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Jornal O Povo
Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 13:25
É enganoso o vídeo que intercala denúncias da senadora Damares Alves (Republicanos) sobre exploração e abuso infantil na Ilha de Marajó, no Pará, com imagens de policiais retirando crianças de dentro de um carro.
A combinação das duas gravações leva a crer que o segundo vídeo se refere ao resgate das vítimas, ou seja, a “prova” dos crimes que supostamente ocorrem na ilha paraense. A disseminação se deu no Instagram, em um perfil que se diz dedicado "ao despertar".
A segunda filmagem retrata o Uzbequistão. Não se trata de resgate de vítimas de exploração sexual ou tráfico humano. A motorista é dona de escola infantil onde a criançass estudam e foi flagrada por agentes de trânsito do país fazendo transporte de modo irregular. As imagens foram divulgadas em um site do governo do Uzbequistão, conforme investigou o Estadão.
Essa pauta de "combate à exploração sexual infantil no Marajó" é atrelada especialmente à ex-ministra de Jair Bolsonaro (PL). Em 2021, ela propôs o projeto “Abrace o Marajó”, que destinava verbas ao tópico e, apesar de constar como “executado”, nunca saiu do papel.
As denúncias voltaram ao debate após a cantora paraense Aymeê Rocha, ter apresentado, em um reality show de música gospel, uma canção autoral que denuncia a exploração sexual de crianças na Ilha. Depois disso, o nome de Damares logo foi apresentado como o de uma grande defensora da comunidade, recebendo o apoio de artistas como o cantor Zezé DiCamargo e o produtor musical Felipe Duram.
O Governo Federal e a organização não governamental, Observatório do Marajó negaram as denúncias.
A disseminação de dezenas de vídeos da mesma natureza levou ao pronunciamento oficial do Governo Federal, nesta quinta-feira (22). Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania enfatizou o “compromisso em não associar imagens de vulnerabilidade socioeconômica ou do próprio modo de vida das populações do Marajó, em especial crianças e adolescentes, ao contexto de exploração sexual”.
“A realidade de exploração sexual na região sabe-se preocupante e histórica, mas não autoriza sua utilização de forma irresponsável e descontextualizada. Isso apenas serve ao estigma das populações e ao agravamento de riscos sociais”, diz o texto.
E completa: “As vivências das populações tradicionais do Marajó não podem ser reduzidas à exploração sexual, já que é uma população diversa, potente em termos socioambientais e que necessita sobretudo de políticas públicas estruturantes e eficientes, com a inversão da lógica assistencialista e alienante de sua realidade e modos de vida”.
A pasta ainda citou programas governamentais na região, dentre eles o “Cidadania Marajó”, de maio de 2023, voltado ao enfrentamento de situações de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e á promoção de direitos humanos e a garantia de acesso a políticas públicas.
A situação também levou ao pronunciamento da organização não governamental, Observatório do Marajó, publicado nas redes sociais e intitulado: “Não acredite em tudo o que vês na internet”.
O texto é incisivo, nega as denúncias e cita diretamente Damares Alves, alegando que enquanto ministra, ela “não destinou os recursos milionários que por diversas vezes prometeu para a região, para fortalecer comunidades escolares”.“Ao invés disso, atentou contra a honra da população diversas vezes, espalhando mentiras, e abriu tais políticas públicas para grupos privados de São Paulo que defendem a privatização da educação pública”, diz a nota.
Segundo a ONG, a propaganda que associa o Marajó à exploração e o abuso sexual não é verdadeira. “A população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara”.
“Muito precisa ser feito para garantir dignidade às crianças marajoaras e brasileiras em todos os estados. Em todos os níveis, e de sul a norte do país, precisamos de políticas públicas baseadas em evidências, boas práticas, saberes tradicionais, valores do bem viver - não mentiras, distorções, manipulações, pânico moral, racismo, nem de qualquer outra forma de violência”, expõe, a ONG.