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Vinicius Nascimento
Publicado em 31 de agosto de 2018 às 11:39
- Atualizado há 2 anos
Imagine a seguinte situação: você mora em uma cidade e num espaço de 10 anos quase metade de toda a população decide se mudar. Estranho, não é? Mas é o que aconteceu em Maetinga, município do Centro-sul da Bahia, a 609 quilômetros de distância da capital. Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000 a cidade tinha 13.686 habitantes. Um censo depois, em 2010, o instituto apontou que Maetinga contava com 7.038 moradores, uma redução de 48,58%.
A expectativa para o próximo censo de 2020 é que a queda seja ainda mais abrupta. Segundo os dados que o IBGE divulgou na última quarta-feira (29), Maetinga tem 3.577 pessoas morando em seus 368,4 km². Os números populacionais da Bahia foram revisados pelo IBGE e acarretou em uma redução no número de habitantes em todo o Estado. Maetinga foi o município com maior perda, de 19,7% em relação a 2017, quando eram apontadas 4.456 pessoas residentes no município. “Notou-se uma redução populacional de cidades pequenas entre os dois censos. Essa evasão é uma tendência que acontece em todo o Brasil e não funciona de forma diferente na Bahia", explica Mariana Viveiros, supervisora de disseminação do IBGE.
"Normalmente verificamos que houve uma evasão de cidades muito pequenas, que é o caso de Maetinga. Não foi o único caso na Bahia, mas houve um aumento das cidades consideradas médias e um esvaziamento das cidades menores. Acreditamos que seja uma situação de migração. A gente imagina que tenha a ver com saída mesmo: as pessoas vão estudar, às vezes não conseguem completar sequer o ensino médio na cidade; também saem para trabalhar e a gente sabe que o país enfrenta uma crise tremenda. As pessoas saem para outras cidades em busca de trabalho”, diz Mariana.
A supervisora ainda explica que a tendência é de saída das cidades pequenas para cidades médias, aquelas que abrigam uma população entre 50 mil e 500 mil habitantes. Elas foram, inclusive, as que mais cresceram no Brasil durante os últimos anos, conforme aponta o IBGE.
“No caso de Maetinga há um viés de baixa desde 2011. Quando a gente fizer o censo de 2020 poderemos saber como a população se comportou efetivamente. O movimento que temos observado é a saída de pessoas em direção às cidades médias, principalmente aquelas com atrativos: seja um equipamento de lazer, industrial ou educacional” - comentou.
Os dados do IBGE não são vistos com bons olhos, principalmente por municípios pequenos. A redução populacional afeta diretamente o orçamento desses locais já que existem repasses relacionados a saúde, por exemplo, que variam de acordo com os números divulgados pelo IBGE.
Segundo a União dos Prefeitos da Bahia (UPB), três municípios baianos – Ibiassucê, Coronel João Sá e Vera Cruz – já judicializaram a questão e garantiram, em 2018, o repasse com coeficiente antigo, após perda de população em estimativas anteriores. O prefeito de Maetinga, Edcarlos Lima Oliveira (PT) corrobora com a medida.“O nosso município vem, desde o último Censo, sendo vítima de um cálculo equivocado feito pelo IBGE. Ao constatar um decréscimo populacional naquele Censo, os anos posteriores sofrerão estimativas sempre para baixo, até que se realize um novo Censo, o que acontecerá apenas em 2020", explica Edcarlos.Segundo ele, a cidade já está tendo prejuízos "de ordem financeira com a diminuição de recursos". O município, diz Edcarlos, acionará judicialmente o IBGE, "buscando reparar essa equivocada informação, exigindo que se faça, de forma extraordinária, um novo Censo populacional em Maetinga, a fim de verificar os números reais da nossa população”.
No caso de Maetinga, o prefeito é categórico ao afirmar que a cidade tem quase duas vezes mais habitantes do que informa o IBGE. “Os dados não são reais. Nossa população está em 7 mil pessoas.”
O principal indicador utilizado pela prefeitura para contestar o IBGE é o da saúde. O chefe do executivo de Maetinga se mostrou tranquilo em relação à população local. Para ele “quem mora aqui sente exatamente o contrário. A cidade tá crescendo, melhorando.”
Por outro lado, há preocupação com a imagem do município. “Pelo E-SUS, nós temos hoje cerca de 6 mil, 7 mil pessoas cadastradas, mas, pra quem não conhece, esses dados [do IBGE] refletem uma imagem negativa, como se tivesse havendo um esvaziamento. Por essa razão é que não nos resta alternativa senão acionar administrativamente e judicialmente o IBGE", completou Edcarlos.
Em nota (veja abaixo na íntegra), o IBGE informou que, "antes de mais nada, é preciso esclarecer que não foi realizada nenhuma contagem nem recontagem de população em 2018. O que o IBGE divulgou foram as estimativas anuais de população, que são resultado de um cálculo demográfico, o qual se baseia em dois fatores: a evolução da população do estado e a dinâmica demográfica de cada município, verificada entre os Censos de 2000 e 2010", explica.
Veja vídeo que mostra como é a cidade:
O estádio do Pacaembu, em São Paulo, tem capacidade para 40.199 pessoas. A população de Maetinga é suficiente para ocupar pouco mais de 10% da carga máxima suportada pelo cartão-postal paulistano.
O pequeno empresário Diogo Henrique Porto, 28 anos, nasceu na Terra da Garoa, mas se mudou para a pequena cidade baiana ainda na adolescência e está por lá há 15 anos. A mudança brusca aconteceu porque a família materna é maetinguense; a família de seu pai também é da região do Centro-sul baiano: a cidade de Presidente Jânio Quadros, que fica a cerca de 20 km de Maetinga.
Diego e sua esposa têm uma gráfica no centro de Maetinga há quatro anos. Ele atribui a redução populacional na cidade a fatores de educação e desenvolvimento profissional. O que ele pontua é que “a população realmente migra em busca de desenvolvimento escolar - e para isso migram para pólos estudantis como Vitória da Conquista. Outros que antigamente viviam das produções rurais estão procurando outros nortes para sobreviver. Às vezes, tem problema de seca aqui e o agricultor é como peixe: não vive sem água” Diego: com a esposa montou gráfica no centro de Maetinga há quatro anos (Foto: Acervo pessoal) Maetinga é uma das 72 cidades baianas que depende de transferências da União e do estado para arcar com as despesas da máquina pública todo mês - um dos repasses é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), verba enviada pelo Governo Federal que é calculada a partir da população.
A cidade já está entre aquelas enquadradas no coeficiente 0,6, o menor de todos. Mensalmente, recebe R$ 179.839,40 da União. Edcarlos Lima Oliveira é categórico ao afirmar que Maetinga não arrecada muita coisa com tributos como IPTU ou ISS.
Segundo o prefeito, a cidade sobrevive “basicamente de FPM”. O valor de FPM recebido pelo município não pode diminuir, já que é fixo e a cidade tem o menor coeficiente possível. Contudo, o esvaziamento apontado na cidade resulta no abatimento de outros repasses.“O nosso orçamento tá em torno de R$ 10 milhões. Cerca de 55% desse total é pra pagamento de folha. Temos uma estrutura grande de saúde, com cinco unidades de PSF [Programa Saúde da Família], Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], pronto atendimento 24 horas. Na educação, temos creches em tempo integral e educação garantida para todos os alunos do município. De forma que, a maioria desses programas federais, o município ainda tem que complementar, visto que o que eles repassam não cobrem a despesa do seu funcionamento”, afirma o prefeito.Diogo aponta que os funcionários públicos da são parte essencial na vida da cidade já que “[os servidores públicos] e aposentados são as pessoas que mais compram no comércio e aquecem o mercado local”.
