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Laura Fernades
Publicado em 6 de abril de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Logo que a quarentena chegou, veio a dúvida: adotar ou não as atividades da escola dentro de casa? A relação entre pais e filhos no período do isolamento virou até tema para meme. De um lado, estão os super dedicados que topam tudo para cumprir a lista de tarefas propostas. Do outro, os desesperados que não estão conseguindo acompanhar a demanda.
“Queria saber das mães do grupo se tem mais alguém surtada, ou se sou só eu”, diz um áudio bem-humorado que tem circulado no WhatsApp. “Estou ficando com ódio de cada professora que me manda link para ver exercício. Não tenho condição, gente, não sou pedagoga. Aqui é o seguinte: férias para todo mundo, acabou o homeschooling, não aguento mais isolamento social. Surtei. Pronto, falei”, diz outro trecho.
Humor à parte, o debate em torno do homeschooling, ou ensino doméstico, tem dividido pais e mães que têm sido convidados a refletir ainda mais sobre a educação dos filhos. “Tô muito tranquila em relação a isso, consciente de que não sou professora, não sou pedagoga, tenho meus limites”, confessa a empresária Renata Rios, 41 anos, sobre a criação dos filhos João, 6, e Francisco, 5.
Equilíbrio Apesar da tranquilidade, Renata admite que já encomendou uma impressora “com entrega rápida” para estar preparada quando a escola começar a enviar as tarefas. Enquanto isso, entretém os filhos com circuitos que encontra na internet. “Fita adesiva no chão, cones... Todos os pais precisaram recorrer a isso”, defende, rindo.
Os grupos de WhatsApp têm ajudado na escolha do que oferecer para a criança, ao mesmo tempo em que têm servido como “terapia em família”, em sua opinião. “Tem dias que uma vai e dá uma desabafada, aí todo mundo vem e ajuda… Ao saber que está todo mundo com as mesmas ânsias, você se permite sofrer”, conta Renata, aliviada.
Às vezes a vontade é de falar “um ‘pode!’ bem grande” para tudo, confessa a empresária, rindo. “É cansativo, mental e fisicamente limpar a casa, pensar no que vai comer...”, desabafa. “Os pratos se multiplicam e você não tem o que fazer”, completa Renata. Por isso, ela e o marido cedem bastante: a televisão passou a ser mais presente na rotina da casa.
Mas a empresária conta que busca manter o equilíbrio. “Tenho que propor coisas aos meus filhos, como mãe, como responsável pela sanidade mental deles. O ócio é importante, mas por muito tempo não é legal. Mas, tô longe de querer me colocar como aquela mãe que não vai parar. Eu existo. Tem que encontrar o equilíbrio”, afirma.
A modelo e atriz Daniela Koch, 32, segue a mesma linha de pensamento. Por isso, não deixa de fazer seus treinos funcionais diários por videoconferência, na varanda de casa, ao mesmo tempo em que cuida do pai de 78 anos, que está se recuperando de uma cirurgia oncológica, e do filho, Bernardo, 5. O equilíbrio também está na forma como conduz as atividades do filho.
“Os professores estão mandando semanalmente as atividades e, de fato, só faço o que tem um prazer por trás. Hoje, mesmo, foi pintar a família. A outra tarefa, uma conta de soma, já não era tão prazerosa e eu não fiz porque acho uma angústia. Então, decidi jogar com ele de acordo com a atividade do dia: essa semana foi Banco Imobiliário”, conta Daniela.
No início, foi “um desespero”, confessa a atriz, que agora está conseguindo lidar melhor com a quarentena. “No momento, estou focando muito na saúde mental. Confesso que não estou preocupada se o fato de não fazer uma coisa didática vai acarretar algum prejuízo, porque estou preocupada com o emocional dele”, defende, sobre o bem-estar do filho.
Afetividade “Completamente contra” o Ensino à Distância (EAD) que coloca as crianças na frente do computador por horas seguidas, a psicóloga Fabiana Malheiros, 41, acredita que o aprendizado acontece pela afetividade. “Na primeira infância o que importa é o contato, é o toque. Sou adepta de que a escola mantenha vínculo com as crianças, mas não sei se com professor mandando vídeo”, pondera.
Fabiana sabe que vai chegar um momento em que vai precisar ter uma rotina de atividades com as filhas Júlia, 5, e Lara, 8, mas nesse início resolveu deixar as coisas fluírem. Afinal, não queria mergulhar nessa “avalanche de informação”. “Tanto da televisão, quanto das mães o tempo todo dizendo ‘estou fazendo isso, fazendo aquilo’. Fiquei meio atordoada, mas resolvi não ficar nessa neura, porque é isso o que o corona ensina: não temos controle”, reflete.
