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Da Redação
Publicado em 23 de setembro de 2020 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Imagine uma sala de reuniões onde vários homens brancos tomam as decisões. É essa a realidade de grande parte das empresas no Brasil, apesar de mais da metade dos brasileiros se declararem negros - aqueles que se reconhecem pretos ou pardos. Ao observarem essa sub-representação nos cargos de liderança, as empresas Magazine Luíza e Bayer lançaram Programa de Trainees exclusivos para pessoas negras. A decisão causou muita repercussão nas redes sociais, entre quem aprovou a ideia e os que foram contrários. Para quem luta há anos pelo fim do racismo e por uma sociedade igualitária, a resposta é mais consensual: se trata de um processo de reparação.
Na Magazine Luiza, conhecida como Magalu, o processo exclusivo é fruto de uma pesquisa sobre diversidade e inclusão na empresa, realizada em 2019. Dentre todos os funcionários, 53% eram negros, entretanto a porcentagem cai para 16% nos postos de liderança. Sem trazer dados, a Bayer apenas informa possuir um número pouco representativo de negros em cargos de liderança. Em camaçari, existe um vaga aberta para atuar na companhia farmacêutica e química. Para se transformarem em um espelho mais fiel da sociedade brasileira, ambas vão receber apenas trainees negros para 2021.
Com o foco na diversidade e inclusão, outras empresas também implementaram seus próprios programas seletivos exclusivos. Na Gerdau, são 11 vagas exclusivas para mulheres no programa de trainee: G.Future – Uma nova geração de líderes. A seleção do banco BV também possui como foco o gênero feminino. São 45 vagas de estágio na companhia. Antes da Magalu e da Bayer, a Ambev já possuía o programa de Estágio Representa voltado para estudantes universitários negros.
O assunto bombou nas redes sociais durante o último final de semana após a divulgação do processo seletivo da Magalu, na sexta (18). Com isso, surgiram alguns questionamentos sobre a legalidade de processos exclusivos para uma certa parcela da população. O Ministério Público do Trabalho se posicionou reiterando o papel das empresas privadas na promoção da igualdade racial no trabalho.
Em nota técnica, de 20 de setembro, o órgão reforça o “chamamento às empresas para a execução do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros/MPT e pelo respeito às ações positivas tendentes à promoção da igualdade racial no trabalho, no marco do texto constitucional, tratados internacionais e legislação nacional, posto ser o dever institucional desse ramo de Ministério Público defender a ordem legal e constitucional, envidando todos os seus esforços para a tutela do trabalho, pugnando para que trabalhadores, empregadores e sociedade aliem-se nesse propósito maior: realização dos princípios da igualdade e da justiça social”.
Citando a constituição, o Estatuto da Igualdade Racial e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, que foi ratificada pelo Brasil em 1966, a promotora de justiça do Ministério Público da Bahia e coordenadora Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação, Lívia Sant’Anna Vaz, aponta que o pais tem um compromisso com a promoção da igualdade social, o que não só permite como também incentiva a realização de ações que possam reduzir a disparidade entre os brasileiros.
Em prol da democracia Sem a igualdade, não há democracia efetiva, ressalta a promotora. “No país, existe o benefício e privilégio para a pessoa branca em detrimento dos negros. O acesso dessas pessoas a direitos fundamentais, ao recurso e aos status foi negada. Para garantir um caminho rumo a democracia efetiva, precisamos que exista diversidade nas instituições. Isso garante a pluralidade de olhares, o que também garante a qualidade no serviço para atender uma diversidade de pessoas. Com a naturalização da presença dos negros em espaços de decisão e poder, estes brasileiros podem se enxergar nesses lugares”, explica Vaz, ressaltando que ações com estes processos seletivos devem ser duradouras e reverberar em uma ocupação mais plural dos mais altos cargos nas empresas.
Após o assunto tomar conta das redes sociais, diversas entidades do movimento negro saíram em defesa do processo exclusivo. Dentre os que apoiam o processo, está a coordenadora-geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Iraildes Andrade. Para ela essa é a oportunidade de reparar um erro histórico.
“Após a abolição da escravidão, os negros não receberam qualquer incentivo para continuar sobrevivendo. Com o movimento negro, há a busca dessa reparação, um pedido de ações afiramativas para que os negros pudessem ser incluídos na sociedade em pé de igualdade. Nós não somos enxergados como capazes de ocupar certas vagas. Com essa ação, a empresa nos dá uma possibilidade de ser incluído”, afirma.
Não se trata apenas de uma chance de entrar em uma grande empresa, mas um incentivo até mesmo da confiança do próprio jovem, que, com o racismo, é minada com o decorrer dos anos. “Com esse processo, muitos verão que é possível pensar um caminho diferente e mais igualitário na empresa. Com os bons resultados dos trainees negros, esses jovens podem galgar novos espaços, o que aumetna a autoconfiança e a autoestima dessas pessoas”, comenta o coordenador do CEN, Marcos Rezende, que é historiador e mestre em desenvolvimento e gestão social.
Ancorados na falsa meritocracia, os críticos dos processos seletivos questionam a necessidade da uma reserva de vagas. Diferente do que afirma este grupo, a fundadora da Marcha do Empoderamento Crespo, Naira Gomes, explica que existe uma exclusão das pessoas negras no mundo do trabalho.
“O negro é excluído deste mundo e também sofre com a precariedade ao, por exemplo, receber um salário menor ao exercer a mesma função. O trabalho tem relação com a renda, é o que nos permite dar perspectiva e conforto para nosso familiares. Com o boicote, as perspectivas das próximas gerações são precarizadas e a condição de subsidiar os seus também”, indica Gomes, que diz que o processo exclusivo é fundamental ao ajudar, mesmo que pouco, a regular a assimetria de vagas, oportunidades e poder entre os brasileiros.
Veja como participar das seleções da Magalu e da Bayer
http://liderancanegra.ciadetalentos.com.br.
“Mais do que o currículo, buscamos conhecer as histórias de vida dos candidatos, suas aspirações profissionais e perspectivas de futuro. Entendemos que as competências técnicas se aprendem, mas que a bagagem de cada profissional é única e que na composição de um quadro cada vez mais diverso teremos mais condições de inovar”, explica a líder de Recursos Humanos da Bayer Brasil, Elisabete Rello. Os aprovados receberão um subsídio para o aprendizado e aperfeiçoamento do inglês para os cargos que demandarem domínio da língua. A carga horária na vaga é de 40h semanais.
Já para o programa de trainee 2021 da Magazine Luiza são aceitos profissionais negros formados em qualquer curso superior entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020. O conhecimento em língua inglesa e experiência profissional anterior não são pré-requisitos para a seleção. A inscrição para as 20 vagas pode ser realizada até 12 de outubro. O salário é R$ 6.600.
As vagas são para São Paulo, mas candidatos de todo o país podem se inscrever pelo site https://www.99jobs.com/ magazine-luiza/jobs/93594-trainee-magalu-2021?preview=true.
Caso o aprovado não more na capital paulista, a empresa oferece um auxílio para a mudança.
A seleção é composta por seis etapas, iniciando com testes online. A segunda consiste na gravação de um vídeo de apresentação profissional e por entrevistas. Aqueles que seguirem serão sabatinados por diretores de área e, depois, pela Diretoria Executiva. Os finalistas participarão de uma conversa com Frederico Trajano, CEO da empresa.
Outros programas Elas por elas - programa de estágio banco BV 2021 Nível: estágio mulheres com graduaão entre julho de 2022 e julho de 2023 Inscrição: até 19 de outubro Vagas: 45
G.Future – Uma nova geração de líderes Nível: trainee mulheres com graduação entre junho 2018 e junho 2020 Inscrição: até 27 de setembro Vagas: 11 exclusivas para mulheres