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Pilotos do avião da Voepass relataram falha no sistema antigelo, mostra relatório do Cenipa

FAB se manifestou nesta sexta-feira sobre investigação do caso que deixou 62 pessoas mortas no interior de São Paulo

  • Foto do(a) author(a) Estadão
  • Estadão

Publicado em 6 de setembro de 2024 às 20:25

Avião caiu em Vinhedo, interior de SP
Avião caiu em Vinhedo, interior de SP Crédito: Reprodução/TV Globo

O relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB), apontou que o ATR-72 da Voepass, que caiu em 9 de agosto em Vinhedo, no interior de São Paulo, perdeu o controle durante o voo em condições de gelo severo. O sistema de gravação de voz registrou um dos tripulantes apontando falha no dispositivo que retira a camada de gelo formada nas asas da aeronave.

Essa falha, contudo, não foi encontrada no mecanismo que registra os dados do voo, segundo o chefe do Cenipa, brigadeiro do ar Marcelo Moreno. “Até o momento, temos uma fala em que um dos tripulantes indica que tem uma falha no sistema ‘de-icing’, mas essa informação não foi confirmada no gravador de dados. Isso será matéria de análise futura”, afirmou, em entrevista coletiva.

A formação de gelo nas asas desse modelo não é considerada incomum, dependendo das condições meteorológicas, e a aeronave possui mecanismos de detecção e acionamento para retirada da camada. A permanência de gelo pode afetar o controle do avião e a sua sustentação.

A investigação preliminar apontou que o comandante da aeronave comentou haver uma possível falha no sistema de degelo ainda durante o procedimento de subida. Em seguida, já durante o voo em posição nivelada, o copiloto comentou “bastante gelo”. Os comentários foram registrados pelo mecanismo que grava as conversas da cabine do avião, um dos dispositivos da chamada “caixa-preta”.

“Durante a subida ainda, o comandante comenta, através do (registrado) no CVR (Cockpit Voice Recorder, gravador de voz do cockpit), que existia ali uma possível falha no sistema de degelo. Já (com a aeronave nivelada), o copiloto comenta ‘bastante gelo’. Foram esses os dois comentários sobre gelo e a falha de sistema”, disse o investigador encarregado, o tenente-coronel aviador Paulo Mendes Fróes.

O botão que aciona o sistema de degelo das asas foi acionado três vezes pela tripulação. Contudo, técnicos afirmam que não é possível dizer até o momento se o mecanismo foi desligado por piloto ou copiloto, ou se foi uma falha do sistema da aeronave. O acionamento ocorreu após alertas automáticos da aeronave, que detectaram velocidade reduzida e performance afetada como efeito do gelo nas asas.

O gelo nas asas de aeronaves como o ATR-72 pode afetar a sustentação, como especialistas haviam cogitado anteriormente, fazendo com que o avião perca controle e altitude, o que aconteceu no caso do voo da Voepass.

O órgão da FAB destacou ainda que a tripulação não declarou emergência às autoridades durante o problema, que se agravou em um curto intervalo de tempo antes do avião entrar em estol (stall em inglês).

A investigação preliminar aponta que a aeronave tinha condições de voo na situação de “gelo severo” que era amplamente conhecida no dia do acidente e que piloto e copiloto possuíam o treinamento necessário para voar em condições como aquela. Além disso, segundo o Cenipa, a aeronave estava com os procedimentos necessários de manutenção em dia.

O oficial da Aeronáutica responsável pela apuração, o tenente-coronel Paulo Mendes Fróes, começou a apresentação detalhando informações sobre a aeronave e o plano de voo. Detalhou ainda o trajeto feito pela aeronave de Cascavel até a queda em Vinhedo (veja mais abaixo) e, na sequência, elencou a sequência de medidas adotada pela FAB assim que houve a comunicação da ocorrência.

“Era previsto gelo severo na rota e previsão de formação de gelo entre 12 mil pés e 21 mil pés. Essas informações meteorológicas estavam disponíveis via internet”, disse Fróes. O investigador detalhou os mecanismos de proteção contra gelo na aeronave.

A aeronave completou cinco voltas antes da queda no solo, em um condomínio residencial em Vinhedo, segundo o que foi apontado pelos dados das caixas-pretas. A investigação exibiu um vídeo que simulou as condições nos minutos finais do trajeto a partir dos dados recuperados.

Como foi o trajeto e a comunicação até a queda

11h58 - decola de Cascavel (PR) para Guarulhos (PR), com 18 minutos de atraso.