Por enquanto, suas filhas estão escolhendo as atividades que querem fazer - pintar, desenhar, plantar, fazer bolo. Além disso, Júlia e Lara têm ajudado mais nas tarefas de casa. “Isso é um ganho: educar é um investimento e é importante dizer ao seu filho que tem que tirar o prato da mesa, pegar a toalha da cama”, defende Fabiana.
Para a psicóloga, o tempo era algo que as pessoas tinham pouco antes do coronavírus. Hoje, “a gente tem tempo de sobra para enxergar que a gente pode investir esse tempo na educação de nossos filhos”. “Eles vão aprender no dia a dia, mais do que nunca. Aprendizado na educação doméstica”, arremata.
Reconexão Professora da educação infantil, além de psicóloga e brincante, Gabriela Leite, 27, tem observado um alto grau de ansiedade nas famílias que precisam lidar com a educação em casa, nesse momento. O motivo, em sua opinião, é óbvio: “os responsáveis não se sentem qualificados para exercer o papel de educador e há um receio em guiar uma atividade proposta, com uma condução inadequada”.
“Acredito que os educadores das instituições precisam se fazer presentes nesse momento, através de gravações de vídeo ou chamadas ao vivo, no intuito de orientar as famílias nesse processo, como também interagir com seus alunos”, defende Gabriela. Para ela, existe uma linha tênue nessa discussão sobre a educação em casa.
De um lado, explica, estão as escolas que não podem parar e buscam alternativas para assistir seus alunos, na busca por garantir a continuidade no processo de aprendizagem. Do outro, existem as famílias “que têm suas demandas individuais, além da falta de instrução”.
“Porém, em se tratando da Educação Infantil, acredito que o conteúdo que precisa ser transmitido nesse momento é de solidariedade, empatia e cuidado. Estamos vivendo um período que nos convida a repensar nossos hábitos, nossas prioridades”, reflete. “Ter crianças em casa não deve ser motivo de desespero, mas de reconexão”, completa.
Pontos positivos da escola em casa
Rotina Mesmo sem aula, as crianças não serão prejudicadas com o atraso no conteúdo que cabe nesse momento e mantêm seu tempo ocupado com atividades educativas. Os horários são mais flexíveis e se adequam à rotina da família.
Vínculo Fortalecimento do vínculo entre as crianças e seus pais, que passam a acompanhar mais as atividades. Ao mesmo tempo, a continuidade das aulas proporciona a manutenção da conexão entre a escola e seus alunos.
Suporte Com as atividades fornecidas pela escola, os pais podem contar com o apoio dos professores para saber como abordar os filhos. Isso faz com que eles não fiquem perdidos com a condução da educação em tempos de quarentena.
Personalização Atenção individualizada nas atividades propostas. Na escola, como as atividades são feitas em grupo, nem sempre o educador consegue dar atenção a todos os alunos. Em casa, a criança tem a atenção exclusiva do adulto.
Qualidade no dia a dia Com a escola dentro de casa, não é necessário pegar trânsito para levar as crianças para a aula. Além disso, é possível acompanhar de perto a mudança de diálogo dos filhos, o crescimento da maturidade que muitas vezes surpreende os pais, o interesse pelo momento atual.
Pontos negativos da escola em casa
Privações A necessidade de seguir algum tipo de “cronograma”, e “estressar” as crianças com atividades que não trazem prazer, em meio ao momento delicado como o que vivemos, que já reúne inúmeras privações.
Socialização Impossibilidade de acontecer a troca presencial com outras crianças da mesma faixa etária durante as atividades, algo indispensável nessa idade. Além disso, distanciamento do contato com os professores.
Inexperiência Falta de conhecimento específico na pedagogia de crianças em casa, o que faz com que os responsáveis não se sintam qualificados para exercer o papel de educador e tenham receio de uma condução inadequada.
Excesso O exagero de atividades dirigidas rompe com algo fundamental no processo de aprendizagem: a liberdade de expressão, a criação de hipóteses, o impulso criativo, a busca pela autonomia das crianças.
Rotina Dificuldade de manter uma rotina com os pequenos, já que muitas vezes a vontade dos pais é de permitir tudo o que eles pedem, para poder deitar e descansar. Os interesses das crianças mudam a todo instante, a casa fica bagunçada e elas ficam entediadas rápido.