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Coronavírus: entenda como domésticas se tornaram grupo de risco no Brasil

Doméstica morreu no Rio de Janeiro; Feira de Santana registrou infecção de profissional e familiares

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 23 de março de 2020 às 05:01

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: AFP

Nem todo mundo ficou doente viajando. Mesmo antes de a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) anunciar que havia transmissão comunitária por coronavírus - ou seja, quando não se sabe de onde veio o vírus - na Bahia, já tinha gente que fugia ao perfil inicial proposto pelos especialistas: pessoas que tivessem voltado do exterior e, posteriormente, de alguns estados brasileiros. 

O segundo, entre todos os casos na Bahia, foi de uma empregada doméstica infectada justamente pela patroa, em Feira de Santana. A empregadora tinha recém-chegado de uma viagem à Itália. Em seguida, três pessoas da família da doméstica também ficaram doentes. Na semana passada, uma das notícias com maior repercussão foi a de que a 10ª pessoa infectada no estado era o funcionário de um empresário que fugiu da quarentena, em São Paulo, e veio para Trancoso, em Porto Seguro. 

Assim, aos poucos, o quadro de infectados começou a expor desigualdades sociais. Começou a mostrar a realidade de trabalhadoras e trabalhadores domésticos que, ao contrário de patrões que podem “se isolar”, precisam continuar no local de trabalho. Para eles, o tal “home office” sequer aparece como alternativa. Muitas vezes desamparados pelas leis trabalhistas, não têm sequer coragem de pedir para ficarem em casa. 

No resto do Brasil, a situação já tomou contornos mais alarmantes. No município de Miguel Pereira, no Rio de Janeiro, uma empregada doméstica de 63 anos morreu com suspeita de coronavírus na terça-feira (17). Ela também teria sido infectada pela empregadora, que teve o diagnóstico depois de voltar da Itália. 

No grupo de risco - pela idade, por ter diabetes e hipertensão -, a doméstica morreu um dia após ter sido internada. À Agência Pública, o irmão da vítima contou que a patroa, moradora do Leblon, não teria contado sobre a possibilidade de estar doente.  

Mas, diante de um cenário de pandemia, um aspecto chama atenção: o que torna o emprego doméstico tão comum no Brasil a ponto de expor trabalhadores a essas situações? De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, no último trimestre de 2019, eram 6,3 milhões de trabalhadores domésticos no país. Na Bahia e em Salvador, eram 417 mil e 113 mil - o que representa pouco mais de 7% do total de pessoas trabalhando. 

História colonial O pesquisador Luiz Chateaubriand, analista da pesquisa de emprego da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI) explica que, na verdade, essa não é uma realidade única do Brasil. De fato, o trabalho doméstico não é tão comum em países da Europa e os Estados Unidos, onde o coronavírus também se alastrou. 

Nos países latinos, porém, a frequência é maior.“É um contexto bem disseminado nas sociedades coloniais, no período de expansão do capitalismo colonial. Na América Latina, é bastante generalizado, principalmente nas famílias com mais recursos. É uma herança que vem do regime escravocrata”, diz. Isso gerou um padrão cultural de comportamento em que muitas famílias deixavam os trabalhadores domésticos sujeitos a condições de exploração. “Não tem nem 30 anos que ainda era comum que as trabalhadoras domésticas ficassem confinadas em pequenos quartos, em condições pouco salubres. Às vezes, elas só tinham uma folga dominical ou de 15 em 15 dias”, lembra 

De acordo com Chateaubriand, um dos reflexos dessa cultura é que, ainda hoje, o trabalho doméstico tem algumas das jornadas mais longas, se comparadas a profissões como as ligadas ao comércio, por exemplo. O ambiente ainda costuma considerar trabalhos manuais, como o doméstico, como algo de “segunda linha”. 

“Ao longo da nossa história, existia uma submissão que abrangia todas as dimensões da vida da pessoa e estavam sujeitas à violência de todos os tipos, física, sexual”, completa.

A médica epidemiologista Vilma Santana, professora titular do programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador da Universidade Federal da Bahia (Ufba), destaca, ainda, aspectos de gênero e raça do trabalho doméstico. “Nós temos hábitos culturais que se organizaram a partir da existência de mulheres negras, pobres, moradoras de periferia e que precisam de um emprego, que vem sob a forma de um emprego doméstico", afirma. Segundo a epidemiologista, ainda que o perfil ocupacional dos infectados no Brasil ainda não seja conhecido oficialmente, é possível considerar trabalhadoras e trabalhadores domésticos como um grupo de risco.

