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Da Redação
Publicado em 31 de julho de 2023 às 23:16
A jornalista e influencer digital Rafaela Fleur falou pela primeira vez nesta segunda-feira (31) sobre a polêmica que viralizou nas redes sociais, após internautas a acusarem de ser uma mulher branca se passando por uma pessoa negra.
Emocionada, a baiana de Salvador gravou um vídeo falando sobre sua tentativa de 'embranquecer', incluindo excesso de manipulação de fotos e vídeos, para ser aceita por algumas pessoas e ter acesso a alguns ambientes. Ela também explica como se percebeu uma mulher negra e como tem sido o processo.
Recentemente, internautas usaram os termos blackface (ato de escurecer a pele do rosto) e blackfishing (prática usada por pessoas brancas para ter aparência de pessoas negras), além de fazer comparações entre imagens antigas e fotos novas da jornalista nas redes sociais. Alguns internautas sugeriram que ela teria ficado negra 'de repente' para acessar vagas afirmativas e oportunidades de trabalho direcionadas para pessoas pretas.
No vídeo, Rafaela explica que quando a situação viralizou ela estava em uma viagem internacional e não teve emocional para falar do assunto. Ela começa explicando que, apesar de ter desfilado em 2002 na São Paulo Fashion Week, não é modelo. Rafaela é formada em Jornalismo pela Ufba e trabalha como influenciadora no Instagram desde 2014.
"Eu sou de Salvador e, da minha família, eu sou a pessoa de pele mais clara. Durante muito tempo eu achei que fosse uma sorte eu ter a pele um pouco mais clara. Durante a minha infância e começo da minha adolescente eu não fiz muita coisa sobre isso. Até que um pouco mais velha, lá pra os 16 anos eu comecei a me relacionar. Comecei a sair e nessa época eu conheci meu primeiro namorado. Que era um homem negro que gostava de mulheres brancas e ruivas. Ele falava que gostava da pele pálida e tal. Foi então que eu pintei meu cabelo de ruivo, alisei meu cabelo permanentemente, comecei a sair com protetor solar fator 70 para não pegar sol", disse com semblante abalado.
Rafaela conta que nessa mesma época mudou seu jeito de se vestir. "Salvador é uma cidade muito quente e eu saia de bota, de casaco, toda montada para não pegar sol. E também porque eu me achava estilosa, gostava de me vestir daquele jeito, o que virou motivo de chacota. Na faculdade as pessoas tiravam foto minha e compartilhavam entre si para falar que eu era ridícula de estar ali com aquelas roupas", contou.
"Comecei a adotar várias estratégias de embraquecimento. Muita gente falou que era impossível editar todas as fotos, não é impossível. É só pegar a foto, aumentar brilho bastante, diminuir saturação, à noite só tirar foto com flash estourando na cara, só tirar foto de dia, na luz", disse emocionada.
A jornalista lembra que usava a função de clarear dente e passava no rosto, na pele, pra ficar bem branca. "Nas fotos que viralizaram minha pele tá com cor de porcelana que, me olhando agora, dá para perceber que uma pessoa como eu jamais teria de forma natural".
A jovem também negou que tenha feito rinoplastia ou que, recentemente, tenha feito bronzeamento artificial. "Muita gente falou que eu devia ter câncer por fazer bronzeamento, eu nunca fiz isso", disse em lágrimas.
Rafaela contou ainda que na internet ela conseguia disfarçar a cor da da pele e editar o nariz, mas pessoalmente ela usava base branca e não conseguia disfarçar tão bem quanto nas fotos.
"Eu ouvia muito as pessoas falando assim: 'Nossa, você é muito mais bonita por foto, que pessoalmente', 'Nossa, mas você é tão diferente nas fotos. Acho que você fica melhor nas fotos'. E essa ideia começou a ficar muito firme na minha cabeça de que eu precisava ficar tão bonita na vida real quanto eu era nas fotos. Eu não pensava que eu queria ser mais branca. Eu pensava que eu queria ser mais bonita, mais aceita e eu fui fazendo de tudo para isso acontecer", explicou.
