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Após apagões, ministério vê razões para cancelar contrato da Enel em SP

Último semestre tem registrado diversas quedas na eletricidade

  • Foto do(a) author(a) Estadão
  • Estadão

Publicado em 2 de abril de 2024 às 09:08

Funcionários da Enel trabalham na rua General Jardim, em Vila Buarque, durante falta de energia na região central
Funcionários da Enel trabalham na rua General Jardim, em Vila Buarque, durante falta de energia na região central Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

Após reiterados apagões em São Paulo nos últimos seis meses, com clientes ficando dias sem abastecimento até na região central da capital paulista, o Ministério de Minas e Energia (MME) encaminhou ofício nesta segunda-feira, 1º, à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) solicitando a abertura de um processo para avaliar a atuação da Enel São Paulo. O ofício do MME destaca, em vários momentos, que a análise da Aneel deve levar em consideração uma possível caducidade (cancelamento) do contrato.

O grupo italiano disse, em nota oficial, que cumpre todas as determinações contratuais. A Aneel terá 20 dias para responder ao MME, apresentando as primeiras ações de fiscalização. A estimativa é de que um eventual cancelamento do contrato, se levado a efeito, poder demorar seis meses.

No ofício, o MME destaca a necessidade de avaliar não somente a prestação dos serviços em relação a indicadores e parâmetros de qualidade como também se há justamente "descumprimento das cláusulas contratuais". Outra meta é verificar se a concessionária "deixou de atender intimação da agência reguladora para a regularização da prestação do serviço".

O texto diz ainda que a "adimplência contratual da concessionária deve ser rigorosamente avaliada e, na eventual inobservância caracterizada pela Aneel, sanções devem ser impostas, eventualmente incluindo a declaração de caducidade", citando o contrato de concessão. Esse cancelamento seria precedido de processo administrativo para verificação das infrações ou falhas, sendo assegurado amplo direito de defesa e garantida a indenização das parcelas dos investimentos vinculados.

Multas

Por outro lado, o ofício cita que, após as sucessivas falhas de fornecimento desde novembro, o MME já tinha notificado a Aneel para que acompanhasse a atuação da Enel SP e tais solicitações embasam demanda para fins de regularização da prestação dos serviços, nos termos de outra cláusula contratual - que diz que, em casos de descumprimento das penalidades impostas por infração ou descumprimento de notificação, "poderá ser decretada a caducidade".

Nessa cláusula contratual, fala-se em perda de contrato 'independentemente da apuração das responsabilidades da concessionária pelos fatos que motivaram a medida" - nos vários eventos, a concessionária destacou a contribuição de tempestades incomuns, ação de outras empresas (como a Sabesp) e mesmo situações atípicas causadas pelo aquecimento global.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou existir mais de R$ 300 milhões em multas aplicadas à concessionária e nenhuma foi paga. À Globo News nest segunda, 1º, ele disse que "a Enel demonstra de forma reiterada que está despreparada para prestar o serviço à altura do que a população brasileira exige" e que já foram dadas todas as oportunidades. Em nota, a concessionária negou ter multas em atraso. Informou que já pagou parte delas e outras se encontram em "fase de recurso, seguindo trâmites normais do setor".

Indicadores

Ainda conforme o ofício, o tempo médio de restabelecimento do fornecimento pela Enel SP está pior que a média das demais distribuidoras. Houve, de acordo com o MME, aumento considerável da quantidade de interrupções e de unidades consumidoras afetadas por desligamentos superiores a 24h.

Além disso, o tempo médio de preparação - que avalia a eficiência dos meios de comunicação - esteve 95% superior à média das demais concessionárias de distribuição do Estado de São Paulo nos anos de 2022 e 2023. A empresa, por sua vez, destacou em nota que todos os seus indicadores são melhores do que os anteriores à concessão e acima dos propostos pela Aneel.

O que diz a Enel

A Enel declarou em nota oficial que "cumpre integralmente com todas as obrigações contratuais e regulatórias relacionadas à concessão em São Paulo" e disse reiterar seu compromisso "com a população em todas as áreas em que atua" e que "seguirá investindo para entregar uma energia de qualidade".

Ainda na nota, a concessionária afirma estar implementando um plano estruturado que inclui investimentos no fortalecimento e na modernização da estrutura da rede, na digitalização do sistema e na ampliação dos canais de comunicação com os clientes, além da mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências. Também diz que o plano contempla o aumento significativo do quadro de pessoal próprio. "Em São Paulo, desde 2018, quando assumiu a concessão, a Enel já investiu R$ 8,36 bilhões." Segundo a empresa, como reflexo dos investimentos, os indicadores operacionais registraram melhora de quase 50% e estão acima das metas estabelecidas pela Aneel. Por fim, o grupo italiano reiterou que pretende investir no Brasil R$ 18,4 bilhões até 2026.

A visão do setor

O diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, defendeu a Enel e pediu cuidado à agência, em entrevista à CNN. "Não acreditamos haver fundamento para a aplicação da pena mais grave da caducidade da concessão, ou seja, de cancelamento."

Reação na política

No ofício, o Ministério de Minas e Energia cita que "a classe política, em representação aos interesses da população, também tem se manifestado e cobrado a atuação do Poder Público". O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), criticou a empresa várias vezes e até já a acionou judicialmente. "Chegou o momento de o governo federal entender o sofrimento das pessoas. Então o caminho deve ser esse mesmo, porque a Enel não tem condições de tocar esse processo", disse Nunes ontem.

Anteriormente, a empresa deixou de prestar o serviço em Goiás após vários blecautes, em setembro de 2022, quando optou por vender a distribuição de energia no Estado para a Equatorial, por R$ 1,6 bilhão. "Enel é caso de polícia. Tem de ser jogo pesado. Eu consegui expulsá-los", afirmou o governador Ronaldo Caiado (União), em novembro, à Coluna do Estadão.

Reação de especialistas

O envio do ofício não teve aval de muitos especialistas. "Não sei se a melhor forma de se fazer as coisas é pressionando a Aneel. É bom para a opinião pública, mas não sei se é a maneira mais adequada", disse o ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana. Para ele, existem várias maneiras para não se chegar a esse ponto, e citou o chamado da empresa para conversar sobre as falhas.

Para o advogado especialista em energia André Edelstein, é necessário que a concessionária tenha a prévia oportunidade de sanar as irregularidades apontadas.

Por fim, para o advogado sócio do escritório Lefosse, Raphael Gomes, embora efetivamente caiba ao MME cobrar a Aneel algum tipo de análise sobre o caso, a iniciativa do ministro tem uma conotação política e carrega "antecipação de entendimentos", com uma aparição na mídia que o preocupa.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, criticou o que vê como uso político da medida.

Tempo de resposta em 2024 é o pior da história

Os indicadores de tempo para preparação de equipes e execução de serviços até o restabelecimento de energia elétrica da Enel São Paulo chegaram aos piores patamares da série histórica nos dois primeiros meses de 2024, segundo dados da Aneel obtidos pelo Broadcast/Estadão (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. As equipes responsáveis na capital paulista e em mais 23 cidades da região metropolitana de São Paulo levaram mais de 13 horas (783,28 minutos, mais precisamente) para se prepararem para atendimento emergencial.

O indicador - chamado formalmente de Tempo Médio de Preparação (TMP), que avalia fatores como a eficiência da comunicação, o dimensionamento das equipes e dos fluxos de informação dos centros de operação - supera em mais de uma hora o período médio calculado para 2023, de pouco mais de 11 horas ou 668,75 minutos, que já era o pior desde 2009, quando começam os registros.

Já o tempo médio para o restabelecimento do serviço em caso de emergência, o Tempo Médio de Execução (TME), ultrapassou pela primeira vez a marca de duas horas ao saltar para 125,8 minutos. Antes, a pior marca havia sido de 2016, com 112,41 minutos. À época, a concessão era da AES Eletropaulo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.