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Estadão
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 às 21:57
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse nesta quarta-feira, dia 21, que o Brasil não aceita o uso da força militar como forma de solucionar conflitos entre países e não é do interesse do País viver num mundo fraturado. No discurso de abertura dos debates da reunião de chanceleres do G20 no Rio, o chefe do Itamaraty também rejeitou a busca de "hegemonias antigas ou novas", em uma referência velada às tensões crescentes entre Estados Unidos e potências europeias com Rússia e China.
No pronunciamento, o ministro voltou a criticar a paralisia do Conselho de Segurança das Nações Unidas para impedir mortes de civis nas guerras em Gaza e na Ucrânia, que chamou de inaceitável. O Brasil advoga em favor de uma reforma do órgão e almeja ocupar um assento permanente.
"O Brasil não aceita um mundo em que as diferenças são resolvidas pelo uso da força militar. Uma parcela muito significativa do mundo fez uma opção pela paz e não aceita ser envolvida em conflitos impulsionados por nações estrangeiras. O Brasil rejeita a busca de hegemonias, antigas ou novas. Não é do nosso interesse viver em um mundo fraturado", afirmou o chanceler.
Em mais um sinal de que o Brasil pretende se colocar como líder de um Sul Global, como são chamados os países emergentes e pobres da América Latina, Ásia e África, Vieira indicou um antagonismo em relação às potências tradicionais ao lembrar que existem zonas de paz no Hemisfério Sul, enquanto no Norte os países mais desenvolvidos se reúnem em torno da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
"Os casos bem-sucedidos de cooperação pacífica da América Latina, África, Sudeste Asiático e Oceania fazem com que as vozes dessas regiões devam ser ouvidas nos foros relevantes com especial cuidado e atenção", disse.
Foco em conflitos atuais
O ministro propôs que a reunião de chanceleres seja concentrada no debate sobre as guerras e a reforma da governança global, sobretudo das instituições geopolíticas e financeiras, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e Fundo Monetário Internacional.
"Não podemos ignorar o fato de que a governança global precisa de profunda reformulação. Nossas diferenças devem ser resolvidas ao amparo do multilateralismo e das Nações Unidas, utilizando como métodos o diálogo e a cooperação, e nunca por meio de conflitos armados", argumentou Vieira.
Segundo ele, o G20 passou a abordar questões de paz e segurança, fora do escopo inicial, por causa da paralisia nas Nações Unidas e pode agora contribuir para reduzir tensões.
O grupo, originalmente dedicado a questões econômicas e financeiras, converteu-se, sempre segundo a avaliação de Vieira, no fórum internacional mais importante da atualidade. "É no G20 que países com visões oposta ainda conseguem se sentar à mesa e ter conversas produtivas sem necessariamente carregar o peso de posições arraigadas e rígidas que tem impedido os avanços em outros foros, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas", disse.
A diferença, no entanto, é que decisões do Conselho de Segurança são vinculativas, e cinco potências detêm poder de veto. No G20, existe apenas um debate de ideias e compromissos políticos.
Gaza e Ucrânia
Vieira esquivou-se de expor novamente os posicionamentos oficiais do governo brasileiro sobre a guerra na Faixa de Gaza e na Ucrânia, mas disse que o Brasil ocupa um lugar no mundo que permite discutir as tensões em qualquer foro internacional.
Desde que voltou ao Planalto para um terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tentado se tornar protagonista nas discussões sobre os conflitos em Gaza e na Ucrânia, muitas vezes provocando polêmicas com declarações de improviso e alinhadas mais à aliança sino-russa que a europeus e americanos.
Essas declarações foram mal recebidas nas principais democracias do mundo, sobretudo a mais recente delas, quando Lula comparou a campanha militar israelense contra terroristas do Hamas ao Holocausto. No ano passado, o petista sugeriu uma equivalência de responsabilidades entre russos e ucranianos.
Iniciativa contra a fome
Apesar do foco na geopolítica e nas controvérsias internacionais, Mauro Vieira fez um apelo no início do discurso. Ele pediu que todos os membros do G20, países convidados e organizações internacionais mobilizem recursos para destinar ao combate à fome e à pobreza.
O Brasil lançou uma aliança global como força-tarefa, mas não se falou em valores como meta. O chanceler brasileiro propôs que o grupo anuncie na Cúpula de Líderes, a ser realizada em novembro no Rio, uma contribuição efetiva para erradicar a fome no mundo
O ministro comparou os mais de US$ 2 trilhões em gastos militares globais por ano aos investimentos em assistência ao desenvolvimento, segundo ele estagnado US$ 60 bilhões por ano - menos de 3% dos gastos militares - e aos desembolsos para combater mudanças climáticas, que "mal conseguem alcançar os compromissos de US$ 100 bilhões por ano, portanto menos de 5% dos gastos militares".
O ministro defendeu que, em 2024, os países combatam a fome e a pobreza, as mudanças climáticas e busquem a prosperidade de todos. "Essas são as guerras que devemos travar em 2024", pediu Vieira.