Já adulta, Rafaela Fleur conta que decidiu usar lente de contato verde para ajudar ainda mais nesse disfarce. "E essa coisa da lente foi muito marcante porque é uma coisa que me machucava fisicamente. Meu olho várias vezes lacrimejava, ficava vermelho, pois era uma lente que eu comprava na internet. Não era lente de oftalmologista. Eu tinha vergonha das pessoas descobrirem que eu usava lente. Então quando as pessoas descobriam eu falava que usava porque precisava enxergar melhor", disse.
Ela segue o relato: "Eu tinha pavor das pessoas me desvendarem de algum jeito. O mesmo acontecia com foto e vídeo. Eu tinha pavor de fazer foto com fotógrafo, qualquer coisa que eu não tivesse controle sobre a minha imagem, que eu não pudesse mexer porque eu tinha medo de ser vista, de alguma forma."
Rafela lembra que, apesar de todo esforço para parecer mais bonita, como ela classifica, sempre foi lembrada que eu não era branca.
"Mais nova eu sofri racismo no colégio. Já ouvi de professora na frente da sala toda que a minha pele era encardida, que eu não era branca e nem negra. Quando eu me mudei para São Paulo eu já trabalhava com moda, mas foi aqui que eu comecei a acessar muitos espaços de luxo, muitos espaços privilegiados. Nesses espaços eu comecei a ouvir comentários do tipo: 'Que preta maravilhosa que você é'. Eu saía com as pessoas para um bar e aí: 'Nossa, você parece aquela atriz, você parece aquela cantora...'. E na minha cabeça não fazia sentido isso. Eu não conseguia entender porque as pessoas estavam me comparando com pessoas negras, porque na minha cabeça tinha certeza que não era negra", continuou.
Ela conta ainda que só começou a se questionar e a refletir sobre o assunto quando suas amigas negras passaram a inclui-la em assuntos relacionados a cor. Foi então que ela parou de alisar o cabelo e usar a lente de contato verde.
"Eu comecei o processo de me identificar e comecei a questionar várias coisas. Meu pai é negro, minha mãe é negra, meus irmãos são negros, mas eu não, né? Só que isso tá estranho. Eu fui entrando num processo que está acontecendo até hoje, não terminou. Por ser um processo tão íntimo e já tão doloroso pra mim, porque eu precisei revisitar muita coisa, revisitar muitas violências. Quando essas violências aconteceram comigo eu não achava que era racismo, achava que era outra coisa. Quando isso se estabaleceu na minha cabeça, comecei a estudar, comecei a ler me fez pensar que eu ja tinha essa resposta", afirmou.
"Ter essa resposta não me fez pensar que eu teria necessidade de anunciar isso, de ter que explicar ou de ter que apagar foto antiga e começar uma 'nova era'. Eu precisava atravessar isso de maneira particular", desabafou.
A jornalista relembrou ainda os comentários que recebeu nas redes sociais: "Pessoas falando que eu deveria morrer de câncer de pele por conta de brozeamento artifical que eu nunca fiz, que eu devia apanhar, que eu devia tomar vergonha na cara. Teve gente que disse que quem é negro sabe e que é impossível se disfarçar. Eu concordo, é difícil se disfarçar aos olhos dos brancos, mas a gente cria mecanismos de pertencimento, a gente cria mecanismos de embranquecimento e eu não tinha ideia do que era isso, do que era essa reflexão, do que era esse debate antes da minha ficha realmente cair".
Apesar dos comentários, Rafaela acredita que o que aconteceu pode servir, de alguma maneira, para avançar esse tipo debate.
"Eu tenho certeza que não sou a primeira pessoa negra de pele clara a se perceber negra depois de muitos anos. Isso não me isenta de violência. As minhas violências são diferentes, mas o racismo me atravessa de outras formas. Eu sei que nunca vou atravessar o que pessoas retintas atravessam. Eu acho que a gente só vai conseguir construir um diálogo verdadeiro, se a gente humanizar essa conversa. Se a gente parar de ficar brigando para ver quem é mais preto, quem é menos preto. Porque quem é branco não tem dúvida. Eu nunca fui vista como branca, por pessoas brancas", concluiu.