"É muito comum que elas sejam expostas a todas as doenças facilmente transmissíveis", diz, citando também aquelas que trabalham como cuidadoras de idosos ou como babás. 

Só que a desigualdade social tem se refletido não apenas no contágio como também no acesso aos serviços de saúde. 

“O acesso aos serviços de boa qualidade e boa cobertura está comprometido e ainda tem a questão da habitação. Quando esses casos começarem a acontecer em comunidades mais pobres e menos favorecidas - onde a urbanização é muito limitada, espaços pequenos, casas coladas umas nas outras, e praticamente não há isolamento e privacidade -, como isso vai ficar?”,

Riscos A secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico), Milca Martins, disse que a maior parte da categoria, hoje, trabalha sem condições necessárias a evitar uma doença no local de trabalho. “Eu mesma já fui infectada com a urina do cachorro e até hoje estou em tratamento porque a bactéria se alojou no meu sangue e na minha pele. Quem arca com o custo de ficar doente é a trabalhadora, porque a primeira coisa que os empregadores fazem é mandar embora”, pondera. A orientação da entidade para os trabalhadores domésticos tem sido de, ao chegar no local de trabalho, exigir condições de segurança e equipamentos de proteção individual, se for o caso. “Quando há um surto como esse, os empregadores mandam ficar 15 dias em casa, mas, no fim do período, vão descontar esse valor. Ou seja, nós estamos em prejuízo. Sem contar que, para cuidar da sua família, eu preciso estar bem de saúde”, reforça. 

Na quarta-feira (18), a Federação das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) divulgou uma nota lamentando a morte da trabalhadora doméstica no Rio de Janeiro. No comunicado, a entidade fez um alerta sobre as condições da categoria, destacando que estão em "situação especial de vulnerabilidade". 

A orientação da Fenatrad é de que as domésticas e diaristas sejam dispensadas durante esse período, mas de forma remunerada. Se isso não for possível, que os empregadores forneçam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). 

Na legislação O Ministério Público do Trabalho (MPT)  divulgou, esta semana, uma nota técnica que defende que as ausências ao trabalho sejam estendidas aos trabalhadores domésticos. A recomendação para os procuradores é de que atuem para garantir que trabalhadores domésticos sejam dispensados com remuneração assegurada durante o período de quarentena ou isolamento. Da mesma forma, que seja estabelecida uma política de flexibilidade de jornada. 

O procurador-chefe do MPT na Bahia, Luís Carneiro, defende que, nesse momento atípico e de vulnerabilidade social, o "bom senso" fale mais forte. "As orientações do MPT são para evitar ou restringir o contato social, evitar aglomerações. E como levar isso para dentro de nossas casas? Concedendo folgas, antecipando férias. Tem a questão dos trabalhadoores de carteira assinada e das diaristas, mas temos ouvido de muitas pessoas que têm se valido do bom senso para continuar o pagamento (para diaristas)", pontua. Para Carneiro, o trabalho doméstico sofreu uma revolução com a lei complementar 150, de 2015. "Essa cultura da informalidade deu um passo significativo para a formalidade, mas ainda existe uma amplitude dessa questão do trabalho doméstico no Brasil. Transformar uma cultura leva tempo, não é da noite para o dia". 

Mas quanto aos casos de trabalhadores domésticos que foram infectados por patrões, a advogada Joana Rodrigues, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia (OAB-BA) e especialista em direito trabalhista, destaca que não necessariamente deve-se falar em acidente de trabalho. 

"Esse é um assunto muito controverso porque a jurisprudência informa que tem que ser uma atitivdade de risco, que não é o caso do emprego doméstico, ou você tem que comprovar dolo ou culpa do empregador. Mas como você vai comprovar essa culpa se é um vírus que pode ser transmitido até sem saber, quando está assintomático?", argumenta. 

Um ponto de mudança, para a advogada, é a decretação de emergência de Salvador e de calamidade na Bahia, nos últimos dias. "A partir daí, tem o estabelecimento de uma norma proibitiva. Se você, empregador, é responsável por zelar pela saúde do desse funcionário e ainda assim determina que ele trabalhe e seja exposto ao vírus, está assumindo o risco. No meu entender, vai ser a responsabilidade plena do empregador", analisa. Esse não seria o caso, porém, dos primeiros infectados no estado, já que o vírus foi transmitido antes mesmo que as autoridades públicas definissem o risco exato de preocupação. 

'A gente não sabe quanto tempo vai durar e se as pessoas vão continuar pagando', diz diarista

A diarista Denilse Soares, 48 anos, conta que, nesta primeira semana de quarentena, trabalhou apenas na segunda-feira (16). Nos outros dias, foi dispensada pelos clientes; pelo menos um deles já sinalizou que pretende continuar pagando pelos dias não trabalhados.

Ela, que trabalha como diarista há 17 anos, ganha pouco mais de R$ 1 mil por mês para sustentar a casa onde mora com o filho. Sem os clientes fixos, diz que o cenário será "preocupante".   Denilse trabalha como diarista há 17 anos (Foto: Acervo pessoal) Leia o depoimento dela na íntegra 

"Depois de segunda, todos liberaram. Na segunda, acho que todo mundo ainda estava tentando entender as coisas. Mas a cliente de quinta já deixou bem claro que o pagamento vai ser mantido. Os outros ainda não me disseram nada, mas espero que façam o mesmo. 

Tudo é preocupante porque a gente não sabe quanto tempo vai durar e se as pessoas vão continuar pagando. Trabalho como diarista há  muito tempo, mais de 17 anos. Antes eu era fixa numa casa só, mas perdi o último emprego porque meu filho pegou catapora. Na época, eu cuidava de uma menina que pegou catapora. Através dela, eu acabei trazendo para casa e meu filho ficou com a doença. A creche não aceitava meu filho com catapora e os pais dela não queriam que eu cuidasse dela junto com meu filho. Preferi sair do emprego para cuidar dele. 

Tem épocas que estou com muitos clientes e um acaba atropelando o outro, mas atualmente só estou com três. Minha renda chega a R$ 1 mil, R$ 1,2 mil por mês. Agora, só quem já disse que pagaria normalmente foi um casal de idosos. Eu já estou com eles há muitos anos e eles já estão no grupo de risco, preferiram se isolar em casa mas garantiram que o dia vai ser pago normalmente. 

Gostei de terem me liberado porque me protegem e também protegem a eles. Porque eu fico saindo nesses ônibus, metrô, e acabo correndo o risco. 

Desde terça-feira, estou em casa. Só não estou mais em casa porque, onde moro, no Arenoso, está com um problema de falta de água e a gente sempre tem que correr para pegar água. 

Moro com meu filho de 18 anos e acabei de ter um neto. Mas tanto ele quanto minha nora continuam no hospital, o Martagão Gesteira, porque ele nasceu com atrofia muscular. Já está com dez meses e viria para casa na segunda-feira (23), mas com esse coronavírus, não pode mais. Nem ele, nem ela. Também não podemos visitar.

Por enquanto, não tem acerto (com os clientes) para a semana que vem ainda. Estou numa situação de esperar eles dizerem algo. Mas se eu estiver bem, como estou agora, vou. Se eu estiver gripando, corizando, já não vou, porque corro o risco de estar com o vírus e passar”. 

O que diz a lei? Advogados trabalhistas e o próprio Ministério Público do Trabalho (MPT) pedem que os empregadores não deixem de pagar aos funcionários. Uma possibilidade é dar folgas ou antecipar férias.  Se os trabalhadores domésticos estiverem doentes ou em quarentena, as faltas não devem ser descontadas. Pela lei, o afastamento, desde os primeiros 15 dias, deve ser pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social.  Se o trabalhador doméstico estiver morando na casa do empregador, é preciso estabelecer horários de trabalho e também pagar hora extra, se for necessário.  A recomendação de especialistas é chegar a um acordo pelo bom senso.  Quais são os cuidados básicos de higiene para trabalhadores domésticas?

As recomendações são da Federação das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad)Se não puder lavar as mãos, usar álcool gel 70%;  Aumentar a limpeza em banheiros e superfícies de uso comum (mesas, bancadas, maçanetas) com produtos usuais, dando preferência à água sanitária para desinfetar superfícies;  Lave bem as mãos (dedos, unhas, punho, palma e dorso) com água e sabão, usando toalhas de papel para secá-las;  Separar roupas das peças de cama de pessoas infectadas para que seja feita a higienização separadamente;  O álcool não deve ser usado em aparelhos eletrônicos, porque pode danificar peças. Objetos como teclados, mouse, celulares e outros eletroeletrônicos devem ser limpos com álcool isopropílico;  Utilizar lenço descartável para higiene nasal cobrindo o nariz e a boca ao espirrar ou tossir. Evitar tocar olhos, nariz e boca sem que as mãos estejam limpas.