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Carol Neves
Publicado em 15 de abril de 2025 às 08:06
O Supremo Tribunal Federal se prepara para um dos julgamentos mais significativos dos últimos anos sobre relações trabalhistas, que definirá os parâmetros legais da chamada "pejotização" - modelo de contratação onde profissionais atuam como pessoa jurídica (PJ) em vez de ter vínculo empregatício tradicional. A decisão, com efeito vinculante para todos os tribunais do país, ganhou caráter de urgência após a suspensão nacional de mais de 50 mil processos trabalhistas determinada pelo ministro Gilmar Mendes.>
No cerne da controvérsia está um caso emblemático envolvendo um corretor de seguros da Prudential que alega ter trabalhado por anos sob condições típicas de emprego, mas registrado como PJ. O julgamento deverá esclarecer questões fundamentais: desde a competência da Justiça do Trabalho para julgar tais casos até os critérios que distinguem um contrato comercial legítimo de uma relação de trabalho disfarçada. Particularmente sensível é a discussão sobre quem deve provar eventual fraude - se o trabalhador precisa demonstrar que foi forçado ao regime PJ ou se a empresa deve comprovar a licitude do acordo. >
O ministro Gilmar Mendes ressaltou em seu despacho que a análise transcenderá em muito o caso específico de franquias, abrangendo todas as modalidades de contratação civil e comercial no país. O contexto histórico remonta à Reforma Trabalhista de 2017, que eliminou a distinção entre atividade-fim e atividade-meio nas terceirizações. >
Nos anos seguintes, o STF vem construindo jurisprudência progressivamente mais favorável aos modelos flexíveis, com marcos importantes em 2018 (quando validou a terceirização ampla) e 2022 (ao reconhecer a legalidade da pejotização em caso envolvendo médicos de um hospital de Salvador). >
Os números revelam a dimensão do fenômeno: apenas entre janeiro e fevereiro de 2025, foram abertos 53.678 novos processos sobre reconhecimento de vínculo empregatício, continuando uma tendência de crescimento que totalizou impressionantes 285.055 casos em 2024, apontam dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) divulgados por O Globo. Esse aumento exponencial reflete a expansão acelerada da pejotização no mercado brasileiro, atingindo igualmente profissionais liberais altamente qualificados (como médicos, engenheiros e advogados) e trabalhadores menos especializados (como operadores de telemarketing e entregadores por aplicativo). >
Economistas apontam que a decisão do STF ocorre em momento crucial, quando cerca de 30% da força de trabalho brasileira já atua sob algum regime de contratação alternativa. A sentença final deverá estabelecer parâmetros claros sobre: a validade dos contratos PJ frente à CLT; os critérios objetivos para identificar relações trabalhistas disfarçadas; e especialmente - e mais polêmico - se as novas regras valerão apenas para contratos futuros ou se terão efeito retroativo, podendo reabrir casos já julgados. >
Enquanto aguardam o desfecho - o processo deve ser demorado, possivelmente só concluído em 2026 -, milhares de processos permanecem congelados em todo o território nacional. Essa moratória judicial gera dupla insegurança: para trabalhadores que veem adiada a possibilidade de pleitear direitos, e para empresas que operam em um limbo jurídico quanto à validade de seus modelos de contratação. O julgamento promete redefinir não apenas relações trabalhistas individuais, mas todo o equilíbrio entre flexibilidade empresarial e proteção ao trabalhador na economia brasileira contemporânea.>