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No vermelho: 52% das entidades filantrópicas estão endividadas na Bahia

Em cinco anos, 11 instituições que atendiam pelo SUS fecharam as portas

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 20 de abril de 2022 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

A Bahia possui 91 entidades filantrópicas que prestam atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dessas, 52% estão endividadas, ou seja, encerraram o ano de 2021 com déficit financeiro. Nos últimos 5 anos, 11 fecharam de vez as portas no estado. As informações são da Federação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Estado da Bahia (Fesfba). Dentre as instituições em crise estão as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), que lançaran na segunda (18) uma campanha para arrecadar doações, o Hospital Infantil Martagão Gesteira e o Hospital Aristides Maltez, referência nacional em tratamento de câncer. 

A presidente da Fesfba, Doraides Nunes, aponta que aquelas entidades que não fecharam enfrentam outras consequências da crise, como corte de funcionários, serviços e materiais. Conforme a situação aperta, as instituições se veem obrigadas a recorrer a empréstimos e, assim, o déficit só faz crescer. Os repasses do SUS deveriam cobrir 100% dos custos dessas unidades, mas, na prática, não é o que acontece. Essas verbas são dadas pelo Ministério da Saúde ao governo do estado; este, por sua vez, repassa aos municipios. O repasse às entidades podem ser feitos diretamente pelo governo estadual ou pela administração municipal. 

“Já é comprovado hoje, matematicamente, que o SUS não custeia 100% dos procedimentos, fica apenas em 60%. Numa consulta médica, por exemplo, o SUS paga R$ 11; nenhum profissional se submete a isso”, afirma a presidente.

De acordo com a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), as dívidas já chegam a R$ 20 bilhões se somadas todas as Santas Casas do país. A Fesfba afirmou que ainda não há um balanço das dívidas na Bahia porque as entidades ainda estão fechando as contas referentes a 2021. 

Doraides Nunes ressalta que, durante a pandemia, o Governo Federal repassou R$ 2 bilhões para as Santas Casas do Brasil, mas que isso não foi suficiente, já que os custos desses hospitais, durante o período, triplicaram. “Além disso, tem uma ação que tramita no Congresso para aprovação do PL 2564/20, que daria reajuste aos salários dos profissionais da enfermagem. Mas o PL não tem indicação de fonte de recurso para viabilizar esses pagamentos. Isso causará um impacto direto nas folhas destas instituições em mais de 50% para enfermeiros e mais de 120% para técnicos e auxiliares de enfermagem”.  Hospital Santo Antonio das Osid  (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Entidades pedem socorro

O déficit das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) é de R$ 24 milhões. Segundo a instituição, já está sendo necessário renegociar contratos com fornecedores e prestadores de serviço. Os repasses do SUS para as Osid não tem reajuste há cinco anos. A instituição realiza cerca de 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais e acolhe 2,9 milhões de pacientes todos os anos. 

 “Estamos renegociando contratos, fazendo todo tipo de economia possível com apoio dos funcionários, seja de água, luz, impressão. Tudo que a gente pode fazer para otimizar o pouco que temos está sendo feito. Estamos tendo um relativo atraso de pagamento de fornecedores e de médicos, mas todos entendendo esse momento e de mãos dadas para conseguir manter tudo em funcionamento”, conta a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes. 

Maria Rita explica que o contrato das Osid com o Ministério da Saúde estabelece repasses mensais de R$ 13 milhões, mas as despesas são de R$ 19 milhões e que o governo não cobre a diferença. A previsão é de que, até o final de 2022, o déficit de R$ 24 milhões pode saltar para R$ 44 milhões. Para amenizar a situação, foi lançada na segunda (18) a campanha ‘Um Milhão de Amigos Para Santa Dulce’, para incentivar doações mensais à instituição. 

Genivaldete de Jesus Santos, 63 anos, é uma das pacientes atendidas na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) das Osid. Ela recebeu o diagnóstico de câncer em 2015 e a estimativa de três meses de vida. Foi encaminhada para o tratamento, onde fez cirurgia, quimioterapia e radioterapia. Já são 7 anos desde o diagnóstico. “Foi nas Osid que as portas se abriram para mim e eu consegui tudo. Graças a Deus estou bem e em acompanhamento na instituição, onde sempre fui muito bem acolhida, com o melhor tratamento”, diz. 

Hospital infantil

No Hospital Infantil Martagão Gesteira, o déficit mensal antes da pandemia era de R$ 500 mil; agora, já é de R$ 700 mil. A crise já tem consequências. “Ficamos com um padrão baixo de remuneração de funcionários. Não temos mais o que enxugar, não temos mais onde apertar. Ficamos com o básico e nossos projetos de expansão, aumento de serviços e melhora na qualidade do atendimento estão todos engavetados. Os recursos doados, que deveriam ser utilizados nesses projetos, estão indo para a sobrevivência do hospital”, revela o presidente da Liga Álvaro Bahia Contra a Mortalidade Infantil (entidade mantenedora do Martagão), Carlos Emanuel Melo. 

Por lá, são cerca de 80 mil pacientes e 500 mil atendimentos por ano. Trata-se do maior hospital pediátrico do Norte e Nordeste, com atendimento exclusivamente via SUS. “No Martagão, 50% dos pacientes atendidos têm renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo. Ou seja, cuidamos das doenças mais graves que acometem a população que é mais desprovida de recursos financeiros”, acrescenta o presidente. 

Um dos serviços prestados é o de Transplante de Medula Óssea (TMO). Cada procedimento desse custa cerca de R$ 80 mil, sendo que apenas R$ 30 mil são repassados pelo SUS. O restante chega através de doações, mas, com a pandemia, essa ajuda reduziu. “Estamos sobrevivendo por causa das doações e empréstimos em bancos. Hoje, o Martagão acumula R$ 18 milhões vindos de bancos”, destaca Melo.  O Aristidez Maltez atende 34% de todos os casos de câncer da Bahia (Foto: Divulgação/HAM) O Hospital Aristides Maltez, cuja mantenedora é a Liga Baiana Contra o Câncer, fechou 2021 com um déficit de R$ 10 milhões. Ele é o único Centro de Alta Complexidade em Oncologia da Bahia e funciona com atendimentos exclusivamente via SUS. No ano passado, foram mais de 167 mil consultas e 4 milhões de procedimentos realizados. Segundo Washington Couto, diretor administrativo do hospital, 34% de todos os casos de câncer da Bahia são atendidos pelo Aristides Maltez, que também recebe pacientes de outros estados.

De acordo com Couto, a situação já era complicada e, com a pandemia, o cenário ficou ainda pior. “Tivemos uma queda nos atendimentos e, ao mesmo tempo, o aumento do preço dos insumos ligados à área de saúde. Aliado a isso, houve a diminuição das doações por conta da crise financeira que se arrasta até hoje”, diz. 

A costureira Elizete Queiroz de Freitas, de 55 anos, realiza tratamento de câncer de mama desde 2017 na instituição e lamenta a crise. “Aqui eu recebi muita atenção, tudo foi feito com muita rapidez; tive consultas, exames, tratamentos. O hospital tem estrutura, tem uma boa equipe, mas precisa de ajuda para manter isso. A gente vê que eles fazem de tudo com um orçamento apertado porque o objetivo principal é atender com qualidade. Os governos deveriam olhar mais para esses lugares que são muito importantes para muita gente que precisa”, opina. 

O que diz o governo

O Ministério da Saúde, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e a Secretaria de Saúde de Salvador (SMS) foram procurados para responder sobre a falta de reajustes e insuficiência de repasses para as filantrópicas. A Sesab disse, em nota, que “não houve alteração nos repasses da tabela de serviços remunerados pelo SUS, que não sofre reajustes há mais de dez anos. O que houve nos últimos dois anos é que, em função da pandemia, desde março de 2020 a tabela vinha sendo remunerada de forma cheia, conforme determinado pelas leis federais 14.601 de 2020 e 14.189, em vigor até dezembro de 2021. A partir de então, a tabela é paga por produção, como preconiza a legislação vigente”, diz o texto.

A SMS respondeu que as entidades filantrópicas de Salvador sob gestão municipal recebem anualmente aproximadamente R$ 35.797.266,60 em incentivos federais. Além disso, o município aporta aproximadamente R$ 89.530.675,27 anuais em incentivos para complementar o financiamento das referidas instituições. "Entre os anos de 2019 e 2021, o aporte de recursos a título de incentivos – sejam federais ou municipais, destinados às instituições filantrópicas e/ou sem fins lucrativos, teve um crescimento de 29%, saltando de R$ 99.497.798,04 para R$ 128.261.281,03", diz a nota.

O Ministério da Saúde, também por nota, disse que repassa mensalmente para as secretarias estaduais e municipais de saúde os recursos financeiros destinados ao custeio de serviços hospitalares de média e alta complexidade, incluindo os do setor filantrópico. “Em 2021, foram repassados aos fundos estaduais e municipais mais de R$ 67,7 bilhões para o custeio dos serviços em todo o país. Em 2021, entre janeiro e abril, já foram repassados R$ 18,6 bilhões para o custeio desses serviços”, diz o texto. A pasta não especificou quanto desses valores foram destinados à Bahia.

Cenário nacional

A Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) afirma que alguns repasses feitos pelo SUS para as filantrópicas não sofrem reajuste há 15 anos. Desde 2015, 315 instituições do setor fecharam as portas no Brasil. 

“Desta forma, se não houver políticas imediatas, consistentes, de subsistência para estes hospitais, dificilmente suas portas se manterão abertas e a desassistência da população é fatal”, salienta o presidente da CMB, Mirocles Véras. 

