Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Gil Santos
Publicado em 22 de dezembro de 2022 às 05:30
Quem for passar o Natal na casa do professor Romário Oliveira, 27 anos, em Feira de Santana, vai levar um susto. A família resolveu romper totalmente com a tradição natalina e terá um lindo peixe no centro da mesa. O motivo dessa quase heresia são os preços das aves. Peru está fora de cogitação, e o frango já faz parte da dieta de todos os dias. >
“Já tem alguns anos que o Natal lá em casa é peixe. Primeiro, pelo preço, que é mais em conta. Segundo, pelo gosto. A gente chegou a comprar frango por um tempo e rechear, mas mudamos para o peixe nos últimos anos e achamos melhor, dá para fazer muitas receitas. A gente também faz muitos pratos de forno”, explicou. >
Mas nem sempre foi assim, quando passava os natais na roça, no município de Baixa Grande, no Centro-Norte do estado, onde mora outra parte da família e onde aves como perus e frangos são criados no quintal, a festa seguia a tradição direitinho. “Depois que passamos a celebrar o Natal em Feira foi que mudamos para peixe”, contou o professor. O problema é geral. Entre 2012 e 2021, a produção brasileira de carne de peru registrou uma queda de quase 65%.>
Ao contrário dos Oliveira, outras famílias não vão instalar uma Semana Santa em pleno dezembro, mas já decretaram que o peru não terá lugar no centro da mesa. É que o preço da ave não está para qualquer bico. O quilo do alimento mais tradicional da festa está custando quatro vezes mais que o frango. >
Uma pesquisa realizada pela reportagem em uma plataforma de compras online aponta que o peru de 4 kg custa entre R$ 113,96 e R$ 160,56 em Salvador. O preço varia conforme as características de cada produto. Se for temperado, por exemplo, encarece. Já o frango inteiro congelado, custa entre R$ 33,04 e R$ 48,10. >
Outra opção é o chester, afinal são todas aves, mas há quem diga que elas não são iguais. E qual é a diferença? “É que um faz ‘gluglu’ e o outro ‘cocoricó’, né não?’, brincou o agricultor Márcio Lima, 47 anos. A família mora na cidade de Cachoeira, no Recôncavo, e está indecisa entre o frango e o chester. A única certeza é de que definitivamente não terá peru na ceia. “É muita gente. Além das pessoas que moram aqui, tem os parentes que vem de fora. Todo ano a gente prepara duas ou três aves, além do churrasco que tem no dia seguinte. Então, comprar três perus fica salgado. Está quase certo que será frango. Bem temperado e recheado, ele fica ótimo e ainda tem os acompanhamentos”, conta. O preço do chester também pode assustar aqueles que deixam para fazer as compras de última hora. Um levantamento realizado pelo CORREIO revelou que o produto teve aumento de 63%. Se podia ser encontrado por R$ 85, em 2021, agora custa, em média, R$ 129,99. A unidade de 4kg chega a ser vendida por R$ 160,56 em supermercados da capital, mas é possível encontrar o produto por R$ 101,27. >
Diferenças A chef do Restaurante Ramma Cozinha Natural, na Barra, Flávia Nolêto, explica que o peru é uma ave mais musculosa que o chester e o frango, com carne mais seca, rígida e de sabor acentuado. O animal leva mais tempo para ser abatido, é maior e exige um período mais longo de preparo. >
“O chester é basicamente um frango maior que o convencional, porque foi modificado através de cruzamento. Esse nome é uma marca registrada, assim como outras marcas usam o nome ‘frango especial’ ou ‘frango de natal’. A alimentação dele é diferente do frango comum, a base de soja e milho, e o tempo de abate é maior”, diz. >
Enquanto um frango comum leva em média 35 dias para ser abatido, o chester ou frango especial precisa de 50 dias para alcançar o peso adequado. Além disso, ele concentra 70% da carne na coxa e no peito, o que torna a refeição mais suculenta, diferente da ave comum que tem apenas 45% de proteína nessas partes. “Não existe diferença do ponto de vista nutricional para o consumidor, a escolha da ave é mais influenciada pelo sabor. O que temos percebido nos últimos anos é que o frango orgânico tem ganhado mais espaço nos mercados. Há dois anos, era mais difícil encontrar nos mercados, hoje, está muito mais fácil”, conta a chef. O frango orgânico é considerado mais saudável que o tradicional, porque tem uma alimentação livre de agrotóxicos, medicamentos e outros produtos químicos. Em Ondina, na casa do estudante Emanoel Santos, 30, há anos o principal produto da ceia não muda. Quando a família morava em Itapetinga, no Centro-Sul do estado, o peru tinha preferência, mas depois que migraram para a capital e viram o preço da ave em Salvador, trocaram de proteína. >
“Aqui em casa sempre foi chester. Por questão de gosto e também de valor. Desde que mudamos para Salvador optamos por ele também por questões de logística, é mais rápido e mais fácil de preparar que o peru, mas independentemente da carne o importante é celebrar e reunir a família”, revela. A dúvida, agora, é se teremos uva passa no arroz e maçã na maionese esse ano. >
Religião Apesar de ter um lugar especial na ceia, o peru não tem relação com a tradição religiosa. O pároco da igreja de São Paulo Apóstolo, no IAPI, Ricardo Henrique Santana, explica que essa é uma tradição comercial que surgiu nos EUA e foi incorporada pelos brasileiros, mas que a ave no centro da mesa não tem significado para os cristãos. >
“A alimentação é importante para o cristianismo, não há celebração sem alimento, mas a Igreja não oferece cardápio. A Ceia de Natal é feita conforme as condições de cada pessoa e o peru é uma tradição comercial. O importante é celebrar a alegria pelo nascimento de Jesus Cristo e a fraternidade com familiares e amigos”, explica. >
Ele frisa que a ceia ocupa um lugar especial ao lado do presépio como os maiores símbolos da festa. As quatro velas, a estrela sobre a árvore, o anjo e os sinos pendurados também têm relação com a celebração. Já o panetone passa batido. >
“É um alimento que simboliza o pão, mas que também é produto de uma tradição comercial. A Igreja apresenta o nascimento de Cristo e os símbolos dessa data, narrada nos evangelhos de Lucas e de Mateus, enquanto a sociedade vai criando suas tradições comerciais de acordo com cada cultura. É um diálogo possível”, afirma.>
*Colaborou Maysa Polcri>