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Daniel Aloísio
Publicado em 6 de outubro de 2020 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Uma cidade do interior baiano está livre da tradicional disputa política nestas eleições. É Licínio de Almeida, de pouco mais de 12 mil habitantes, localizada no centro-sul do estado, quase na divisa com Minas Gerais. Lá, apenas um cidadão se apresentou à população como candidato a assumir o cargo de prefeito. É Frederico Vasconcellos Ferreira, o Dr. Fred (PC do B), o atual administrador do município, que tenta a reeleição, mas sem concorrência.
Natural de Cantagalo, no Rio de Janeiro, Fred tem 34 anos, é médico e vive em Licínio de Almeida desde 2010, quando foi para a cidade a trabalho e decidiu ficar. A esposa e duas filhas nascidas na cidade baiana ajudaram o médico a se estabelecer definitivamente. Licínio de Almeida tem 12 mil habitantes e 9,8 mil eleitores (Foto: Divulgação) Em 2016, pela primeira vez na vida, Dr. Fred disputou um cargo eleitoral, justamente o de prefeito. Por apenas 270 votos de diferença, venceu Cosme Silveira Cangussu (DEM), 69 anos, que já foi prefeito da cidade por três mandatos e atua na política municipal desde 1988. Por seu histórico, Cosme é o líder da oposição em Licínio de Almeida e seria, naturalmente, o candidato da oposição nas eleições de 2020. Mas, dessa vez, ele decidiu “tirar férias”. “Já tenho 30 anos de vida pública. Esperava que surgisse um novo nome, mas não aconteceu. Acho que o baixo poder econômico e a falta de coragem prejudicaram para que surgisse esse candidato da oposição. Sempre era eu que estava à frente”, disse o ex-prefeito, que ainda não sabe se vai votar esse ano. “Se eu ficar aqui, votarei. Mas estou pensando em fazer uma viagem”, afirmou. A última vez que Cosme sentou na cadeira de prefeito foi em 2008, quando foi derrotada nas urnas por outro médico, Dr. Alan, que governou Licínio de Almeida por oito anos e apoiou a campanha de Dr. Fred, em 2016. Nessa época, no entanto, a eleição foi bem diferente do que acontece agora em 2020.
O curioso caso da cidade baiana com apenas um candidato e quase sem oposição: confira abaixo o podcast especial
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“Aqui a política era bem concorrida. Antes tinha aquela guerra mesmo de oposição e situação. A cidade não tem muitos moradores, todo mundo conhece todo mundo e a cidade fica dividida. Se eu sou de um lado, não converso com o do outro. Se alguém pulava de um lado político, tinham muitos fogos para comemorar. Havia também muita aposta”, lembra saudosista a comerciante Suzygleidy Baleeiro. “Há uma saudade desse movimento, pois está muito calmo. A gente vai na cidade vizinha e vê o falatório. Aqui está uma paz”, descreveu.
Para a enfermeira Elaine Tais, 29 anos, no entanto devido a pandemia do novo coronavírus é até bom não ver a agitação tradicional na sua cidade. “Esse ano está muito conturbado. Eu acredito que todos ficarão tranquilos nessa eleição. Agora, se tivesse uma disputa, a gente estaria com medo de como ela se realizaria por causa do vírus”, opinou.
Sem concorrentes
Mas, afinal, quais foram os fatores políticos que levaram Licínio de Almeida a ter só um candidato a prefeito em 2020? Para todos os entrevistados na reportagem, inclusive para o próprio Dr. Fred, é unanimidade que houve uma desarticulação da oposição. Dos quatro vereadores de oposição eleitos em 2016, dois “pularam” para o lado da situação.
Um deles, inclusive, é Roberto Davi de Souza, o Robertinho, que é o atual candidato a vice-prefeito. Ele vem de uma tradicional família política de Licínio de Almeida. Seu pai foi vereador por quatro vezes e ele mesmo, sempre pelo Democratas, se elegeu vereador por outros quatro mandatos. Essa é a primeira vez que alguém da família vai para um cargo do executivo. “Eu era da oposição e, mesmo assim, tinha amizade com ele, antes mesmo dele pensar em entrar na política. Vi que o trabalho dele era excelente e que ele dava assistência a todos, independentemente de ter votado nele ou não. Ele soube ter articulação com a oposição. Então, me convidou para eu ser o vice e eu aceitei”, explicou. Robertinho passou quatro mandatos filiado ao Democratas, antes de migrar para o PSD (Foto: Divulgação) Já para o Dr. Fred, outros fatores foram importantes para definir essa realidade de candidatura única. “Estamos acompanhando o nosso mandato com pesquisas e sempre observamos aprovação muito alta. A última que a gente tinha deu quase 90% de aprovação. Acho também que a pandemia contribuiu, pois uma pessoa sem bagagem política teria dificuldade para disputar uma eleição, agora, pela primeira vez”, disse.
