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Yasmin Garrido
Publicado em 26 de fevereiro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza, acusados de participação no assassinato do garoto Lucas Terra, em março de 2001, permanecem atuando em cargos religiosos na Bahia. Ele tinha 14 anos na época do crime.
O advogado de defesa da dupla, César Faria, preferiu não dar detalhes sobre a localização dos religiosos, para segurança dos seus clientes, mas confirmou que os dois continuam no exercício dos cargos. O CORREIO também entrou em contato com a Iurd, para saber se os acusados seguem vinculados à igreja, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Ao contrário do que foi noticiado inicialmente, Fernando e Joel não eram bispos, e sim pastores, segundo o advogado deles. Lucas Terra foi queimado vivo quando tinha 14 anos (Foto: TV Bahia/Reprodução) Para César Faria, Fernando e Joel são inocentes e foram incluídos injustamente no processo que apura a morte do garoto, que foi encontrado carbonizado em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama. Os exames comprovaram que o jovem foi abusado sexualmente e queimado vivo. “O nome deles sequer aparece na denúncia inicial, surgindo tempos depois, após muitos depoimentos prestados por Sílvio Galiza, que já foi condenado pelo crime”, afirmou.O advogado ainda declarou que, para os religiosos, a manutenção do processo, que já se arrasta há mais de 10 anos, “é ruim para todo mundo, inclusive para os acusados, sendo uma tortura para eles, porque já carregam a culpa sem terem sido julgados devidamente”. Os dois membros da igreja foram processados em fevereiro de 2008.
Fernando Aparecido e Joel Miranda chegaram a ser inocentados em sentença publicada, em novembro de 2013, pela juíza do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Gelzi Almeida. No entanto, em 2015, a família de Lucas Terra recorreu e os desembargadores baianos, por unanimidade, decidiram levar os acusados a júri popular.
A partir daí, um novo recurso, desta vez elaborado pela defesa dos pastores, foi enviado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu manter a decisão do tribunal baiano. Mas, o que as partes não esperavam, é que o Supremo Tribunal Federal (STF) fosse anular, em novembro do ano passado, a decisão do TJ-BA que mandou a dupla ao julgamento popular. Fernando e Joel tentam provar inocência (Foto: Antônio Queirós/Arquivo CORREIO) O ministro Ricardo Lewandowski argumentou que havia “falta de fundamentação no acórdão de pronúncia”, devendo o TJ-BA expedir nova decisão, desta vez com a devida fundamentação dos fatos, o que incluiria a individualização dos atos de cada acusado pela morte de Lucas Terra.
O advogado César Faria contou ao CORREIO que, mesmo com o recurso apresentado pela Procuradoria Geral da República, que pede a manutenção do júri popular, acredita que os seus clientes vão ser inocentados. “Toda essa mudança no processo acontece em razão de declarações feitas por Sílvio Galiza após o recebimento da denúncia, o que é proibido, pois fere os princípios do contraditório e da ampla defesa”, disse.
Ainda segundo César, tanto Fernando quanto Joel apresentaram defesa referente à acusação de que o crime teria sido motivado por pedofilia, tendo ficado comprovado, inclusive, que Joel nunca conheceu Lucas. “Como eles podem ser acusados de terem participado de outra forma?”, questionou a defesa.
Para o advogado, a declaração de Galiza de que o crime teria sido motivado em razão de Lucas Terra ter flagrado um ato sexual entre Fernando e Joel é “completamente infundada”.“Sílvio já havia sido condenado pelo crime, teve a pena reduzida e, após vários depoimentos, trouxe essa história de relação homoafetiva entre os pastores, o que nunca aconteceu”, afirmou.A defesa dos pastores da Iurd também declarou que cabe, agora, à 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidir se mantém a nulidade da sentença que determinou a ida dos acusados a júri. “De qualquer forma, a sentença foi anulada, devendo o TJ-BA proferir outra, apresentando, desta vez, a fundamentação para a ida ou não dos pastores a júri”, explicou.
“Neste caso, com outra decisão, o tribunal vai ter de especificar tudo com base na motivação inicial do crime, aquela apresentada na denúncia recebida, e não com base nos depoimentos posteriores de Galiza”, ressaltou César Faria. “Foi exatamente isso que chamou a atenção de Lewandowski quando anulou a decisão”, completou.
O advogado comentou ainda o recurso apresentado pela Procuradoria Geral da República, que concordou com o tribunal baiano quanto à ida dos acusados a júri popular. “É direito da PGR recorrer da nulidade da sentença junto ao STF. Eles entraram com um agravo, que vai ser apreciado em segunda instância em março”, destacou. De acordo com a movimentação do recurso, o STF deve decidir o caso em 8 de março deste ano.
Mas, para César, é importante que a motivação inicial do crime seja mantida - a de pedofilia, apresentada na denúncia. E, para ele, esta motivação não envolve nem Fernando nem Joel.“Não existe crime sem motivo. No caso de Galiza, que já foi condenado, o motivo apresentado e acatado foi o de pedofilia, que não se aplica aos pastores”, concluiu.Morte O advogado de Fernando Aparecido e Joel Miranda comentou a morte do pai de Lucas Terras, José Carlos Terra, 65, vítima de uma parada cardiorrespiratória na última quinta-feira (21). Para ele, se o processo tivesse obedecido os ritos normais, “o pai da vítima poderia ter visto a história ter um desfecho”.
