Perigo na rua: maioria dos presos liberados em Feira é assaltante

Até a tarde desta segunda (1º), 101 detentos já tinham ido para prisão domiciliar

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  • Bruno Wendel

Publicado em 2 de outubro de 2018 às 05:00

- Atualizado há 2 anos

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Foto: Ed Santos/Acorda Cidade Imagine a situação: um homem está num restaurante, quando outro chega e começa a lhe cobrar uma dívida: “Pensou que eu ia ficar preso muito tempo? Eu já saí e quero meu dinheiro”. A cena aconteceu no sábado (29), em Feira de Santana, Centro-Norte, onde 101 presos do regime semiaberto já foram mandados para casa por  ordem judicial - serão 320. “São estupradores, homicidas, traficantes. Nós não discutimos decisão judicial, estamos aqui para cumprir”, disse o diretor do lugar, Allan Araújo.

Um levantamento feito pela Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap) aponta que, dos 94 detentos enviados para a prisão domiciliar até a manhã desta segunda-feira (1º), 37 respondem por roubo com uso de arma de fogo - 40% do total. Já os traficantes somam 31 e equivalem a 33%; homicidas são 11 (12%) e acusados por estupro, 9, ou seja, 10%. Os que respondem por crimes como porte de arma e formação de quadrilha são 6 (5%). 

A decisão de mandar tantos presos para casa foi do juiz da Vara de Execução Penal de Feira de Santana, Waldir Viana. De acordo com o magistrado, a decisão visa cumprir a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que não podem ser mantidos no mesmo ambiente detentos com regimes de custódia diferenciado, o que vinha ocorrendo no Conjunto Penal de Feira.

Em uma das decisões, que mandou para a prisão domiciliar um condenado a oito anos por estupro de vulnerável, o juiz diz que, além da ausência de separação dos presos do regime fechado, há “inexistência de oferta minimamente razoável de trabalho externo e de ensino regular e profissionalizante” e que a unidade é inadequada aos “requistos do regime semiaberto”.

Até a manhã desta segunda-feira (1º), ele já havia autorizado a liberação de 135 presos. “O correto seria com o monitoramento eletrônico, mas tive que dispensar por que o Estado não tem tornozeleiras eletrônicas para o interior”, declarou o juiz. Na última quinta-feira (27), em entrevista ao CORREIO, o magistrado disse que já vinha alertando a Seap sobre o problema há dois anos.

‘Soltura total’ O secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização, Nestor Duarte, justificou que a convivência entre os presos do regime fechado e semiaberto é uma questão pontual. “Apenas 2% não estavam separados por questões específicas, como o fato dos caras serem de outra facção, pode ter provisório junto aos apenados. Foi colocado para não haver problemas, pois a responsabilidade de cuidar é nossa”, declarou. 

Ele disse que vai recorrer. “Decisão judicial a gente cumpre, mas vamos recorrer, até porque prisão domiciliar é soltura total”, comentou. Duarte falou também sobre os riscos do benefício. “Eles podem agredir a sociedade ou até serem mortos. Semana passada, um preso com tornozeleira foi morto com tiros na cabeça”, declarou.

Sem fiscalização Os detentos beneficiados com a progressão são todos do regime semiaberto. Mesmo liberados para suas casas, eles devem continuar tendo obrigações com o Judiciário. 

O problema é que, sem tornozeleiras, não haverá como fiscalizar se os presos cumpirão as regras. “Não temos como vigiar. O presídio atende a 70 comarcas. Tenho como fiscalizar na unidade, mas não tenho como acompanhar nas casas se estão cumprindo as regas”, disse. 

O presidente da Ordem do Advogados do Brasil - Secção Feira de Santana, Marcus Carvalhal, também vê a situação com preocupação. “A decisão do juiz está amparada pela lei, mas nós vemos com preocupação, pois não há um acompanhamento real dessas pessoas, já que não temos tornozeleiras eletrônicas no interior”, disse. A Bahia tem 300 tornozeleiras, para Salvador e Região Metropolitana.

Questionado se a decisão tomada em Feira poderia chegar a outros locais, o Tribunal de Justiça da Bahia disse que essa decisão “é exclusivamente do juízo da execução do local de cumprimento da pena”.

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População carcerária De acordo com dados divulgados pela Seap no último dia 3 de setembro, Feira de Santana tem a segunda maior população carcerária da Bahia: são 1.848 detentos no Conjunto Penal, embora a capacidade do lugar seja de 1.356.

Após a liberação de 320 presos, a fiscalização ficará a cargo da polícia. “O que podemos fazer: o presídio vai enviar uma lista dos sentenciados para o comando da Policial Militar da região e para a 1ª Coorpin (Coordenadoria de Policiamento do Interior) de Feira. Esses dados são incluídos no sistema de informações, de modo que os policiais possam fiscalizar, mesmo com toda a dificuldade”, disse o juiz Waldir Viana.

Ele afirmou ainda que os presos terão que usar as tornozeleiras eletrônicas assim que o Estado providenciar os equipamentos. Os detentos deverão ser localizados através de um banco de dados. Procurada para saber se houve aumento no policiamento na cidade, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) disse que a informação é “sigilosa”.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministério Público da Bahia (MPE-BA) e a Defensoria Pública do Estado não se posicionaram até o fechamento desta edição.

Regras O juiz Waldir Viana determinou que os detentos liberados devem comparecer uma vez por mês ao judiciário, não podem mudar de domicílio e local de residência sem comunicar ao magistrado, bem como devem permanecer em casa entre 22h e 6h, sendo proibidos de, em qualquer horário, frequentar bares ou locais onde há comércio de bebidas alcoólicas, práticas de jogos de azar, prostituição, ou atividades ilícitas.

Atualmente, as 300 tornozeleiras eletrônicas disponíveis para Salvador e Região Metropolitana funcionam em regime de comodata – a empresa só disponibiliza o equipamento quando há necessidade. Segundo a Seap, 126 estão em uso e o custo mensal de cada uma é de R$ 250,83. Ainda de acordo com a pasta, uma licitação, que está em andamento, prevê a aquisição de 3.200 equipamentos para serem utilizadas na capital e no interior.

Inspeção Em relatório enviado na última quarta-feira (26) ao sistema Geopresídios, do Conselho Nacional de Justiça, o juiz da Vara de Execução Penal de Feira de Santana classificou como “péssima” as condições do Conjunto Penal. O magistrado informou no documento que “não existe a separação dos presos pelo regime e nenhum dos requisitos legais do regime semiaberto existe. Não é, de fato, semiaberto”. Ele também pediu a aplicação imediata da súmula do STF.   Segundo relatório da inspeção, a unidade possui apenas 172 agentes penitenciários, que trabalham em turnos diferenciados. Em números absolutos e levando em consideração a presença simultânea de todos os agentes, pode-se dizer que o conjunto penal possui 1 agente para cada grupo de 11 detentos.

O Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostrou que, até agosto de 2018, a Bahia tinha 16.273 pessoas privadas de liberdade, sendo 15.715 homens (96,5%) e 558 mulheres (3,4%).

Deste total, 49,88% são presos provisórios, ou seja, que não foram sequer condenados. No ranking de presos provisórios, a Bahia está atrás apenas de Alagoas, Rio de Janeiro, Amazonas e Ceará.