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Bruno Wendel
Publicado em 4 de outubro de 2024 às 04:49
"Paciente goza de plenas condições de desinternação e retorno ao convívio social e familiar." É o que diz o trecho da decisão judicial que põe em liberdade o baiano e ex-estudante de Medicina Mateus da Costa Meira, conhecido como o "Atirador do Cinema", após usar uma submetralhadora e matar três pessoas e ferir outras quatro que assistiam a um filme no Shopping Morumbi, em São Paulo, em novembro de 1999 - à época, a tragédia ficou conhecida como o "Massacre no Morumbi Shopping". Diagnosticado com esquizofrenia, ele ficou 25 anos preso, até o dia 18 deste mês, quando a sentença foi dada pela Vara de Medidas Alternativas de Salvador (VEPMA).
A decisão - à qual o CORREIO teve acesso com exclusividade - contém três páginas e é assinada digitalmente pela juíza Marcela Moura França Pomponet, da Vara de Medidas Alternativas de Salvador (VEPMA), do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, localizado no Fórum Criminal de Sussuarana.
De acordo com a decisão, Mateus, que hoje tem 49 anos, foi submetido a "exame de cessação de periculosidade", ou seja, uma avaliação que visa determinar o risco de violência que uma pessoa representa para a sociedade. Neste caso, o ex-estudante de Medicina foi considerado "apto para a desinternação" , de acordo com laudo dos peritos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado da Bahia (HCT). O documento diz que o Ministério Público do Estado (MPBA), devidamente intimado, emitiu parecer favorável.
Embora os peritos do HCT tenham concluído que Mateus goza de plenas condições para o convívio social, a juíza Marcela Pomponet pondera que o seu tratamento seja mantido "em ambiente extra-hospitalar em rede privada vinculada ao seu plano de saúde, com sugestão do acompanhamento pelo Hospital-Dia". O regime de Hospital-Dia oferece assistência intermediária entre a internação hospitalar e o atendimento ambulatorial, facilitando a reintegração do paciente à sociedade. O tratamento é oferecido a quem sofre com transtorno psiquiátrico ou dependência química.
A unidade deverá enviar relatório mensal para a VEPMA, informando "a evolução do tratamento imposto ao paciente, razão pela qual determino à direção do Hospital de Custódia e Tratamento que enviei ao hospital adequado cópia da decisão, acompanhada do laudo do exame de cessação de periculosidade e da lista de medicamentos ministrados durante o período de internação do paciente e observação das recomendações constantes do laudo".
A liberdade de Mateus não é uma decisão definitiva. Segundo o documento, o ex-estudante de Medicina ficará um ano "sob prova", conforme também ponderou o MPBA. "Caso pratique algum ato indicativo de sua periculosidade - que não precisa ser um fato típico e antijurídico -, poderá voltar à situação anterior", diz trecho de sentença, que esclarece em seguida que Mateus terá que cumprir algumas obrigações.
Além de submeter-se a tratamento extra-hospitalar em rede privada, com acompanhamento no Hospital-Dia, ele não poderá mudar de endereço sem comunicação prévia à Justiça; manter boa relação com amigos, familiares e estranhos; respeitar as determinações das autoridades civis e militares; permanecer em recolhimento domiciliar noturno (das 22h às 6h), exceto em emergências ou urgência médica ou desastre; não ingerir bebidas alcoólicas, nem consumir drogas ilícitas; não frequentar bares, casas de jogos e festas populares; não portar armas; procurar a VEPMA ou a Comarca onde fixar residência, sempre que tiver alguma dúvida a respeito do processo que não possa ou não saiba resolver.
O documento diz ainda que, de acordo com "as novas diretrizes estabelecidas pela política antimanicomial, a medida de segurança, na modalidade de internação, é providência excepcional a ser adotada pelo Poder Judiciário, admissível quando os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes". "Nesse sentido, a desinternação, mediante acompanhamento extra-hospitalar e o convívio do paciente judiciário com os seus familiares e a comunidade local, é medida imperiosa para contribuir com a continuidade evolutiva do tratamento", pontua a juíza na decisão. O processo está em segredo de Justiça.
O CORREIO procurou o Ministério Público do Estado (MPBA). "O processo em questão é sigiloso", informa a instituição. A reportagem também buscou um posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado (TJBA), mas até o momento não há resposta. A defesa e os parentes de Mateus não foram localizados.
Tiros no cinema
A tragédia que chocou o país à época aconteceu na noite de 3 de novembro de 1999, dentro da sala 5 do cinema do Morumbi Shopping. Testemunhas contaram que Mateus começou a assistir ao filme Clube da Luta na primeira fila. Ele então levantou e foi ao banheiro, onde tirou a arma de uma bolsa e resolveu testá-la atirando no espelho, aparentemente contra a própria imagem, com sua submetralhadora americana Cobray M-11.
Em seguida, voltou à sala de projeção, ficou de frente para a plateia e começou a atirar. Quem estava na primeira fila viu a tempo que se tratava de tiros reais e se abaixou, enquanto os demais acreditavam que os disparos eram do filme. A sala permaneceu escura. A fotógrafa Fabiana Lobão Freitas, 25 anos, morreu na hora. O economista Júlio Maurício Zeimaitis, 29, chegou ao hospital com vida, mas não resistiu. A publicitária Hermé Luísa Jatobá Vadasz, 46, também não resistiu aos ferimentos na cabeça. Os cinco feridos por balas ou estilhaços ficaram fora de perigo. Dessa tragédia, resultaram três mortes, quatro pessoas feridas e mais quinze em pânico. Testemunhas relataram ainda que os tiros duraram cerca de três minutos.
Prisão
Mateus foi peso em flagrante e acabou condenado a mais de 120 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Na ocasião, os advogados alegaram que ele era semi-imputável, ou seja, possuía consciência parcial de seus atos. A sua defesa tentou mostrar que ele sofria de alucinações, ouvia vozes misteriosas, tinha crises de agressividade, além de um comportamento estranho e solitário. Depois de várias apelações judiciais, Mateus foi condenado aos 30 anos máximos previstos pela Justiça brasileira. Os advogados ainda tentaram, em vão, alegar insanidade mental e argumentar que Mateus havia sido influenciado pelo jogo Nukem 3D, no qual há uma cena de tiroteio em um cinema.
Em 2007, os magistrados reduziram a pena para 48 anos e 9 meses. Mateus ficou preso no Centro de Observação Criminológica (COC) do Complexo do Carandiru, em São Paulo, até o presídio ser desativado, em 2002. Posteriormente, foi transferido para a Penitenciária 2 de Tremembé (SP) e, depois, em 2009, para a Penitenciária Lemos Brito (PLB), em Salvador, onde nasceu.
No dia 8 de maio de 2009, Mateus tentou matar seu colega de cela, o espanhol Francisco Vidal Lopes, de 68 anos, com uma tesoura, na PLB e foi autuado por tentativa de homicídio, aparentemente porque o homem ouvia a televisão em volume muito alto. Em 2011, a Justiça da Bahia, por meio do júri popular, o absolveu da acusação de tentativa de homicídio contra o colega de prisão. Foi considerada a tese, defendida pela promotora do caso, Armênia Cristina Santos, de que o ex-estudante é inimputável por sofrer de doenças mentais atestadas por laudos médicos. Com tal decisão, Mateus foi encaminhado para o Hospital de Custódia e Tratamento (HCT) de Salvador.