José Carlos queria tanto ver justiça, que chegou a cursar Direiro para entender os trâmites do processo. Pai de Lucas morreu sem ver o desfecho do caso (Foto: Alberto Coutinho/Arquivo CORREIO) A defesa dos pastores também afirmou que reconhece a natureza do crime, que é hediondo, e imagina a dor da perda para a família do garoto. “A única coisa que eu posso desejar, independente de religião, é que Carlos Terra descanse em paz”, declarou César.
Quanto aos acusados, o advogado ressaltou que um processo que tramita há quase 20 anos na Justiça "traz sofrimento para todas as partes" - o processo foi aberto em 2001, mas os pastores só foram citados e incluídos sete anos depois.“Meus clientes, apesar de terem se mantido em Salvador até o término da fase de instrução processual, sendo realocados para outros municípios, e de não terem perdido os cargos na igreja, sofrem muito, por terem o nome vinculado a um crime como foi o assassinato de Lucas Terra”, disse.César Faria complementou ao dizer que acredita na manutenção da decisão de Lewandowski, que anulou a sentença que levou os pastores a júri popular. “Nós esperamos que seja levada em consideração a primeira denúncia e as provas colhidas, não a palavra de Galiza. Com isso, acreditamos na inocência de Fernando e Joel”, concluiu.
Liberdade condicional Apesar de estar em liberdade condicional, Sílvio Galiza ainda cumpre pena pela morte de Lucas Terra até 22 de novembro deste ano. Inicialmente, ele foi condenado a 18 anos de prisão, em regime fechado, tendo progredido à medida do cumprimento.
Conforme a denúncia inicial, ele estuprou e queimou vivo Lucas Terra. Galiza foi julgado e condenado pelo crime (Foto: Antônio Querós/Arquivo CORREIO) Após a abertura do processo e o recebimento da denúncia, em novembro de 2001, tendo como motivação do crime atos de pedofilia praticados por Galiza, ele mudou a versão do depoimento e envolveu Fernando Aparecido e Joel Miranda, afirmando que o adolescente foi morto após presenciar um ato sexual entre os pastores. Os dois membros da igreja foram chamados ao processo em fevereiro de 2008.
O CORREIO conversou com um dos advogados de defesa de Sílvio Galiza, Fabiano Pimentel, e ele afirmou que perdeu o contato direto com o cliente após a sentença condenatória. Fabiano pediu que a equipe entrasse em contato com outro advogado de defesa do ex-pastor, Sérgio Habib. No entanto, ele informou que estava em uma viagem internacional e só poderia se manifestar após o seu retorno, no dia 15 de março.
Relembre o caso Lucas Vargas Terra tinha 14 anos quando foi abusado sexualmente e queimado ainda vivo por dois pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, no Rio Vermelho, na noite de 21 de março de 2001. O garoto havia saído de casa para um culto religioso realizado pelo bispo Silvio Roberto Galiza quando desapareceu. Os restos de Lucas foram encontrados dentro de um caixote na Avenida Vasco da Gama e ficaram 43 dias no Instituto Médico Legal enquanto aguardavam a realização de exames de DNA.
O corpo do adolescente foi encontrado carbonizado em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama, em março de 2001. Os exames comprovaram que o jovem sofreu abuso sexual e teve fogo ateado em seu corpo enquanto estava vivo.
Se Lucas Terra estivesse vivo hoje, estaria com 31 anos e, provavelmente, seria médico. “Ele gostava de ajudar as pessoas. Não podia ver pessoas nas marquises e dizia: ‘mãe, serei médico para ajudar todas essas pessoas’”, contou Marion Terra, 60, mãe do garoto. Mãe de Lucas Terra fala sobre marido e filho (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) A compaixão para com o próximo era o que o pai, Carlos, mais admirava em Lucas. Na comunidade da Santa Cruz, onde costumava pregar e evangelizar, Lucas passou a ser conhecido como o “Anjo de Santa Cruz”.“Isso porque ele resgatava outros jovens da criminalidade e a comunidade local aprovava. Quando ele morreu, os pastores dizam que os traficantes da Santa Cruz o teriam matado, mas os próprios traficantes falaram para a gente: ‘Ninguém aqui seria capaz de tocar em seu filho, ‘Anjo de Santa Cruz’”. O pai de Lucas morreu 18 anos após o filho, no começo da tarde de quinta-feira (21), no Hospital Geral Ernesto Simões, no bairro Pau Miúdo, em Salvador. Ele sofria de cirrose hepática e, segundo a esposa, o quadro do marido se agravou no final do ano passado, após saber da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, de anular a sentença do TJ-BA que indicava o envolvimento dos pastores no crime.
O corpo de José Carlos Terra foi sepultado na tarde desta sexta-feira (22) ao lado do filho Lucas Terra, no Cemitério do Bosque da Paz. Uma cerimônia íntima, para cerca de 20 pessoas, entre amigos e familiares.
O promotor do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Davi Gallo, que ficou à frente do caso no estado, afirmou ao CORREIO que "Carlos era um guerreiro". "Somente a morte para calar a voz dele. Mesmo assim, a voz dele ainda repercutirá durante o processo", disse Gallo.
A mãe de Lucas Terra disse ainda que, este ano, será lançado o livro "Carlos Terra: Traído pela Obediência". A obra, um relato do pai sobre a vida após a morte do filho, será uma continuação do livro lançado em 2016 sobre Lucas.
* Com supervisão da subeditora Fernanda Varela