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Agência Brasil
Publicado em 8 de fevereiro de 2024 às 09:33
O trabalhador informal Manoel Adelino, de 31 anos, espera que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), com sede na Costa Rica, puna o Estado brasileiro por não dar resposta ao assassinato do seu pai, o trabalhador rural sem terra Manoel Luiz da Silva, morto em maio de 1997.>
Nesta quinta-feira (8), a Corte IDH analisa se o Estado brasileiro foi omisso e não cumpriu a obrigação de investigar e punir os responsáveis pelo homicídio do trabalhador rural, em um contexto de conflito por terras e luta pela reforma agrária.>
“A esperança é que esse julgamento, que a Corte, possa analisar e penalizar os responsáveis, que são o Estado brasileiro, que deixa ocorrer essas fatalidades. A esperança é que seja feita justiça”, afirmou Adelino.>
Liderança na luta pelo acesso à terra em São Miguel de Taipu (PB), Manoel Luiz foi morto a tiros quando tinha 40 anos, deixando a esposa, grávida de dois meses, e o filho de quatro anos, Manoel Adelino, que conversou com a Agência Brasil sobre a expectava para o julgamento de hoje.>
Na Costa Rica para acompanhar o caso, Adelino lembrou que a família não recebeu qualquer resposta do Estado brasileiro sobre o assassinato do pai.>
“Nós nunca recebemos nenhuma resposta, nenhuma ligação. E a opinião da família sobre esse Estado brasileiro é que não tem lei que possa cessar essa fatalidade, essa crueldade que vem ocorrendo há muito tempo lá no campo, ao povo trabalhador, que batalha para o sustento da família. É um Estado que não corre atrás de justiça. Então, essa é a revolta da família. Nossa vontade é que haja justiça por parte do Estado”, destacou.>
Para Adelino, a impunidade no campo brasileiro reforça os massacres dos trabalhadores rurais. Por isso, acredita que o julgamento da Corte IDH é importante para evitar que outras pessoas poderosas continuem recorrendo à violência contra trabalhadores.>
“Porque se não, infelizmente, eles ficam apoiando esses atos de terrorismo, esses atos violentos, incentivando outros fazendeiros, outros donos de propriedades maiores, a continuar fazendo essas barbaridades”, argumentou.>
O filho da liderança assassinada contou que a morte do pai desestruturou a família, levando a mãe à depressão. Quando ela morreu, Adelino ainda tinha 12 anos.. >
“Já estava trabalhando na agricultura, no roçado dos outros, dentro de mangue, trabalhando no manguezal, pescaria, vendendo balaio na feira, picolé, batalhando para conseguir o pão de cada dia. Então, as oportunidades de estudo foram ficando pra trás. As poucas possibilidades de estudo foram se perdendo. Era optar por estudar ou se alimentar. A minha avó também sofreu bastante. Até hoje sofre. Basta tocar no assunto e ela se desespera”, relatou.>
Caso Manoel Luiz>
O caso foi parar na Corte IDH por iniciativa de organizações como a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Justiça Global, que apelaram ao órgão internacional para cobrar a responsabilidade do Estado brasileiro em relação a esse crime.>
Antes de a Corte IDH julgar o caso, ele foi investigado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Ao concluir seu parecer em novembro de 2021, a CIDH afirmou que, apesar das inúmeras provas que apontavam os responsáveis pelo crime, “a omissão da polícia com relação às diligências essenciais inviabilizou a persecução penal dos responsáveis, entre eles do autor intelectual”.>
O órgão lembrou que “uma das pessoas acusadas foi absolvida, que as demais ainda não foram julgadas, que as deficiências probatórias não foram sanadas e que não se esgotaram todas as linhas de investigação, o que é incompatível com o dever de investigar com a devida diligência”.>
Violência no Campo>
O representante da Comissão Pastoral da Terra na Paraíba, João Muniz, destacou que o caso de Manoel Luiz é mais um entre tantos agricultores assassinados no Brasil por lutar pela terra.>
“Os mandantes nunca foram processados, os fazendeiros da época. Com isso, o caso foi levado para a Corte Internacional. Porque o Estado brasileiro, mais uma vez, violou os direitos dessas famílias por não ter feito um julgamento justo nesse caso”.>
Os conflitos por terra no Brasil aumentaram 16,7% e atingiram 181.304 famílias em 2022, segundo a pesquisa da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O levantamento aponta que 47 pessoas foram assassinadas naquele ano, números 30% maior em relação a 2021.>
A Corte IDH>
A Corte Interamericano de Direitos Humanos (Corte IDH) é um dos tribunais regionais de proteção dos direitos humanos. É uma instituição judicial autônoma, com objetivo de aplicar a Convenção Americana Sobre Direito Humanos. O Brasil, enquanto integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) reconhece a competência da Corte para julgar violações de direitos humanos nos Estados-membros sob sua jurisdição.>
Se o Estado brasileiro for considerado culpado, a Corte IDH pode determina que o país tome medidas para reparar as famílias afetadas e capazes de evitar que novos crimes como esse ocorram no país.>