Bênção para casais homoafetivos: LGBTs católicos e membros da igreja comemoram declaração

Para o frei Wellington Reis, a declaração esclarece o papel das bênçãos pastorais e dá permissão oficial para acolhimento de casais homoafetivos

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Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 20:43

Bênção não litúrgica para casais LGBTs não se assemelha ao matrimônio católico, explicam padres
Bênção não litúrgica para casais LGBTs não se assemelha ao matrimônio católico, explicam padres Crédito: Shutterstock

O documento “Fiducia supplicans”, publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovado pelo papa Francisco, tem sido motivo de alegria para alguns fiéis e de polêmica para outros. Na declaração, o Vaticano esclarece que casais “irregulares”, como os formados por pessoas homoafetivas, podem receber bênçãos pastorais por padres da Igreja Católica.

“Tem aqueles que se alegram por ver que a Igreja, devagar, se abre cada vez mais a situações e pessoas que a mesma Igreja colocou de lado. E tem aqueles que se escandalizam. Parece que para eles acaba o mundo, acaba a Igreja”, comenta o padre Lino Allegri, reconhecido pelo trabalho social voltado aos direitos humanos.

Para o frei Wellington Reis, doutor em direito canônico, a declaração esclarece o papel das bênçãos pastorais e dá permissão oficial para acolhimento de casais homoafetivos ou de casais formados por quem já recebeu o sacramento do matrimônio anteriormente e se divorciou no âmbito civil.

O frei chama atenção para o fato de que o documento não dá a possibilidade desses casais terem o matrimônio sacramentado na Igreja Católica Apostólica Romana. A bênção que podem receber não se assemelha ao rito do casamento, tendo a declaração reiterado que os padres evitem vestimentas ou espaços que dêem a entender o contrário.

Apesar disso, ele afirma que a declaração gerou polêmica entre os membros mais conservadores da Igreja que “tentam insistir na exclusão” dos grupos e interpretam errado a permissão da bênção. “Esse mal-estar ou é uma falta de conhecimento ou realmente é mau-caratismo. O documento é muito transparente”, diz.

“Embora a repercussão tenha sido estrondosa, o que o documento deseja é acolher, com amor misericordioso, todos os irmãos e irmãs que creem em Jesus Cristo por meio de uma bênção simples e direta, como o ministro sagrado dá a todas as pessoas que dele se aproximam e a pedem”, diz o arcebispo da Arquidiocese de Fortaleza, dom Gregório Paixão.

O recém-empossado arcebispo relembra que, nos dez anos de pontificado, o papa Francisco tem dado atenção especial a pessoas postas à margem. Padre Lino também menciona a coragem do pontífice em assinar tal declaração.

“Ele sabe muito bem das reações que poderiam acontecer. Para mim, é uma grande conquista e uma esperança de passos maiores. Embora escandalize muita gente que se acha pura, defensora das normas ‘de sempre’, como eles dizem, mas que na realidade são atitudes que afastam as pessoas. A Igreja é para todos, como diz o padre Francisco”, afirma Allegri.

LGBTs católicos comemoram benção

“Essa notícia é um passo que a Igreja dá para acolher as pessoas que sempre sentiram vontade de se aproximar da Igreja. Muitas vezes, as pessoas não querem ou não notam essa comunidade, mas ela existe e quer seu espaço.” É assim que o cantor católico Bruno Camurati analisa a declaração do Vaticano.

O artista, assumidamente LGBT, já sofreu represália e teve show cancelado no festival cristão Halleluya, em Fortaleza, após compartilhar publicamente sua sexualidade.“A gente quer Deus na nossa casa, que Deus olhe para a gente, que cuide da nossa união e do nosso amor”, afirma. Para Bruno, pedir bênçãos é tradição popular. “As pessoas sempre solicitaram a bênção de uniões, de aniversários, de lojas, de barcos, até de jatinhos. Por que não abençoar um casal?”, questiona.

Leonardo Silva, membro do núcleo do grupo Porta de Misericórdia, formado por LGBTs católicos de Fortaleza, entende que para pessoas da comunidade que não compartilham a religião, a bênção pode não parecer importante.“Para a gente é importante. O documento comprova que nós, pessoas LGBTs, por mais que não possamos ter uma bênção litúrgica, podemos ter uma bênção pastoral. Para uns pode não ser, tem outros que dizem que não precisam da bênção da Igreja, mas para nós é um grande passo”, declara.

Matéria originalmente publicada em O Povo