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Fernanda Santana
Publicado em 28 de novembro de 2022 às 05:01
Antes de a pandemia de covid-19 chegar ao Brasil, em fevereiro de 2020, responsáveis por crianças com microcefalia estavam esperançosos: parecia que as políticas públicas avançavam, junto à possibilidade de uma vacina para gestantes.>
O começo de um surto mundial, no entanto, mudou essa rota. Desde então, os casos de microcefalia registraram um pico. Em 2021, 130 baianos nasceram com essa condição, 56% a mais que no ano anterior quando foram registrados 83 casos. Este ano, o número já chegou a 29 no estado, dos quais, 23 foram registrados em Salvador, segundo dados extraídos na primeira semana do mês da plataforma DataSus.>
A maioria das notificações ocorridas na Bahia, em 2021, também foram na capital: 97. O número é 67% maior que o registrado na cidade em 2020, quando 58 soteropolitanos foram diagnosticados com microcefalia.>
As respostas para esse aumento ainda estão em aberto, mas neurologistas e mães - é sobre elas que recai, na maioria das vezes, o cuidado dos filhos - apontam que o desvio de foco que a pandemia naturalmente provocou pode ter sido crucial para o aumento de casos.>
Quanto ao possível impacto direto do vírus Sars-cov-2, que causa a covid-19, nos fetos, não há indícios. Estudos preliminares apontaram, até agora, inexistência da relação, embora o sistema nervoso adulto seja afetado pela doença.>
A microcefalia pode ser diagnosticada ainda na gravidez, geralmente em casos de mães que tiveram alguma infecção nos três primeiros meses de gestação ou abusaram de álcool e outras drogas. Um bom pré-natal e o acesso a saneamento básico podem ser cruciais para evitar os riscos.>
O primeiro porque mune a gestante de informações e também de atendimento médico em caso de emergência clínica. O segundo porque freia o avanço do agente causador do zika vírus, um dos causadores da má-formação. >
A hipótese de um efeito indireto da pandemia para o aumento de casos de microcefalia ainda pode ser justificada pelo fato de que, neste ano, os casos voltaram a cair."O próprio fato de as pessoas terem voltado a circular mais, pode ter arrefecido a proteção ao foco do aedes aegypti [mosquito causador do zika]. Fora as questões de políticas de saúde mesmo. A cobertura vacinal caiu, as pessoas deixaram de procurar os postos, a gestante acabou não fazendo pré-natal direito", opina a neuropediatra Emanuelle Vasconcelos, professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).A microcefalia é diagnosticada em bebês cujo crânio é menor do que o esperado - abaixo dos 32 centímetros. O esperado é que bebês, ao nascerem, tenham ao menos 34 cm de perímetro da cabeça.>
No caso dos prematuros, essa medida varia. O maior pico de casos de microcefalia aconteceu, no Brasil, em novembro de 2015, quando o Ministério da Saúde confirmou a relação do vírus zika com o atraso do desenvolvimento cerebral dos bebês.>
O resultado foi obtido pelo Instituto Evandro Chagas, da Fiocruz, que descobriu a presença do zika em amostras de sangue e tecidos de bebês cearenses com microcefalia e outras malformações congênitas. Antes, o maior agente causador de microcefalia era a sífilis congênita.>
"Fora isso, na pandemia, tivemos uma baixa cobertura de tratamento de sífilis na gestação. E andou faltando o medicamento Bezotacil à rede pública para fazer o tratamento [no ano anterior, houve o mesmo problema]", continua a neuropediatra Emanuelle.>
Negacionismo na microcefalia Até a equipe do Instituto, coordenada pela pesquisadora Cecília Turchi, confirmar a relação entre zika vírus e microcefalia, o cenário também deu espaço para negacionismo - como aconteceu ao longo da pandemia de covid. Especulava-se que era vacina vencida o mal das grávidas ou talvez alguma especificidade do Nordeste, já que os registros de microcefalia estavam concentrados nessa região brasileira. Tudo desinformação com pitadas de crendice popular. >
