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Estadão
Publicado em 28 de dezembro de 2024 às 08:19
Autor da decisão que suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino afirmou ontem que a Câmara dos Deputados não apresentou as informações necessárias para o desbloqueio dos recursos e reiterou os questionamentos e críticas feitos anteriormente às transferências. O assunto é motivo de impasse institucional e um embate entre Legislativo e Judiciário. >
Mais cedo, a Advocacia da Câmara havia enviado um documento ao STF no qual afirmava ter cumprido as determinações da Corte e solicitava a liberação dos recursos. A argumentação da Casa foi a de que os parlamentares agiram de "boa-fé", respeitando a legislação vigente e as interpretações jurídicas do Executivo, e que a aprovação das emendas ocorreu de forma transparente. No dia anterior, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já tinha se manifestado no mesmo sentido. Ele se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e líderes partidários.>
Dino, no entanto, considerou essa primeira resposta dos deputados insuficiente. "Lamentavelmente, da petição hoje (ontem) protocolada pela Câmara dos Deputados não emergem as informações essenciais", disse ele. Diante da falta de dados "imprescindíveis", o ministro havia concedido mais um prazo para que a Câmara se manifestasse - a Casa tinha até as 20h de ontem para entregar novas respostas.>
À noite, Câmara informou ao Supremo que agiu "sob orientação jurídica" de pastas do governo Lula ao indicar os R$ 4,2 bilhões em emendas apadrinhadas por 17 de líderes de bancada. Defendeu, ainda, a legalidade no procedimento. "Daí o estranhamento de que apenas a Câmara esteja participando neste momento de diálogo institucional com a Suprema Corte, para fins de aprimoramento do processo orçamentário das emendas parlamentares, quando a competência para a matéria é do Congresso Nacional, quando o Senado adotou rito rigorosamente idêntico ao da Câmara dos Deputados e quando ambas as Casas se limitaram a seguir orientações técnicas prévias do Poder Executivo, para fins de mero encaminhamento de indicações que sequer são impositivas", diz a manifestação assinada pela Advocacia da Câmara.>
Segundo o documento, a orientação jurídica partiu dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Gestão, além da Secretaria de Relações Institucionais, da Casa Civil e da Advocacia-Geral da União. "Caso não houvesse a orientação em questão, não haveria qualquer ofício de indicação.">
Suspensão>
Na última segunda-feira, Dino bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão - o pagamento estava previsto para até o fim do ano - com base no entendimento de que elas não atenderam aos critérios de transparência e rastreabilidade e descumpriram decisões do STF. Ele condicionou o desbloqueio à identificação dos parlamentares responsáveis pelas indicações.>
Ontem, ao cobrar novas explicações, Dino rejeitou o argumento da Câmara sobre a distinção entre "aprovação" e "indicação" de emendas. Segundo ele, não há base normativa que justifique a alegação de que a destinação de recursos por uma comissão permanente da Casa não precise de uma aprovação formal.>
"Lembro que não existem, no ordenamento jurídico pátrio, ‘emendas de líderes’. A Constituição Federal trata exclusivamente sobre ‘emendas individuais’ e ‘de bancada’, enquanto que as ‘emendas de comissão’ são reguladas pela Resolução n.º 001/2006, do Congresso Nacional, e, mais recentemente, pela Lei Complementar n.º 210/2024", afirmou ele.>
As emendas bloqueadas por Dino são do tipo RP-8, conhecidas como emendas de comissão. Essas emendas são indicadas por um ou mais parlamentares a cada comissão permanente, que as aprova. Contudo, o conjunto de emendas aprovado pela Câmara e enviado no último dia 12 ao governo federal - responsável pela execução dos recursos - não identifica os parlamentares que fizeram as indicações. Em vez disso, 17 líderes de bancada aparecem no ofício como os responsáveis pelas emendas.>
No primeiro documento encaminhado ontem ao Supremo, Lira já havia dito que o procedimento adotado, com a assinatura de 17 líderes de bancadas, foi considerado legal e respaldado por órgãos e ministérios do governo Lula. A Câmara destacou que o ofício encaminhado ao Executivo ratificou as indicações de emendas já aprovadas pelas comissões, e não serviu para a "criação ou aprovação de novas emendas à revelia das comissões".>
‘Emenda de líder’>
Para Dino, porém, essa prática do "apadrinhamento" é inconstitucional, pois cria uma nova modalidade, as "emendas de líderes", o que foi rechaçado pelo ministro. Além disso, de acordo com o magistrado, o artifício dificulta a identificação dos verdadeiros autores das emendas, violando os princípios de transparência e de rastreabilidade.>
"Aproxima-se o final do exercício financeiro, sem que a Câmara forneça as informações imprescindíveis, insistindo em interpretações incompatíveis com os princípios constitucionais da transparência e da rastreabilidade, imperativos para a regular aplicação de recursos públicos.">
O STF havia liberado a execução das emendas no início de dezembro com a condição de que os pagamentos seguissem regras de transparência e controle público. A Câmara, porém, manteve o regime de apadrinhamento por meio dos líderes das bancadas, em um mecanismo que continuou ocultando os parlamentares por trás das indicações. Por ordem de Dino, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar a "captura" de emendas.>
Granja do Torto>
Ainda ontem, Lula se reuniu com o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito para suceder a Lira no comando da Câmara em 2025. O encontro, que não constou da agenda oficial do presidente, tratou de vários assuntos, dentre eles o impasse das emendas envolvendo STF e Congresso, segundo apurou o Estadão/Broadcast.>
A reunião foi realizada na Granja do Torto, uma das residências oficiais da Presidência. Além de Motta, participaram o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). O clima do encontro foi amistoso. Desde que Lira anunciou Motta como seu sucessor, Lula não havia convidado o paraibano para uma reunião particular (Colaborou Sofia Aguiar)>
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>