12h21 - chega ao nivelamento previsto, de 17 mil pés, equivalente a 5.181 metros).

13h05 - primeira chamada ao Controle de Aproximação de São Paulo, procedimento necessário para a entrada no espaço aéreo da área onde será o pouso.

13h18 - aeronave reporta ao Controle que está no ponto ideal de descida. E controle instrui a manter os 17 mil pés.

13h19 - controle solicita que aeronave mantenha 17 mil pés devido ao tráfego, com outra aeronaves nas proximidades.

13h20 - controle autoriza aeronave a voar direto para a posição e a fazer uma curva mantendo os 17 mil pés. E informou que descida seria autorizada em 2 minutos.

13h21 - aeronave entra em altitude anormal de voo. Não houve declaração de emergência.

13h22 - aeronave cai em uma área residencial, em Vinhedo (SP).

Aeronave viajava de Cascavel a Guarulhos

O avião, de matrícula PS-VPB, caiu no interior de São Paulo durante o trajeto que fazia de Cascavel, no Paraná, até Guarulhos. Os peritos do Cenipa trabalham para descobrir as causas da queda desde o dia do acidente. De lá pra cá, passos importantes foram dados para a construção do relatório que, como afirma a FAB, não tem o objetivo de apontar culpados ou responsabilizar pessoas, mas de investigar o caso tecnicamente de modo a prevenir novas ocorrências semelhantes.

Caixa-preta foi recuperada

Entre os avanços na investigação está a recuperação intacta das caixas-pretas (que são os gravadores de voz da cabine) e do gravador de dados do voo (Flight Data Recorder). Segundo o Cenipa já havia divulgado anteriormente, os dispositivos, feitos para resistirem aos acidentes, conseguiram gravar com sucesso as conversas entre pilotos, tripulação e torre de controle, além de dados como velocidade do avião, altitude do voo e condições climáticas.

Nesta fase de Análise de Dados também são examinadas atividades relacionadas ao voo, o ambiente operacional e os fatores humanos atrelados ao caso, bem como é feito um estudo sobre os componentes, equipamentos, sistemas e infraestrutura da aeronave.

O relatório final, que vai apresentar as conclusões das investigações, não tem uma data definida para ser apresentado e pode demorar mais um de ano. A Força Área Brasileira diz que pretende terminar as apurações dentro “do menor prazo possível”, mas respeitando a complexidade do caso. “Quando concluído, o Relatório Final será publicado no site do Cenipa”, diz a FAB.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a principal hipótese tratada incialmente para a causa do acidente vinha sendo o acúmulo de gelo nas asas do ATR da Voepass, que poderia ter provocado a perda da estabilidade da aeronave, o chamado estol, e causado a queda do avião em giro vertical, movimento conhecido na aeronáutica como “parafuso-chato”.

No dia do desastre, o sistema oficial da Rede de Meteorologia da Aeronáutica (Redemet) havia alertado sobre a possibilidade de formação de gelo severa. O alerta não impede o avião de decolar, pois as aeronaves têm um sistema que impede a formação de gelo. As investigações devem mostrar se o sistema do avião em questão estava funcionando como deveria.

O ATR-72 é um turboélice comercial de médio porte com 14 anos de uso. A aeronave é conhecida no mercado por ser confiável, segura e tecnológica, e conforme a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Voepass, o PS-VPB estava com a manutenção em dia.

O meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas, chegou a analisar dados do voo e imagens de satélites e radar das condições de tempo do local e reconstituiu, minuto a minuto, todo o trajeto feito pelo avião.

A partir da análise das imagens, foi possível verificar, de acordo com Barbosa, que a aeronave saiu rapidamente de uma área sem nuvens para outra com formação de gelo e, em seguida, enfrentou mais uma área adversa com água supercongelada.

“A análise permitiu identificar que a aeronave enfrentou uma zona meteorológica crítica, por quase 10 minutos, entre 13h10 e 13h19. Nesse período, a aeronave reduziu a velocidade e atravessou nuvens supercongeladas de até 40 graus negativos”, diz o professor.

Porém, os mesmos especialistas alertam que um acidente aéreo não acontece apenas por um único fator, e que as condições climáticas podem não ter sido as únicas responsáveis pela tragédia. As investigações podem apontar, por exemplo, outras possíveis causas, como falhas em mecanismos de derretimento do gelo, do sistema de navegação da aeronave ou até de manutenção do ATR 72.