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O que está em jogo com a proposta de fim da jornada 6x1 para empresários e trabalhadores?

Proposta recebeu 194 assinaturas e vai tramitar no Congresso Nacional

  • Foto do(a) author(a) Millena Marques
  • Millena Marques

Publicado em 14 de novembro de 2024 às 05:50

Erika Hilton
Erika Hilton, autora da PEC Crédito: Câmara dos Deputados

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê o fim da escala de trabalho 6x1 (seis dias trabalhados para um de folga na semana) ultrapassou o número de assinaturas exigidas para tramitar no Congresso Nacional nesta quarta-feira (13). Embora o projeto tenha ganhado fôlego nas redes sociais nos últimos dias, a maioria das pessoas ainda não sabe do que realmente se trata e quais serão os impactos, sejam eles positivos ou negativos.

De autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), o texto busca um equilíbrio entre vida profissional e pessoal dos trabalhadores, que defendem a matéria. Por outro lado, o setor empresarial teme o risco de funcionamento das áreas do comércio. Antes de apresentar as opiniões dos principais envolvidos na discussão, é importante entender a jornada de trabalho da escala 6x1 e o que diz a PEC.

A jornada em questão foi instituída em 1943 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e endossada pela Constituição de 1988. Ela pode ser feita de segunda a sábado, período mais comum, mas também é cumprida de outras formas, a exemplo de estabelecimentos que funcionam durante todo o final de semana e garantem três folgas no mês e um domingo de descanso. Ao todo, são 44 horas semanais.

A proposta, apresentada ao Congresso em maio e desenvolvida pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), representado por Erika e fundado por Rick Azevedo, tiktoker e vereador eleito pelo PSOL no Rio de Janeiro em 2024, prevê uma mudança do artigo 7º da Constituição. Nesse caso, a jornada de trabalho deixaria de ter 44 horas semanais para 36 horas. Isso resultaria, então, em uma jornada de 4x3 (trabalhar oito horas diárias em quatro dias e folgar em três).

Essa mudança é o sonho da estudante Verena*, de 22 anos, que trabalha em uma famosa rede de hotelaria em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). “Enxergo um futuro melhor para nós CLTs, com mais tempo para amigos e familiares. Possibilidade de melhorar o currículo fazendo cursos e aprimorando os conhecimentos”, disse ao CORREIO.

No setor administrativo da rede há dois anos, Verena explicou que folga, no mês, em apenas dois domingos, escolhidos pela empresa, e em duas quartas. Com uma carga horária diária de 7 horas e 20 minutos, os dias de descanso geralmente são utilizados para resolver problemas. “É uma escala muito puxada. Nos dias de folga, eu acabo indo ao médico, visitando algum parente, acaba que não descanso. É sempre um dia de compromisso”, relatou.

Por outro lado, setores comerciais têm criticado a proposta. Na última terça-feira (12), a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) avaliou que essa mudança "traz potenciais impactos negativos para consumidores, sociedade e empreendedores do setor de alimentação fora do lar". A entidade projetou, inclusive, um encarecimento de preços no setor caso a PEC seja aprovada.

"É uma proposta estapafúrdia e que não reflete a realidade. As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores”, disse o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci.

O encarecimento dos preços no setor seria, segundo a Abrasel, resultado dos custos operacionais das empresas. A entidade ainda estima uma alta de 15% nos preços dos cardápios e diz que cerca de 95% do setor é atualmente formado por microempresas, que seriam obrigadas a reduzir o horário de funcionamento.

Presidente do Sindicato de Lojistas do Comércio da Bahia (Sindilojas-BA), Paulo Motta, considerou “grave e irresponsável” a proposta. Segundo ele, reduzir a carga horária dos trabalhadores no Brasil “é gerar desemprego, é gerar encerramento de atividades econômicas, não só no comércio, como no turismo, como na indústria”, disse.

Procurado, o Ministério do trabalho e Emprego (MTE) afirmou, em nota oficial, que tem acompanhado o debate acerca da proposta. “O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 40 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva”, disse em trecho do comunicado.

O que dizem especialistas

O advogado Diogo Oliveira, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Oliveira e Rodrigues Advogados Associados, afirmou que uma escala 4x3 pode impactar positivamente “a saúde mental e física dos trabalhadores, aumentando o tempo de descanso e lazer”. Por outro lado, a PEC apresentaria desafios para os empresários.

“Pode significar a necessidade de reorganizar turnos e equipes, o que pode ser desafiador em setores onde a presença contínua do trabalhador é necessária”, disse Oliveira. No âmbito econômico, a escala 4x3 "pode estimular uma redistribuição mais equilibrada de empregos, mas deve ser cuidadosamente regulamentada para evitar desigualdades e garantir produtividade”, complementou.

Para o economista e vice-presidente do Conselho Regional da Economia da Bahia (Corecon-BA), a discussão em torno da PEC deve priorizar especialmente a qualidade de vida das pessoas. “Não é hora de pensar em algo que vai trazer malefícios para o setor produtivo e só vai beneficiar o trabalhador ou a trabalhadora. Isso está longe de acontecer, mas são essas pequenas conquistas que vão mostrando novo horizonte”, disse o especialista.

*Nome fictício 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro