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Projeto Comprova
Publicado em 7 de abril de 2024 às 16:58
Contextualizando: Depois da prisão dos irmãos Brazão, no dia 24 de março, acusados de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, publicações nas redes sociais começaram a se espalhar associando a família Brazão ora ao PT, ora a Bolsonaro. O caso se tornou parte da disputa política nacional polarizada.
Conteúdo investigado: Um vídeo exibe uma sequência de personalidades perguntando quem mandou matar a vereadora Marielle Franco e atribui a essas pessoas a alcunha de “esquerdistas”. “Esquerdistas perguntando ‘quem mandou matar Marielle?’”, diz o trecho final do vídeo de 44 segundos, que abre com Flávio Dino e, depois, mostra Patrícia Lélis dizendo “foi o Bolsonaro. Na verdade, foi o Flávio Bolsonaro”. Em seguida, Reinaldo Azevedo, Anielle Franco e por último o presidente Lula (PT). O vídeo finaliza com a imagem de Domingos Brazão vestindo uma camisa estampada com a foto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), sugerindo correlação entre o acusado de matar a vereadora e a esquerda.
Onde foi publicado: X.
Contextualizando: Diante da repercussão envolvendo a prisão dos supostos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), as redes sociais foram tomadas por conteúdos que tentam jogar os Brazão, acusados de mandar matar a vereadora e o motorista Anderson Gomes, no colo do PT e de Jair Bolsonaro (PL). O caso se tornou parte da disputa política nacional polarizada, mas a trajetória dos irmãos Brazão indica que a família legislava em campo oposto ao da vereadora, representante do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Segundo a delação do ex-PM Ronnie Lessa, que levou à prisão dos irmãos, a votação de um projeto de lei na Câmara Municipal do Rio teria sido o estopim para que os Brazão resolvessem matar Marielle. O PL previa regularização de terrenos e construções irregulares nas zonas norte e oeste do Rio. “No mesmo sentido, apontam diversos indícios do envolvimento dos Brazão, em especial do Domingos, em atividades criminosas, incluindo as relacionadas com milícias e grilagem de terras. Por fim, ficou designada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito de moradia”, diz trecho do relatório da PF.
Os irmãos Brazão são políticos influentes e veteranos no Rio de Janeiro, com décadas de mandatos em casas legislativas. Antes de entrar para a política, eles eram donos de postos de combustível no Rio. Ambos se elegeram e se mantiveram em cargos públicos principalmente com votos conquistados no reduto eleitoral da família, em bairros como Gardênia Azul e Rio das Pedras, na zona oeste da cidade.
No relatório final da CPI das Milícias, de 2008, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), os irmãos são citados como políticos influentes nessas regiões. A influência se estende a várias instâncias de poder no estado. O nome do então deputado Domingos Brazão, do PMDB, aparece na seção “acusados de chefiar milícias” e “tendo feito campanha em Rio das Pedras”. Em outra página, Domingos Brazão (então deputado) e Chiquinho Brazão (então vereador) aparecem juntos como detentores de influência política em outros bairros dominados por grupos de milicianos – Campinho (comunidade do Fubá e Pedra Rachada) e Oswaldo Cruz.
Domingos Brazão começou a carreira antes do irmão Chiquinho. Foi vereador, deputado estadual e atualmente é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Segundo sua biografia no site da Alerj, Brazão é filho caçula de imigrantes portugueses e nasceu em Jacarepaguá. O bairro é um dos maiores do Rio, com 653 mil habitantes, número maior que o de 99% das cidades do Brasil. Ele começou a carreira política em 1994, como suplente de vereador pelo Partido Liberal (PL), migrando posteriormente para o PTB e MDB. Em 1996, elegeu-se vereador.
Em 1998, candidatou-se a deputado estadual e foi eleito. Em 2000, foi candidato à prefeitura do Rio pelo PTdoB e ficou em 8º lugar. Em 2011, Domingos teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) por suposta compra de votos por meio do Centro de Ação Social Gente Solidária, ONG vinculada ao deputado e onde ocorreria prática de assistencialismo, de acordo com a acusação. Com liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele conseguiu manter o mandato. Quando era deputado, virou réu em processo por abuso de poder econômico e compra de votos. Chegou a ser afastado, mas voltou ao cargo depois de absolvição do Supremo Tribunal Federal (STF).
Domingos Brazão foi líder do PMDB na Alerj e frequentou a casa legislativa durante cinco mandatos consecutivos, até 2015, quando foi aprovado como conselheiro do TCE-RJ.
Para ocupar o cargo de conselheiro do TCE-RJ, Brazão foi eleito pela maioria dos seus pares na Alerj. O Tribunal de Contas é o órgão responsável pela fiscalização da aplicação dos recursos públicos feita pelo governo estadual. Dois anos depois, em 2017, foi preso pela Lava Jato, durante a Operação Quinto do Ouro, por corrupção. Ele foi acusado, junto com outros conselheiros, de receber propina de empresários que tinham contrato com o estado. Ficou na cadeia apenas uma semana.
A operação teve como base a delação premiada de Jonas Lopes, ex-presidente do TCE, e atingiu o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Alerj Jorge Picciani. Brazão foi solto pelo STF, que permitiu a ele o retorno ao cargo de conselheiro no TCE. Domingos ficou afastado por seis anos. Ele retornou em outubro do ano passado, mas ainda responde ao processo, que ainda não foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse período, recebeu salário de R$ 52 mil por mês.
Domingos Brazão tem uma carreira marcada por processos, investigações e inclusive outra acusação de assassinato. Ele admitiu ter matado uma pessoa. Em entrevista à TV Globo em junho de 2014, quando era deputado estadual, ele disse: “eu realmente matei uma pessoa há quase 30 anos porque atentou contra a minha vida e a da minha família. Mas a Justiça, à época, teve informações disso e o Tribunal de Justiça me absolveu”. As investigações apontaram que o homicídio teve relação com grilagem de terra, mas o então deputado não foi condenado. Ele também chegou a ser investigado por fazer parte de uma máfia de adulteração de combustíveis.
João Francisco Inácio Brazão, o Chiquinho Brazão, foi eleito vereador pela primeira vez em 2004. Ficou na Câmara Municipal do Rio durante 14 anos, reeleito em 2008, 2012 e 2016, num total de quatro mandatos consecutivos. O parlamentar conviveu com Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em vídeo de setembro de 2017, o então vereador e agora deputado federal aparece ao lado da vereadora do Psol, que estava no primeiro mandato. Ele estava no quarto e último mandato na Câmara, na época pelo PMDB.
Em 2019, Chiquinho Brazão renunciou para assumir o cargo de deputado federal. Em sua biografia no site da Câmara dos Deputados, Brazão se define como empresário e informa que seu nível de escolaridade é até o ensino médio. Em fevereiro de 2024, pediu licença da Câmara para assumir o cargo de secretário especial de Ação Comunitária do município do Rio. Depois, reassumiu o posto na Câmara no início de fevereiro deste ano. Chiquinho pediu para sair da secretaria depois dos primeiros rumores sobre sua possível participação na morte de Marielle.
Ainda na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em 2013, Chiquinho liderou a CPI dos Ônibus, cujo objetivo era investigar irregularidades no transporte público urbano. De acordo com uma reportagem do jornal O Globo, o relatório final ignorou um parecer técnico elaborado pela própria comissão, não citou desvios encontrados nas investigações e não propôs mudanças na legislação. A votação que aprovou o documento teve bate-boca entre os vereadores, segundo o jornal.
Nas eleições de 2018, Chiquinho Brazão conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados e foi reeleito em 2022. Em uma postagem em seu perfil do Instagram, no dia 27 de fevereiro de 2024, o deputado enfatiza o Projeto de Lei nº 146/2021, de sua autoria, que propõe a obrigatoriedade do uso de tornozeleiras eletrônicas por agressores de mulheres.
A atuação dos Brazão na política não se restringe à ideologia de um único partido político. Domingos passou pelo PL, pelo PTB e pelo MDB. Chiquinho passou pelo MDB, pelo Avante e pelo União Brasil. Ele fez campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro na eleição de 2022. “Pelo bem do país, fizemos uma bela carreata de apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Percorremos diversas ruas de Jacarepaguá e bairros adjacentes, e por onde passamos não tinha outra manifestação a não ser ‘vamos com Bolsonaro'”, escreveu nas redes sociais.
Então filiado ao MDB, Domingos Brazão fez campanha pela reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014, antes de se tornar conselheiro do TCE. Na época, posou em fotos ao lado do ex-deputado federal Eduardo Cunha em carreatas pelo Rio. Em um vídeo de 2014, Domingos aparece dizendo que Cunha era o melhor deputado federal do Brasil e defensor do estado do Rio de Janeiro.
A família Brazão hoje conta com outros dois integrantes na política e planeja lançar o quarto nome nas eleições municipais deste ano. Pedro Brazão (União) é deputado estadual no Rio e irmão de Domingos e Chiquinho. Para as eleições municipais deste ano, o filho de Domingos Brazão, Kaio Brazão, será um dos principais candidatos a vereador do Republicanos no Rio.
Em entrevista ao Metrópoles em janeiro deste ano, Domingos disse que “ninguém tirou mais proveito da morte da Marielle que o Psol” e que tem boa relação com políticos de diferentes partidos. “Não tenho relação nenhuma com o Marcelo Freixo (PT), mas acho que ele também não me via como inimigo”, diz. Na entrevista, Brazão cita também um almoço com André Ceciliano (PT) poucos meses antes.
Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A associação dos irmãos Brazão, em específico Domingos Brazão, com o PT e o crime organizado em peças de desinformação pode ser uma estratégia para manipular a opinião pública e gerar divisão política, contribuindo para a polarização diante de um assunto de grande repercussão. As acusações e a tentativa de culpabilizar a esquerda pelo assassinato de Marielle Franco podem ser interpretadas como parte de uma narrativa política mais ampla, visando a desacreditar adversários políticos e fortalecer determinadas agendas.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato com o autor da publicação mas até a última atualização desta reportagem não obteve resposta.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de março, o post teve 5.176 visualizações no X.
Como verificamos: Primeiramente, pesquisamos na internet conteúdos sobre a vida política e os pormenores dos irmãos Brazão. Em seguida, nos debruçamos em entender a relação deles com o PT e com o bolsonarismo até chegarmos ao assassinato da vereadora Marielle Franco e os desdobramentos da investigação que apura a morte da parlamentar em março de 2018. Utilizamos principalmente informações de seus perfis oficiais em órgãos públicos.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos publicou este mês uma matéria explicando que desde 2018 publicações nas redes sociais usam a família Brazão para culpar a esquerda pela morte de Marielle, utilizando a trajetória dos Brazão para gerar desinformação. A imagem de Domingos Brazão usando uma camisa com a foto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) vem sendo usada em discursos de polarização política e já foi checada por outros portais. Em novembro de 2019, a AFP publicou que é Domingos Brazão, e não o porteiro do condomínio onde o ex-presidente Jair Bolsonaro tem casa no Rio de Janeiro. A Reuters também publicou uma checagem mostrando que uma foto de Lula com Domingos Brazão, indicando Brazão como mandante da morte de Marielle, é montagem.