Para serem eleitos, os únicos candidatos precisam ter apenas um voto válido, que pode ser o do próprio prefeito, por exemplo. Votos nulos ou brancos não são considerados como válidos, o que torna a eleição praticamente ganha. Mesmo assim, para Dr. Fred, a campanha de 2020 vai acontecer normalmente.“No período eleitoral, a gente tem que ter um diálogo mais franco com a população. É o momento de sabermos em que pontos temos que melhorar e avançar. Vamos lembrar o que fizemos nos últimos anos e mostrar que temos o melhor plano de governo. Eu me sinto preparado para conduzir a cidade nos próximos quatro anos”, afirmou. Fred é filiado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), mas deixa claro que não promove um governo comunista na cidade. “Essa disputa ideológica acontece mais na macropolítica do Brasil. Agora, o governo tem a influência do que a esquerda prega, que é o investimento no serviço público. Minha filha sempre estudou e estuda em escola pública. Ela nasceu num hospital público, assim como a mais nova”, disse. Vereadores
Se apenas uma pessoa vai disputar o cargo de prefeito, 33 querem ocupar as nove vagas da Câmara Municipal. Eles estão divididos em quatro partidos: PC do B e PSD, com 23 candidatos da situação; Psol, com sete candidatos que, segundo Dr. Fred, são uma espécie de terceira via; e, Democratas, com apenas três candidatos da oposição. Desses, dois são os atuais vereadores de oposição da cidade, Bené e Jackson Ribeiro, presidente municipal do partido. “Eu continuo na oposição, pois não acredito que exista isso de todo mundo só de um lado. O sistema político brasileiro não permite isso. Tem que ter alguém para fiscalizar, ver se tem irregularidades, cobrar e dar uma resposta para quem quer outra opção. Mesmo ele sendo candidato único, eu acredito que ele vai ter uma grande quantidade de votos brancos ou nulos”, disse Jackson. Por estar apenas com três candidatos, seu partido terá dificuldade em eleger vereadores. Para isso acontecer, o Democratas terá que ter uma votação superior ao quociente eleitoral da cidade, que é a razão dos votos válidos pela quantidade de vagas. Isso significa que, se todos os 9,8 mil eleitores da cidade votarem de forma válida, os três candidatos do Democratas teriam que somar quase 1,1 mil votos para que o mais votado entre os três seja eleito.
"Estamos conscientes disso. Só estamos com três pessoas na disputa, pois vários dos candidatos que estão no atual grupo do prefeito eram do nosso grupo. Eles falavam que iam ficar conosco, mas de última hora, o grupo do prefeito tomou um rumo e levou todo esse pessoal. Aí ficou muito complicado ir atrás de novas pessoas, pois o processo eleitoral estava perto”, explicou Jackson.
Para o professor do Departamento de Ciência Política da Ufba, Cloves Oliveira, ter uma oposição enfraquecida no cenário político é algo que prejudica a democracia.“Isso acontece quando não se tem muitos grupos disputando o poder. Um grupo predomina, se faz presente na cena política municipal e atrai para seu centro outros atores. Na Democracia, o ideal é que a gente tenha alternância de poder, disputa entre grupos para criar opção para o eleitorado e permitir que novos atores surjam”, explicou. No Brasil, 106 cidades de 17 estados terão só um candidato a prefeito em 2020. Na Bahia, a situação de Licínio de Almeida é única, mesmo com o aumento na quantidade de candidatos a prefeito, vice e vereador no estado comparando a eleição de 2016 e a deste ano. Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2016, 1.246 pessoas concorreram a 417 vagas de prefeito na Bahia. Em 2020, esse número saltou para 1.359, um aumento de 9%. Já para vereadores, em 2016 foram 34,268 candidatos, número que cresceu para 38.454, um salto de 12% no pleito deste ano.
* Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro