositores baianos que fomenta a cena local, mas tem abastecido cada vez mais o estoque de hits desse mercado. >
Um deles é Tierre Paixão, 34 anos, o Tierry. Nova estrela da indústria musical, compôs tantos sucessos que é apelidado de Tiehit - é dele, por exemplo, Hackearam-me e Rita. Em 2012, ele começou a compor para o axé. >
Já era vocalista da banda de pagode Fantasmão, e estourou, em parceria, a primeira canção na voz de Ivete Sangalo, Dançando. Depois, viriam dezenas, para a própria Ivete, Claudia Leitte, Léo Santana e Bell Marques.>
Em 2019, no entanto, Tierry decidiu se mudar de Salvador, incentivado por artistas como Marília Mendonça, falecida em 2021. Ele já tinha uma década de carreira, estava fora do pagodão para investir no sertanejo e acumulava composições de sucesso, mas não se sentia valorizado. “Estava procurando pessoas que me valorizassem, e encontrei longe”. Mais especificamente, em Goiânia, meca do sertanejo.>
Saiu da Bahia para ser agenciado pela Work Show, empresa que cuida da carreira de ícones do sertanejo, como Maiara e Maraísa. >
opina Tierry.
Cantor e compositor já escreveu mais de 600 músicas.É na gestação de novo ícones que o sertanejo tem apostado, afirma Tierry, diferentemente da Bahia. “Sei que existe o Zezé [De Camargo], mas sei que tem Ana Castela. Acho que a música da Bahia parou de transferir a coroa”. E essa coroa tem que adornar também os compositores, acredita Tierry. “Como valorizar o compositor? Chamando ele para perto”.>
Em Goiânia, ele diz ter sentido essa proximidade. Mal havia desembarcado lá quando foi convidado para um churrasco na casa de Jorge (da dupla com Matheus). Entre uma carne e um copo de cerveja, cantavam e compunham.>
“Mas a Bahia ainda tem grandes compositores do axé que não são valorizados. Vou dar um exemplo. Por que Tatau é tão maravilhoso e não é considerado um gênio? Tenho percepções, mas prefiro deixar essa questão”, provoca.>
A geração à qual Tierry pertence inclui nomes como de Bruno Caliman, Flavinho e Felipe Escandurras. Todos eles compõem mais para o mercado sertanejo que o da Bahia.>
Desde 2014, Escandurras se aproximou do sertanejo – já escreveu para nomes como Luan Santana e Gusttavo Lima. Na Bahia, tem parcerias com Ivete Sangalo e Márcio. “Com hits de compositores, como de Tierry, produtores [do sertanejo] que só olhavam para o Sul, nos deram oportunidade. Emplacamos, graças a Deus”, conta Escandurras, que chegou a morar em Goiânia em 2014.>
Ele diz ter razões para agradecer. “Primeiro, financeiramente. Esses artistas sertanejos dominam o ano todo, fazem investimentos pesados em rádio, shows, divulgação. Eles não só chegam no verão, visando algo para o Carnaval. Como o compositor depende dos direitos autorais, faz muita diferença”.>
Compositores experientes defendem mais valorização aos que estão por trás dos hits. Tonho Matéria, autor de hinos do axé, teme que se isso não acontecer, o axé perca mais espaço.>
Tonho Matéria.
Cantor e Compositor.Em 2016, Tonho se juntou a um grupo de compositores, como Jorge Zárath e Tenison Del Rey, para “pensar na manutenção da música da Bahia”. “O que estamos fazendo é pegar elementos novos. Para o futuro, eu apostaria nisso. Mas a música, se ela não for cuidada, pode terminar se perdendo. O axé deveria ser tombado para virar patrimônio”, sugere Tonho.>
Em setembro de 2023, um projeto de reconhecimento do axé como patrimônio imaterial da Bahia, feito pelo vereador André Fraga (PV), aguarda na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Salvador.>
Sob anonimato, um compositor, que trabalha na indústria do axé desde os anos 80, falou que para pensar o futuro é preciso refletir sobre o racismo, não só um tombamento.>
Os rostos mais reconhecidos do mercado do axé music são brancos, ainda que as bases do axé tenham sido formadas por artistas negros, como os percussionistas e compositores.>
Carlinhos Brown, por exemplo, é um dos alicerces da música baiana desde os anos 80. Não só participou das primeiras investidas do axé, como ajudou a projetá-lo na mídia nacional. Ele não concedeu entrevista.>
“Artistas negros foram feitos de coadjuvantes. O cantor branco é mais valorizado cantando a música do preto do que o preto cantando a sua própria música”, diz um compositor que pede anonimato por receio de perder trabalhos. Ele reflete: “Precisamos também pensar no embranquecimento da música para pensar no futuro do axé”.>
O Correio Folia tem apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador.>