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Carolina Cerqueira
Publicado em 30 de agosto de 2021 às 19:20
- Atualizado há 2 anos
Os olhares de quem vem da Praça Castro Alves subindo a Rua Chile, no Centro de Salvador, são atraídos pela beleza do painel artístico de quase 13 metros de concreto armado na fachada do Edifício Bráulio Xavier. É a obra "A Colonização do Brasil", de autoria do artista plástico Carybé e tombada pela Fundação Gregório de Mattos. Toda essa beleza, no entanto, está ameaçada pelos descuidos do homem a partir da ação da natureza. Uma infiltração de mais de cinco anos está danificando a obra instalada em 1964 e restaurada pela prefeitura em 2018.
De acordo com a administração do condomínio, a infiltração começou por falta de escoamento da água da chuva em um terraço que pertence ao proprietário de todo o espaço do quinto andar do edifício. Devido à falta de manutenção, o problema se alastrou até os andares de baixo. As salas 401 e 301 já foram atingidas. Esta última é onde funciona a sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia (Sinjorba).
A parte mais alta do painel de Carybé, correspondente ao terraço, apresenta manchas de coloração preta que já começam a se alastrar para as partes de baixo. A obra foi tombada pela Fundação Gregório de Mattos em janeiro de 2020, junto com outros 18 painéis do artista e o Marco Comemorativo da Fundação da Cidade. A solicitação do tombamento dos painéis partiu do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, a partir da recomendação do conselheiro Nivaldo Andrade.
No interior do edifício, as imagens mostram o tamanho do problema. De acordo com o sindicato, a sala 401 está abandonada e o proprietário, assim como o do quinto andar, não agiu para conter os danos, que chegaram até a sala 301, sede do Sinjorba, em 2019. Até hoje, o problema não foi solucionado. Estragos causados pela infiltração na sala 401 (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Na sala 401, o teto está bastante comprometido, já é quase possível ver a estrutura e o mofo tomou conta do espaço. Na 301, a infiltração atingiu parte do teto e a parede do fundo. Houve um alagamento em julho do ano passado e uma parte do piso se soltou, destruindo documentos. Materiais de filiação de personalidades como Jorge Amado e ACM, que integraram o sindicato, além de livros e jornais, correm o risco de serem danificados.
Segundo o presidente do Sinjorba, Moacy Neves, a sala apresenta goteiras e um curto-circuito na instalação elétrica provocou a perda de um computador. “Há risco estrutural e humano, uma vez que a qualquer momento partes do teto podem desabar ou uma pessoa pode tomar choques”, reclama.
Ele acredita que a sede não poderá mais ser utilizada a partir dos próximos dias, já que o local apresenta riscos. “Já tentamos contato com o condômino várias vezes e não conseguimos, agora nos resta o apelo à Justiça, para evitar ainda mais prejuízos financeiros e administrativos”, afirma Moacy Neves. Infiltração atingiu a sede do Sinjorba, no quarto andar do edifício (Foto: Paula Fróes/CORREIO) O sindicalista também lamenta que, além da sede do Siniorba, único bem que o Sindicato dispõe, o painel de Carybé esteja sofrendo as consequências da infiltração. “Trata-se de um dos mais belos registros do artista em Salvador, em uma área turística que está sendo revitalizada, com a abertura de hotéis, obras públicas e reforma de prédios antigos”, registra Moacy.
O administrador do edifício, Reinaldo Oliveira, teme que o condomínio tenha que arcar com os reparos do painel. “Eu estou muito preocupado com o custo disso. Se a infiltração se espalhar pelo painel, como a gente vai arcar com isso? É culpa do morador, o terraço pertence a ele. O condomínio acaba ficando numa situação complicada”.
Providências
Segundo o presidente do sindicato, o proprietário do quinto andar do prédio já foi procurado por seis vezes, sem sucesso. O condomínio também não conseguiu diálogo com o morador. Uma ação judicial do edifício contra o proprietário e mais dois sócios está em curso na 7ª Vara Cível de Salvador desde 2016. De acordo com o processo, trata-se de Raimundo dos Santos Moreira, dono de uma empresa de contabilidade que funciona no andar, e dos sócios Pedro de Alcântara dos Santos Moreira e Sabino Moreira de Oliveira.
Por meio de liminar, foi determinado que os acusados fizessem os reparos indicados no laudo técnico anexo ao processo. O prazo era de 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 200. Algumas providências foram tomadas, como a colocação de uma manta no terraço, mas as exigências do laudo não teriam sido totalmente atendidas, fazendo com que a infiltração persistisse.
Em julho deste ano, o condomínio incluiu uma petição ao processo para mostrar os novos danos causados e pedir providências. No documento, é informado do risco de desmoronamento caso não seja feita uma intervenção urgente. O Sinjorba afirma que também está ingressando com uma ação judicial por danos material e moral contra o proprietário do terraço e está acionando a Codesal e a Fundação Gregório de Mattos para que sejam tomadas providências.
Procurada pelo CORREIO, a Defesa Civil de Salvador (Codesal) afirmou que ainda não foi informada sobre o problema e que realiza vistorias relativas a falhas construcionais e áreas de risco, podendo as partes interessadas entrar em contato com o órgão através do número 199 para solicitar uma vistoria. As ações corretivas caberiam ao condomínio, já que trata-se de um prédio particular.
Já em relação ao painel de Carybé, tombado pela Fundação Gregório de Mattos, a fundação afirmou que irá solicitar uma vistoria para avaliar as condições da obra e que prestará mais esclarecimentos em breve.
O CORREIO não conseguiu contato com o proprietário do quinto andar do edifício e com os sócios da empresa de contabilidade que funciona no local. *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro