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Líder dos Tupinambá de Olivença, no litoral da Bahia, falou sobre reencontro com artefato sagrado
Da Redação
Agência Brasil
Publicado em 12 de setembro de 2024 às 18:30
Enfim, o tão esperado reencontro. Foram séculos de uma separação imposta por forças colonizadoras, que conquistaram, mataram e roubaram parte fundamental da existência tupinambá. Nos últimos três dias, representantes dos indígenas puderam celebrar e se reconectar, de forma reservada no Museu Nacional, com um dos principais símbolos dessa ancestralidade.
Nos dois primeiros dias da celebração, rituais exclusivos dos tupinambás foram realizados no museu nacional. E no terceiro dia, nesta quinta-feira (12), o evento final de recepção do manto sagrado tupinambá selou esse retorno.
O manto é uma vestimenta de 1,80 metro de altura, confeccionada com penas vermelhas de guará sobre uma base de fibra natural e foi levado ao Museu Nacional da Dinamarca (Nationalmuseet) há mais de três séculos, em 1689. Provavelmente foi produzido quase um século antes.
Funcionários do museu dinamarquês criticaram a devolução, como registrou o jornal Berlingske, em informação divulgada pela revista Piauí. Na reportagem, uma fonte anônima chamou de "depenação" do patrimônio cultural dinamarquês e afirmou que a saída do manto tupinambá do país ameaçava a “ideia do que é um museu”.
O mesmo jornal também publicou um artigo de uma pastora ironizando as crenças dos tupinambás sobre o manto. O título do texto assinado por Kathrine Lilleør dizia: “Não dá para falar com uma capa feita de penas, mesmo que você seja um índio brasileiro. Nosso ministro da Cultura foi ingênuo”.
Para os tupinambás, o manto é um ancestral que se comunica com seu povo. E quem se veste com ele, se transmuta em pássaro. “Essa peça tem uma espiritualidade viva. É um ancestral que se mantém vivo até os dias de hoje e consegue se comunicar”, explicou a antropóloga Glicéria Tupinambá, em entrevista ao G1.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, a líder dos Tupinambá de Olivença, no litoral da Bahia, cacica Jamopoty, trouxe detalhes do reencontro com o manto sagrado.
"Primeiro, fui eu com minhas irmãs. Por ser também a primeira cacica do povo tupinambá, tive esse momento com o manto. Foi muito emocionante. Mostrou uma força, que eu imagino ter vindo por meio das memórias de outros parentes e ancestrais. Algo extraordinário, que trouxe união, força e pertencimento de um povo que era silenciado e considerado extinto. Para muitos livros, nós sequer existíamos", disse Jamopoty.
Desde a chegada do manto ao Brasil, no início de julho desse ano, houve críticas dos indígenas à forma como o artefato foi recebido. Eles desejavam participar ativamente da recepção nos primeiros dias. Mas, segundo a cacica, essas questões ficaram no passado.
"Num primeiro momento, foi muito difícil, mas hoje tudo isso foi superado. O manto está nos reencontrando e reencontrando as autoridades que podem tomar conta dele para nós, preservar mais e cuidar com muito carinho, porque ele é um ente vivo. É um ancião, que tem uma força e veio buscar o seu povo para levar até ele. E nós abrimos as portas não só para os Tupinambá, mas para outros povos também. E nós todos saímos maravilhados daqui, pelo lugar que ele está hoje", disse a cacica.
Mesmo agradecidos pela forma como o Museu Nacional está cuidando e protegendo o manto sagrado, os tupinambás dizem estar em diálogo com as autoridades para que tenham acesso frequente ao artefato e para que, no futuro, ele possa estar ainda mais perto do povo indígena.
"A gente esta conversando com o Ministério dos Povos Indígenas e o próprio museu para criarmos protocolos. Porque hoje estamos aqui, mas não sabemos sobre o amanhã. Queremos que as futuras gerações entendam o que o manto representa para o povo tupinambá", disse Jamopoty.