Caso o censo extraordinário pretendido por Maetinga não seja atendido pela justiça, o conflito entre as versões da cidade e do IBGE deve seguir por pelo menos mais dois anos. Só no início da próxima década, o Instituto realizará seu maior Censo, utilizado como fonte oficial de população no Brasil.
Eleições Situado no Centro-Sul da Bahia, o município Maetinga tem um movimento incomum de pessoas a cada dois anos. Contudo, o fenômeno não ocorre em função de períodos festivos, mas por causa das eleições. A explicação para esse fato vem de um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que coloca a cidade entre as 231 do Brasil com mais eleitores do que habitantes. Na Bahia, são cinco casos.
Em Maetinga, um terço das pessoas aptas a votar não reside na cidade: são 6.736 votantes contra 4.456 moradores. O número coloca o município na quarta posição nacional e na terceira do Nordeste entre aqueles com maior diferença entre eleitorado e população. Serra Preta, segundo no estado, figura na 14ª posição nacional, com variação de 905 - são 16.941 eleitores contra 16.036 moradores.
A Bahia ocupa a nona posição no ranking dos estados com mais cidades que possuem mais eleitores que habitantes, ao lado de Mato Grosso e Tocantins (todas com cinco cada). O líder é Minas Gerais - com 75 municípios -, seguido por São Paulo (29) e Santa Catarina.
O estudo da CNM aponta, ainda, que a Bahia tem o quarto maior eleitorado do país, com 10,2 milhões eleitores, atrás de São Paulo (33,29 milhões), Minas Gerais (15,6 milhões) e Rio de Janeiro (12,3 milhões).
Salvador, por sua vez, tem o quinto maior número de votantes entre as capitais brasileiras, com 1,7 milhão de pessoas. São Paulo (9 milhões), Rio de Janeiro (4,8 milhões), Brasília (2 milhões) e Belo Horizonte (1,9 milhões) estão na frente da capital baiana.
De acordo com a pesquisa, 146,1 milhões de pessoas aptas a votar nas 5.568 cidades brasileiras este ano. O número representa aumento de 1,4% em relação às eleições de 2016.
Veja a nota do IBGE
"Antes de mais nada, é preciso esclarecer que não foi realizada nenhuma contagem nem recontagem de população em 2018. O que o IBGE divulgou foram as estimativas anuais de população, que são resultado de um cálculo demográfico, o qual se baseia em dois fatores: a evolução da população do estado e a dinâmica demográfica de cada município, verificada entre os Censos de 2000 e 2010.
A lei que estabelece a publicação da população para efeito de distribuição do FPM (nº 8.443, de julho de 92) foi alterada em julho 2013 pela lei complementar nº 143, que veta a possibilidade de apresentação de recurso, prevista na legislação de 92.
Entretanto, o IBGE recebe contestações administrativas, mesmo assim, por uma questão de transparência e por entender que as prefeituras são entes parceiros e fundamentais no trabalho do Instituto, com os quais estamos sempre dispostos a manter o relacionamento de maior respeito e cordialidade possível.
É preciso dizer, porém, que não há a possibilidade de revisão dessa estimativa via recurso administrativo junto ao IBGE. Quando recebemos os recursos/ contestações, procuramos responder e esclarecer a metodologia do cálculo das estimativas da melhor forma possível, mas eventuais revisões das estimativas só ocorrem a partir de decisões judiciais.
Resumindo, as prefeituras podem, se desejarem, enviar contestações administrativas ao IBGE, entretanto, qualquer revisão só poderá ser feita a partir de uma determinação judicial.
Por fim, o IBGE entende que o critério para repasse do FPM como ele existe hoje, usando as estimativas e por faixas de população, é inadequado e pode de fato penalizar municípios. Tanto é assim que está há tempos buscando mudar a lei de 1992 e inclusive participou ativamente da elaboração de projeto de lei (Projeto de Lei 184/2010, de autoria do senador Tião Viana) que propõe a alteração da forma de distribuição dos repasses, mas que, infelizmente, não avançou".
*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier **colaborou Luan Santos