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Antonio Cícero morreu por suicídio assistido na Suíça; entenda procedimento

Filósofo e poeta irmão da cantora Marina Lima morreu por suicídio assistido na Suíça, onde o procedimento é legal desde a década de 1940

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  • Foto do(a) author(a) Nilma Gonçalves
  • Da Redação

  • Nilma Gonçalves

Publicado em 23 de outubro de 2024 às 11:10

Antonio Cícero morreu de suicídio assistido na Suíça Crédito: Chico Cerchiaro/Companhia das Letras)

O escritor e filósofo Antonio Cicero morreu nesta quarta-feira (23) aos 79 anos. Ele morreu por suicídio assistido na Suíça, onde o procedimento é legal desde a década de 1940. No Brasil, o suicídio assistido e a eutanásia são crimes.

Antonio Cícero estava acompanhado de seu parceiro Marcelo Fies, que deverá trazer as cinzas do escritor para o Brasil nesta quinta-feira (24).

Nos últimos anos, o escritor foi diagnosticado com Alzheimer e se queixou em carta que tinha vergonha de reencontrar os amigos e não reconhecê-los.

Permitido na Suíça, o método consiste em dar fim à própria vida, geralmente por meio da ingestão de medicamentos letais, com acompanhamento médico.

'Essa foi a sua decisão, e era importante para ele que ela fosse conhecida', afirmou um funcionário de Jean-Luc Godard, um dos maiores realizadores do cinema contemporâneo, que morreu aos 91 anos, em setembro de 2022, de suicídio assistido.

O astro Alain Delon também manifestou sua vontade de também cometer suicídio assistido antes de morrer aos 88 anos. A família não confirmou se o procedimento foi realizado, mas diz que respeitou sua decisão.

Delon, conhecido por clássicos do cinema, defendeu a eutanásia como algo lógico e natural para por fim às condições em que vivia após sofrer diversos problemas de saúde, tendo passado por cirurgias cardíacas nos últimos anos, e sofrer um AVC.

Eutanásia e suicídio assistido são temas considerados tabus em países como o Brasil, com fortes questões morais e religiosas.

Eutanásia, ortotanásia e distanásia

Na Suíça, apenas o suicídio assistido é permitido, mas não é exigido que um médico preste assistência para o procedimento. 

Em alguns países, a eutanásia também é permitida. O procedimento consiste no ato intencional de proporcionar ao paciente uma morte rápida e indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável, por meio de injeções letais, desligamento de aparelhos, dentre outros. O paciente deseja a eutanásia (quando consciente) ou há uma autorização de um representante legal.

Advogada em Direito Médico e Bioética, Camila Vasconcelos explica que a diferença básica entre a eutanásia e o suicídio assistido está em quem realiza a conduta. “Neste segundo, quem faz com que o evento morte aconteça é o próprio paciente. Ele é acompanhado e assistido também, em geral, por profissionais de saúde. No primeiro, são os profissionais os responsáveis pelo ato”.

A advogada reforça, no entanto, que no Brasil ambas as práticas são consideradas crimes. De acordo com o nosso Código Penal, a eutanásia se enquadra no artigo 121 como homicídio simples e o suicídio assistido é crime contra a vida, segundo o artigo 122.

Presidente da Regional Bahia da Sociedade Brasileira de Bioética, Camila Vasconcelos diz ser muito importante que se comece a discutir esse tipo de temática no país, para além das universidades, “pois favorece o exercício da liberdade das pessoas, garantido na Constituição brasileira”. Antes, porém, ela diz ser preciso conhecer conceitos como ortotanásia e distanásia.

“A ortotanásia é a morte no momento certo, em que não há outra alternativa, pois todos os tratamentos possíveis de saúde já foram utilizados. Neste caso, suspendem-se as medidas tratamentosas desnecessárias, que não causam nenhuma reversibilidade de quadro ou auxílio ao paciente, e mantêm-se todos os cuidados a ele”, explica.

“A distanásia é o contrário, pois consiste na continuidade de medidas inúteis de tratamento e, muitas vezes, invasivas”, afirma. “O sinônimo de distanásia é obstinação terapêutica, o que é considerado, inclusive, uma espécie de tortura, é desnecessário, tudo o que é feito não traz benefícios”, esclarece Camila.

De acordo com a advogada, a sociedade brasileira ainda vivencia uma situação de completa percepção da utilização da medicina a qualquer custo, sob o fundamento do ‘faça o que puder’. “Só que o ‘o que puder’ extrapola o limite do razoável. Então, hoje, nós estamos discutindo, sobretudo, a necessidade de melhor estabelecimento da ortotanásia, que é lícita, possível (há uma resolução do Conselho Federal de Medicina só sobre ela), para que não precisemos fazer distanásia”.

Setembro Amarelo

Por aqui, enquanto nenhum dos temas (suicídio assistido, eutanásia, ortotanásia) é discutido amplamente na esfera pública (falar sobre suicídio ainda é considerado tabu em nossa sociedade), acompanhamos cada vez mais casos desse tipo, principalmente entre idosos. E já que estamos no Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, vamos falar sobre ele?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que aproximadamente 800 mil pessoas tiram a própria vida por ano em todo o mundo. No Brasil, em 2019, foram mais de 14.500. Ainda de acordo com a OMS, os idosos são o grupo populacional de maior risco. Em 2017, o Ministério da Saúde publicou o último relatório sobre o assunto. Os dados sinalizam que, enquanto a taxa geral de suicídio entre os brasileiros é de 5,8 para cada 100 mil habitantes, entre pessoas com mais de 70 anos ela sobe para 8,9 por 100 mil habitantes. Mesmo com os números alarmantes, este fenômeno ainda recebe pouca atenção de pesquisadores, da mídia e das autoridades da área de saúde pública.

Nos últimos anos, nos entristecemos com as mortes dos atores Flávio Migliaccio, 85 anos, e Walmor Chagas, 82, que cometeram suicídio. Artistas reconhecidos e celebrados, eles tinham em comum o fato de estarem velhos e enfrentando problemas de saúde e mentais. Mas, apesar de nos comovermos com as notícias, será que paramos para pensar sobre suas causas?

Segundo a psicóloga Ana Bárbara Neves, estudos demonstram que o suicídio de idosos está relacionado a fatores como o isolamento social, depressão e o adoecimento. “O envelhecimento é um momento marcado por muito preconceito. De acordo com o Relatório Global sobre Ageísmo, a discriminação contra a pessoa idosa está associada a uma diminuição da expectativa de vida, da saúde física e mental, maior isolamento social, podendo aumentar índices de violência e abuso contra esse segmento da população”, explica.

O ageismo ou idadismo é o preconceito contra a idade avançada. A gerontóloga Graça Senna reforça que a pessoa idosa é vista com muitas ressalvas entre os mais jovens: “A velhice não é bem aceita, ainda é associada à doença, à incapacidade, à falta de produtividade, e isso deixa muitos idosos à margem social. A sociedade precisa entender que estamos em um país que não é mais de jovens, mas de pessoas envelhecidas”, alerta.

Para ela, cada vez mais, é necessário encarar a velhice como algo natural: “A minha orientação é aceitar esse processo de envelhecimento e se cuidar. Cuidar da saúde física, mental, social e espiritual. O primeiro passo é aceitarmos que estamos velhos, quem já está velho; e quem não está no estado de velhice, entender que vamos envelhecer. Isso é uma realidade. Só não fica velho quem morre”.

Vale ressaltar que o CVV – Centro de Valorização da Vida - realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente pessoas de todas as idades que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone (188), e-mail e chat, 24 horas, todos os dias. Para mais informações, o link na internet é cvv.org.br.