Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 11 de agosto de 2022 às 11:37
A prefeitura de Nova Viçosa repudiou nessa quinta-feira (10) o comportamento do Governo do Estado em relação à demolição de um imóvel que pertenceu ao artista plástico polonês Frans Krajcberg. Em vídeo, a prefeita Luciana Machado diz que o local estava "abandonado há anos", sem cuidados. A prefeitura também contesta a informação de que o imóvel faz parte do bens deixados pelo artista ao Estado da Bahia.
Em nota, a prefeitura diz que foi feito um levantamento junto ao cartório e o imóvel não estava registrado, tendo uma matrícula geral que pertence ao município. "Ainda que esse imóvel estivesse registrado em nome do artista plástico, este não consta da lista dos bens doados ao Estado da Bahia, no termo firmado em 2009", diz a nota.
A prefeitura diz que há discussões judiciais em andamento sobre a quem pertence o restante dos bens deixados por Krajcberg, que não estão na lista de espólio. "Desse modo, até que seja definido judicialmente, não pertencem ao Estado da Bahia os bens que não foram especificados no termo de doação". Já o governo diz que decisão judicial determina que tudo que Krajcberg deixou pertence ao Estado.
A casa foi demolida como parte de obras para construção do novo porto de Nova Viçosa. Dois piers já foram construídos para facilitar o acesso e o planejamento inclui um terceiro.
A prefeitura ainda diz que desde 2009 o Estado não forneceu "nenhuma manutenção" ao patrimônio doado de parte do acervo de Krajcberg. "A maioria das obras de arte foram removidas do Sítio Natura, contrariando sua última vontade disposta em seu testamento que prioriza o Museu Sítio Natura. A “famosa” casa da árvore e os galpões encontram-se infestados por cupins, com a estrutura comprometida, necessitando urgentemente de reforma, demonstrando o descaso com o legado do artista", diz o texto.
Outro ponto destacado pela prefeitura é uma ação civil pública ajuizada pedindo que as obras de arte voltem ao Museu do Sítio Natura, além da reabertura da visitação. A prefeitura afirma que a escritura de doação das obras pode ser anulada por conta do descumprimento dessas medidas.
"Ano passado fiz um pedido, me coloquei à disposição para ajudar a administrar o museu. Na limpeza, na coordenação. Ali existia uma historia, agora as historias foram levadas do município. Essas obras estão expostas em outro município que não é Nova Viçosa", afirma a prefeita. (Foto: Divulgação) Demolição O imóvel foi demolido na manhã de ontem, depois de uma primeira tentativa na terça (9). A Procuradoria Geral do Estado (PGE) chegou a registrar queixa na delegacia e pedir reforço policial, mas a empresa contratada voltou ao local e demoliu a propriedade. O reforço da PGE foi solicitado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado (Ipac).
“Essa demolição demonstra uma falta de interesse pela preservação e memória do município, principalmente ao seu acervo edificado. Causa-nos estranheza que a câmara de vereadores e a população tenha isso como natural. E o segundo, que é o mais agravante, é você adentrar em um imóvel que é de outro ente federativo. E o pior de tudo, vai diretamente de encontro com a memória do próprio artista”, ressalta o diretor geral do Ipac, João Carlos Oliveira.
Ontem, o governo informou que uma decisão da Comarca de Nova Viçosa reafirma que todos os bens deixados por Krajcberg, incluindo o acervo de obras de arte, devem ser administrados pelo Estado da Bahia, como este achar conveniente. Por conta disso, o governo entendeu que a demolição é ilegal.
Em nota, a PGE informou que adotará as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
Acervo O acervo doado ao Estado é composto por mais de 48 mil itens e cerca de 50 hectares do sítio Natura, antigo ateliê onde vivia praticamente recluso desde 1978, no município de Nova Viçosa, extremo sul do estado. Sua obra reflete a paisagem brasileira, em especial, a Floresta Amazônica, e sua constante preocupação com o meio ambiente.
Disputado por vários outros estados e até mesmo pelo exterior, o artista doou o seu acervo de obras e propriedades à Bahia pela primeira vez em 2009. A escritura de doação foi assinada pelo artista e pelo governador Jaques Wagner durante a abertura do Seminário Nordeste: Água, Desenvolvimento e Sustentabilidade, no Fiesta Bahia Hotel, em Salvador.
Quatro anos depois, outra decisão, desta vez partida do governo estadual, ressaltava a importância de suas obras para o estado: a construção de um museu para preservação da sua obra. Em 2019, foi aprovado, por unanimidade, pela Assembleia Legislativa da Bahia, o projeto de lei para a criação da Fundação Museu Artístico Frans Krajcberg.
O equipamento teria uma sede no município de Nova Viçosa e em Salvador, no bairro de Ondina, mas 9 anos após a decisão, nenhuma obra foi iniciada. A reportagem questionou o Ipac, responsável pela administração das obras, sobre o andamento do projeto, mas a pergunta não foi respondida.
Hoje, parte do acervo do artista pode ser visitado no Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, no Recôncavo da Bahia, e na exposição “Frans Krajcberg: por uma arquitetura da natureza”, no MuBE, em São Paulo.
Frans KrajcbergKrajcberg morreu em novembro de 2017, aos 96 anos, no Hospital Samararitano, no Rio de Janeiro. Em 2022, o artista completa 101 anos de história. Frans nasceu na Polônia, em 1921. Durante a Segunda Guerra, precisou fugir para a União Soviética, se separando dos seus pais. Mais tarde, descobriu que seus familiares morreram nos campos de concentração nazistas.
Iniciou seu processo artístico na Europa pós-guerra, mas foi no Brasil que ele se tornou um ativista e artista, transformando a arte em caos conceitual. Desde então, viajou pela floresta amazônica, morou no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e decidiu fixar morada na Bahia entre 1972 e 2017, ano de sua morte.
Desde então, sua arte e luta pela natureza se tornaram uma só. Entre fotografias, vídeos, pinturas, fotografias e esculturas, o que mais chama atenção são os troncos de árvores, muitos carbonizados, transformados em arte e protesto, como se houvesse uma ressurreição daquela natureza morta.