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Roberto Midlej
Publicado em 28 de setembro de 2022 às 09:07
Médicos transplantadores de medula óssea e equipe multidisciplinar do Hospital São Rafael Em 2017, a pedagoga pernambucana Rosângela Menezes, agora com 51 anos, começou a sentir alguma indisposição e tinha picos de pressão. Ia a uma emergência e lá diziam que era virose. Mais tarde, surgiram dores, que se espalharam por diversas partes do corpo e ela começou a perder muito peso. Depois, notou o surgimento de carocinhos no pescoço e no abdômen.
Inconformada com o diagnóstico de virose, consultou um médico, que lhe passou uma série de exames. Aí, veio o resultado: linfoma em estágio avançado. A doença - um conjunto de cânceres que atacam o sistema responsável por ajudar a combater infecções - já havia atingido a coluna cervical, pulmão, baço e outros órgãos. Em seguida, Rosângela começou a saga do tratamento, que resultou em quase 30 sessões de quimioterapia. Agora, Rosângela já não apresenta sinais da doença e isso já faz quase dois anos. Mas a boa notícia não veio graças às intermináveis sessões de quimio. O sucesso aconteceu graças a uma novidade científica: a terapia celular CAR T-cell, que modifica as células geneticamente e não requer uso de nenhum remédio.
A técnica, muito moderna, já é adotada comercialmente nos EUA, Europa e China, Austrália e Canadá. No Brasil, já foi aprovada pela Anvisa e agora está numa segunda fase, que determinará o preço do tratamento e permitirá que seja comercializado. No país, apenas cerca de 15 pacientes foram submetidos à terapia, que, por enquanto, só existe em Salvador e São Paulo, onde ainda acontecem estudos clínicos.
E Rosângela, que vive em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador, foi uma dessas privilegiadas. "Hoje, voltei à minha vida normal, depois de três anos afastada do trabalho. Saio de casa às 6h30 e volto às 17h30. E ainda tenho energia para realizar as atividades domésticas", garante a pedagoga. Depois de perder 11 kg, voltou aos 71 kg, que tinha antes de apresentar os primeiros sintomas da doença. Marco Aurélio Salvino, coordenador do Centro de Terapia Celular do São Rafael Salvador O tratamento de Rosângela aconteceu no Hospital São Rafael D'or, no Idor - Instituto de Pesquisa D'or. A paciente foi acompanhada pelo médico Marco Aurélio Salvino, paulista de 45 anos que é também professor de hematologia da Ufba, pesquisador de hematologia do Idor e coordenador do Centro de Terapia Celular do São Rafael.
Salvino diz que "muito provavelmente" Rosângela está curada. Mas o médico afirma que ela só pode ser realmente considerada curada depois de cinco anos sem retorno da doença. "Mas no caso dela, a doença está em franca remissão", assegura.
O médico é muito otimista em relação à CAR T-Cell, mas prefere não falar em milagre, principalmente porque se fala de uma doença que já teve muitas vezes sua cura anunciada. "No linfoma e leucemia, as chances são muito boas, ao redor de 50%. Pode não parecer muito, mas estamos falando de casos terminais. Falamos de um cenário de passar a poder ter cura onde antes não tinha".
A Car T-Cell é usada em cânceres relacionados ao sangue: linfomas agressivos; linfomas indolentes; leucemias agudas da infância e do adulto e mieloma múltiplo em fases avançadas. E o futuro é promissor, segundo Salvino: "Em até dez anos, a maioria dos cânceres, inclusive aqueles que não são hematológicos, terá sua própria terapia celular".
A comercialização do inovador tratamento deve ser aprovada em breve e o valor será de 300 mil a 500 mil dólares (1,5 milhão a 2,6 milhões de reais) por paciente. Portanto, inacessível a praticamente todos os brasileiros. Por isso, o Instituto Butantã, em São Paulo, desenvolve um projeto que deixará o CAR T-Cell mais acessível e poderá permitir que o SUS banque o tratamento.
Salvino é enfático: "É muito importante que os estados façam um movimento para que não fiquem refém desses valores atuais. Então, é essencial que a gente desenvolva essa tecnologia no Brasil. Os governos precisam ficar atentos neste momento, ou pagarão muito caro no futuro". O médico acrescente que a Bahia tem tecnologia para desenvolver essa pesquisa.
O CAR T-cell Atualmente, o paciente sob o tratamento de CAR T-cell permanece no Brasil, mas o sangue dele "viaja" para os EUA e lá se submete à modificação genética. Isso, claro, encarece o procedimento. Salvino aponta a logística como um dos fatores que o torna mais caro, já que o sangue precisa ser congelado no Brasil, transportado para os EUA - onde as células passam por modificação - depois retorna para o Brasil, para, novamente ser infundido no doente.
Salvino explica como ocorre o procedimento: "Primeiro, o paciente é submetido a uma coleta da célula T, que é um linfócito de defesa do corpo. Essas células são modificadas geneticamente para que elas sejam reinfundidas no corpo. Elas retornam ao sangue como um míssil direcionado para um alvo, que é um tumor. Ela resolve o problema do câncer sozinha, sem necessidade de remédios, porque foram 'turbinadas', para se tornar uma super célula contra o câncer".
Salvino reconhece que os efeitos colaterais da Car T-cell não são leves. Porém, são limitados a um período curto de tempo. Entre os efeitos mais graves, está uma inflamação bastante acentuada, inclusive do sistema nervoso central. Mas esses casos são solucionáveis em 95% das ocasiões. Além disso, o médico faz uma importante ressalva: "A Car T-cell é aplicada em casos terminais, portanto os benefícios são muito relevantes diante desses efeitos".