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Millena Marques
Publicado em 11 de janeiro de 2024 às 15:27
A associação da limpeza da Basílica Santuário do Nosso Senhor do Bonfim, nos anos iniciais das festividades, ao culto ancestral a Oxalá deu um novo significado à manifestação cultural que é marca simbólica da tradicional Lavagem do Bonfim. A baiana Maria do Amparo, 63, celebra o sincretismo religioso há 10 anos, no Largo do Bonfim, e foi uma das integrantes do coletivo de baianas que lavaram o adro e as escadarias do templo nesta quinta-feira (11).
Filha de Oxalá, considerado o orixá supremo, a baiana destaca a importância da união das religiões durante o cortejo. "Essa é uma tradição de paz. Por meio dela, pedimos proteção ao nosso pai Oxalá, além de conquistas e realizações", afirma.
Maria do Amparo é tão apaixonada pela tradição da lavagem que não conseguiu dormir de quarta (10) para quinta-feira (11), ansiosa. "É o momento que nós pedimos a Deus muito amor e sabedoria para viver. E que Oxalá nos dê saúde para lutar pelo o que queremos", completa.
Cumprir o trajeto de quase 8 quilômetros entre a Basílica Santuário Conceição da Praia até a Basílica Santuário do Nosso Senhor do Bonfim não é mais uma realidade da baiana Avani Adams, 76 anos, uma das responsáveis por lavar o adro e as escadarias da igreja do Bonfim no dia da tradicional festa. Embora não realize o percurso em razão idade, a filha de Oxum chega cedo ao Largo para cumprir o ofício de mais de 55 anos.
Antes das 8h desta quinta-feira (11), quando os devotos que fazem a caminhada ainda estão chegando no Comércio, Avani marca presença no Largo do Bonfim ao lado das colegas baianas. "Nós aguardamos o cortejo chegar ao lado da igreja. É muito importante fazer parte desta celebração. Sem as baianas, não existiria Lavagem do Bonfim", diz.
Conhecida como uma das festas que melhor representa o sincretismo religioso no estado, quiçá do Brasil, a Lavagem do Bonfim é celebrada por católicos e pelo povo de santo. Quem é católico celebra Jesus, o Senhor do Bonfim, enquanto o povo de santo honra Oxalá. Neste ano, a festa também faz menção aos 270 anos da inauguração da Basílica Santuário.
"Nós, de matriz africana, celebramos Oxalá, o primeiro e maior. É muito para nós celebrar esse dia", afirma.
O respeito por todas crenças fez parte do discurso do reitor da basílica, padre Edson Mentes, antes da bênção. "Devemos combater o racismo, o radicalismo e violência. Não devemos fortalecer as culturas dos muros, mas sim as culturas do encontro, do amor, da fraternidade e da paz", afirma o sacerdote.
Colega de Avani, Edivalda Oliveira, 67, também aguarda a procissão chegar ao lado do templo. A baiana faz parte da tradição desde os 10 anos, acompanhada da avó, que também lavava as escadarias. "Lavar as escadarias é um movimento simbólico. Nós usamos água de cheiro, que é limpa o corpo e tira tudo que é negativo", afirma.
Lucília Menezes, 84, não sabe dizer com exatidão quando começou a participar da Lavagem do Bonfim. Desde menina, a baiana era a companhia da mãe, fiel devota do Senhor Bonfim. Lucília é baiana receptiva, aquela que participa de eventos culturais, mas não vende o acarajé, e católica. Ela, assim como o trio acima, defende a união entre o catolicismo e as religiões de matriz africana. "O povo do candomblé celebra Oxalá e nós, católicos, celebramos Senhor do Bonfim. É tradição", afirma.
O adro e as escadarias foram lavados por volta das 14h, após a chegada do governador Jerônimo Rodrigues. Cada baiana com seus potes de água e as plantas preferidas de seus orixás. Avani Adams, por exemplo, levou o manjericão miúdo, de preferência do seu orixá. "Oxum e Iemanjá gostam de flores cheirosas. Outros orixás gostam de plantas mais 'pegadas', como aroeira e espada de Ogum", diz Avani.