Segundo o CMB, desde o início do plano real, em 1994, a tabela SUS e seus incentivos foi reajustada, em média, em 93,77%, enquanto o INPC (Índice de Preços ao Consumidor) aumentou 636,07%, o salário-mínimo em 1.597,79% e o gás de cozinha em 2.415,94%. “Este descompasso brutal representa R$ 10,9 bilhões por ano de desequilíbrio econômico e financeiro na prestação de serviços do SUS, de todo o segmento”, pontua.

O presidente da CMB lembra que as entidades filantrópicas são responsáveis por 70% de todo o atendimento de alta complexidade e de 50% dos atendimentos de média complexidade da rede SUS no país. “Nós atendemos as pessoas mais carentes, que não têm plano de saúde, e isso repercute diretamente na sociedade. Este alerta que estamos fazendo é para que os poderes municipais, estaduais e federal entendam que, se não tomarem providências, teremos que fechar leitos por questões financeiras”, afirma.

Campanha Chega de Silêncio

A Confederação das Santas Casas de Misericórdia (CMB) organizou ontem a campanha nacional Chega de Silêncio, para chamar a atenção para a crise do setor filantrópico no país. Com a campanha, algumas instituições suspenderam atendimentos eletivos. Esse foi o caso do Hospital Martagão Gesteira. Pela manhã, o ambulatório ficou vazio.

“Nós resolvemos aderir e, se chegamos a esse ponto, se estamos expondo toda a situação e pedindo ajuda, é porque já tentamos de tudo. Trata-se de uma paralisação simbólica e todos os atendimentos foram reagendados desde a semana passada”, afirmou o presidente da liga mantenedora do Martagão, Carlos Emanuel Melo. Segundo ele, o nome da campanha é sugestivo e mostra que a quebra do silêncio é um pedido de socorro.

“As filantrópicas formam um apoio fundamental à rede pública do SUS. Não podemos permanecer em silêncio e corremos risco futuro de termos que suspender serviços. Estamos falando de crianças de toda a Bahia assistidas pelo Martagão”, ressalta.

Já as Osid não suspenderam o atendimento, mas realizaram um ato simbólico em apoio à campanha. Às 9h, profissionais da entidade fizeram um minuto de silêncio “para alertar a sociedade sobre a mais grave crise financeira já enfrentada pelo setor”. No momento, as luzes foram desligadas nos diversos setores de todas as unidades da instituição, desde os núcleos de atendimento até o Santuário Santa Dulce dos Pobres.

O presidente da CMB (Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos), Mirocles Véras, diz que a paralisação não prejudicou nenhum paciente. “Todos esses atendimentos foram remarcados. A urgência e emergência dos hospitais não sofreram nenhuma alteração. O objetivo principal é chamar a atenção das autoridades, então muitas entidades estão apoiando a campanha, divulgando a causa, sem necessariamente paralisar”. 

Como ajudar?Osid: Para participar da campanha “Um Milhão de Amigos Para Santa Dulce” e ajudar a Osid, basta acessar o site www.1milhaodeamigossantadulce.org.br e realizar sua doação. As pessoas podem doar a partir de R$ 10, mas o importante é continuar mantendo a doação todo mês. Dessa forma, será possível manter o legado de Santa Dulce dos Pobres.Aristides Maltez: Pix - CNPJ: 15180961000100 / Razão Social: Liga Bahiana Contra o Câncer

Depósitos bancários - 

Banco do Brasil (AG: 3025-2/Conta Corrente: 9892-2); Santander (AG: 3041/Conta Corrente: 13.000.557-9); Bradesco (AG: 3679-1/Conta Corrente: 361-1); Itaú (AG: 0226/Conta Corrente: 47817-0); Caixa (AG: 1236/Operação: 003/Conta Corrente: 1477-0)

Outras opções de doação podem ser conferidas no site https://www.aristidesmaltez.org.br/doacoes/ Martagão Gesteira:Pix - Chave: [email protected]

Depósitos bancários -

Bradesco (AG: 0286-4/Conta Corrente: 191228-3); Banco do Brasil (AG: 0346-8/Conta Corrente: 4016-9); Caixa (AG: 4248/Conta Corrente: 00902695-3); *Operação:03 Itaú (AG: 8872/Conta Corrente: 20869-2); Santander (AG: 3041/Conta Corrente: 13000059-8)

Outras opções de doação podem ser conferidas no site https://martagaogesteira.com.br/doe-agora/ 

Telefone para informações sobre doação: (71) 3032-3773

Martagão Gesteira Transferência bancária, depósito, boleto, débito em conta, cartão de crédito e PIX são as principais maneiras para realizar doações financeiras e ajudar o Martagão a levar mais saúde para milhares de crianças baianas.

Para ajudar a instituição filantrópica, as doações podem ser feitas pelo telefone: (71) 3032-3773 e pelo site da instituição: https://martagaogesteira.org.br/doe-agora. Dos pacientes do hospital, cerca de 50% são oriundos de famílias cuja renda é igual ou inferior a um salário mínimo. As doações podem ser feitas, também, via PIX, sem taxas, por meio da chave [email protected].