Foi nessa época que Flaviana Oliveira, 28 anos, então uma jovem de 21, descobriu a gravidez, não planejada, da primeira filha. Era início de 2015 e a pesquisa da Fiocruz estava por concluir. O Brasil vivia a maior epidemia de zika, transmitida pelo aedes aegypti, que ainda pode causar doenças como dengue, febre amarela e chikungunya. Flaviana e a filha, Jhulia (Foto: Acervo Pessoal) Aos 3 meses de gestação, Flaviana foi diagnosticada com chikungunya e zika. Nesse período gestacional, o cérebro do feto ainda está em formação, por isso é considerado um período crítico e de risco para problemas como a microcefalia."Não sabia que a infecção passava para o feto. Aos seis meses, o médico levantou a suspeita. Mas ele não era especialista. Quando fiz novos exames, tive a comprovação que minha filha nasceria com microcefalia”, lembra Flaviana. A notícia provocou um choque. A bebê, Jhulia, nasceu no dia 31 de dezembro de 2015. O perímetro cefálico (outro nome para o perímetro do crânio) era de 27 centímetros, 16 a menos que o tamanho da neném, que ficou 11 dias internada. “Só aí o diagnóstico de microcefalia causado por zika vírus foi fechado, com encaminhamento para fisioterapia, terapias, fonoaudiologia, oftaumologista”, conta Flaviana.>
A microcefalia pode ser de baixa intensidade, quando compromete funções motoras como a coordenação e a fala, por exemplo, ou grave, quando a criança sequer consegue manter a coluna ereta. >
Tratamento está disperso na rede pública A microcefalia causa, a depender da gravidade, atrasos neurológicos, psíquicos, motores, problemas visuais ou auditivos e epilepsias. Como provoca múltiplos problemas, demanda, também, variedade de tratamento.>
Hoje, existe apenas um núcleo de acompanhamento específico para pessoas com microcefalia: o Centro Dia de Referência para Pessoas com Deficiência (Centro Dia), vinculado à Prefeitura de Salvador, localizado no Parque Bela Vista.>
A equipe do Centro Dia é multidisciplinar, com profissionais como assistente social, psicólogo e terapeuta ocupacional (veja mais abaixo como ter acesso ao atendimento). O restante do atendimento, sobretudo o médico, está disperso pelas unidades de saúde.>
Flaviana, a mãe de Jhulia, alterna entre médicos privados e a rede pública. Para garantir qualidade de vida à filha, já apelou para vaquinhas virtuais (veja abaixo como ajudar Jhulia). A criança passa os finais de semana com o pai, de quem Flaviana é separada.“Cadeira de rodas, comprei pela campanha. Fiz rifa para cama adaptada. Hoje, ela vai para a escola, tem vida social, passa final de semana com o pai, tudo normal”, conta.Os grupos de apoio são como portos seguros para mães, pais e familiares. Na falta de informação e acolhimento, eles se ajudam uns aos outros. Em abril de 2016, o grupo Abraço a Microcefalia, voltado para mães de filhos com microcefalia, fez o primeiro encontro presencial. “Nessa época, os prognósticos dos médicos eram os piores possíveis; alguns falavam que as crianças sobreviveriam até um ano. Os grupos vieram para fortalecer as pessoas, geralmente as mulheres, que cuidam”, afirma Joana Damásio, presidente do grupo e mãe de Gabriela, que nasceu com microcefalia no final de 2015, depois dela ter zika.O Abraço tem 330 famílias cadastradas, número que permaneceu estável na pandemia, pois o atendimento da associação foi interrompido. “Muitas famílias sem condições econômicas e dificuldades para acessar o serviço público. Então, unimos forças, e vemos que podemos ir adiante”, completa Joana.>
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Onde pessoas com microcefalia podem ter acompanhamento>
Centro-Dia Salvador>
Como ter acesso: Para ter atendimento, é preciso se cadastrar presencialmente, em posse de relatórios médicos. >
Público-alvo: Crianças e adolescentes com deficiência, prioritariamente crianças de 0 a 6 anos com microcefalia.>
Endereço: Rua Itatuba, 201 – Edifício Cosmopolitan Mix – Parque Bela Vista – CEP: 40279-700. (Rua do CEPRED).>
Telefone: (71) 3453-1162>
Doações para Jhulia: Doações para ajudar Flávia a custear o tratamento de Jhulia podem ser feitas para o pix (71) 99113-6893 [titular: Flávia Oliveira de Sousa]. Também é possível enviar fraldas, entrando em contato com ela no mesmo número da chave pix, que é de celular. >
*Com colaboração de Emilly Oliveira.>